David Sinclair é um nome a reter quando se fala destes temas. Geneticista e especialista em longevidade, o trabalho que desenvolveu no seu laboratório na Harvard Medical School centra-se em testar moléculas que podem conduzir à extensão da longevidade dos humanos. Porque envelhecemos e como podemos reverter esse processo são as duas perguntas que orientam a investigação deste cientista que tem uma característica muito particular: ele é a sua própria cobaia, nada do que testa é experimentado noutros antes que ele o faça primeiro. Como contou recentemenhte em entrevista no podcast de Joe Rogan, come saudavelmente, faz jejum de forma intermitente e toma diariamente suplementos para travar os efeitos da idade como 0,5 gramas de revesterol misturado com iogurte caseiro e metformina à noite, um medicamento prescrito para as diabetes que se acredita poder também ajudar a combater os efeitos do envelhecimento.

Durante vários anos, David Sinclair foi um dos poucos cientistas a estudar o processo de envelhecimento ao nível celular com o objetivo de encontrar terapias que permitissem aos humanos viver mais tempo e de forma mais saudável. “Há 30 anos, quando comecei a falar disto, era considerado maluco por trabalhar nesta área da biologia”, diz o próprio. Hoje as coisas mudaram e esta é uma área que reune alguns dos investigadores mais conceituados do mundo. Uma das razões desta mudança está relacionada com o apoio que chegou de uma área que há 30 anos era, também ela, apenas uma promessa: os milionários dos gigantes tecnológicos, como Google ou Amazon para dar apenas dois exemplos. A Google apoia projetos como a Calico e a Amazon d Jeff Bezos a Unity Technology. Em 2018, o mercado anti-aging estava avaliado em 42,5 mil milhões de dólares e deverá valer 55 mil milhões em 2023.

É neste mercado promissor que David Sinclair está especialmente bem posicionado com a sua Life Biosciences, uma empresa fundada em parceria com Tristan Edwards, ex- quadro da Goldman Sachs. A Life Biosciences agrega seis startups cujo foco é o desenvolvimento de medicinas para combater o processo de envelhecimento. A abordagem não é de cura de doenças como o cancro ou problemas cardíacos, mas sim a de entender porque envelhecem as nossas células e como pode esse processo ser “curado”. No fundo, para Sinclair, o envelhecimento é em si mesmo uma doença ou disfunção celular e é aí que se propõe atuar. O objetivo não é - pelo menos para já - viver para sempre, mas prolongar a vida saudável por mais anos. No fundo, envelhecer sem ficar velho.“Estamos a tentar mudar a perspetiva do mundo sobre o envelhecimento como um processo natural para outra coisa em que conseguimos intervir”, diz o cientista.

O que há alguns anos era visto como promessa vã ou até produto de charlatões é hoje não só uma ciência a sério como um negócio a sério. Prova disso mesmo são os nomes que entram nesta indústria. A 4 de março, o ex- responsável de desenvolvimento científico da PepsiCo, Mehmood Khan, um endocrinologista, anunciou que saía da empresa para assumir o lugar de CEO da Life Biosciences.

O sucesso de terapias como as que a Life Biosciences propõe, se confirmarem o seu valor, terá o toque de midas. Serão, sem dúvida, empresas que custam caro na fase de investigação e desenvolvimento, mas que poderão valer muito mais do que custaram se alcançarem os objetivos propostos. A Life Biosciences ainda não está cotada, mas fechou uma ronda de investimento de 50 milhões de dólares em janeiro. Um dos investidores é o fundador e CEO da WeWork, um gigante dos espaços de trabalho, Adam Neumann. A empresa emprega nas suas seis startups cerca de 100 pessoas, incluindo muitos doutorados e pós doutorados. O trabalho que desenvolvem decorre em várias frentes. Por exemplo, uma das empresas desenvolveu uma plataforma que permite analisar amostras de tecido, plasma, urina de forma a identificar milhares de pequenas proteínas e genes que escaparam à identificação no mapeamento do genoma no início de 2000. E que podem ser relevantes para tratar o envelhecimento e as doenças daí decorrentes.

Um estudo publicado em 2013 no jornal Health Affairs mostrava que adiar o envelhecimento podia prolongar em 2,2 anos a esperança de vida , com saúde, e teria um valor económico de 1,7 triliões de dólares nos próximos 50 anos. Dois anos pode parecer pouco, mas a história do século XX mostra uma evolução acelerada. No início do século passado, a esperança média de vida nos países desenvolvidos situava-se entre os 45 e os 50 anos e 22% das pessoas morriam antes dos 10 anos.

Ganhar a batalha da longevidade mostrou que a sociedade não estava preparada para a batalha seguinte: a das doenças que resultam da velhice. Esse é hoje um dos principais objetivos, mesmo na medicina menos disruptiva, a de conseguir que as pessoas vivam saudáveis mais anos. Nos Estados Unidos, 46 milhões de americanos têm mais de 65 anos e prevê-se que esse número duplique até 2060. Qual será a longevidade possível para o ser humano? Passar os 100 anos parece razoável aos olhos dos investigadores nestas áreas, mas há quem aponte os 125 anos. Mas, na verdade, a idade não é o foco de cientistas como Sinclair mas sim a capacidade de viver mais e melhor - sem doenças.

O trabalho que está a ser desenvolvido não tem, para já, reconhecimento da Food and Drug Administration, entidade responsável por aprovar novos medicamentos e que não partilha da visão do envelhecimento como uma condição clínica. O que significa que as novas drogas que possam surgir nestas investigações mais facilmente serão aprovadas para tratar doenças do que o envelhecimento em si mesmo. Até lá chegam ao mercado soluções que deixam a comunidade médica pouco confortável, mesmo que algumas não precisem de validação pela FDA - como os suplementos que o próprio David Sinclair reconhece tomar. Outras foram mesmo proibidas pela entidade reguladora nos Estados Unidos, como a transfusão de plasma oriundo de pessoas mais jovens.

O facto é que o tema da imortalidade está hoje não só presente como é prioritário na vida de algumas das pessoas mais brilhantes e com mais dinheiro. O que poderá significar alguma coisa em termos de futuro. Em entrevista ao Quartz, Stephen Cave, especialista no tema da morte e da imortalidade e autor do livro Immortality: The Quest to Live Forever and How It Drives Civilization, e também diretor do Leverhulme Centre for the Future of Intelligence da Universidade de Cambridge, mostra que andamos desde que existimos como humanidade à volta destes temas. As perguntas são as mesmas, mas as respostas podem hoje ser diferentes - pelo menos é o que Sinclair e os seus pares esperam.

Relata a reportagem da OneZero que na entrada do laboratório da Life Biosciences está uma fotografia do primeiro voo dos irmãos Wright, na Carolina do Norte, em 1903. Está lá para lembrar a analogia entre a possibilidade de os humanos conseguirem voar e a possibilidade estender a longevidade humana. Também aqui, o tempo o dirá.

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