Lançado nos Estados Unidos em 2015, entre prémios e polémicas, “Uma pequena vida” marca a estreia em Portugal da autora Hanya Yanagihara.
Esta é a história de quatro colegas de uma pequena universidade de Massachusetts que se mudam para Nova Iorque para começar a vida adulta.
O livro abre com a descrição da procura de um apartamento por dois dos amigos, e dos encontros dos quatro para almoços num restaurante asiático de duvidosa qualidade, que os deixa indispostos mas que é barato o suficiente para conseguirem pagar.
A incapacidade de alugar um apartamento ou um quarto – mesmo descritos como “ninhos de ratos” - por dois dos protagonistas apresenta logo ao leitor as dificuldades financeiras por que passam e a ausência de rede familiar.
Os outros dois amigos têm apoio parental, não obstante viverem, um deles ainda com os pais e o outro numas águas furtadas “imundas” de uma construção inacabada de um colega de faculdade.
A narrativa acompanha os quatro amigos ao longo de décadas, mostrando como as suas relações se aprofundam e escurecem tingidas pela dependência, pelo sucesso e pelo orgulho.
Sem dinheiro e em busca de um caminho, contam apenas com as suas ambições e com a amizade que os une: bonito e generoso, Willem tenta vingar como ator; nascido em Brooklyn, inteligente e mordaz, por vezes cruel, JB quer afirmar-se como pintor da cena artística de Manhattan; Malcolm é um arquiteto frustrado com o seu trabalho num ateliê de renome; e Jude, brilhante, enigmático e fechado, é o centro de gravidade do grupo.
Como eles próprios perceberão ao longo do tempo, o grande desafio destes amigos é Jude, que se torna um advogado temido pelos seus pares, mas que é um homem cada vez mais destroçado, física e psicologicamente marcado por uma infância inimaginável e perseguido por um passado traumático que teme jamais conseguir ultrapassar.
“Uma pequena vida” está dividido em sete partes – “Lispenard Street”, “O pós-homem”, “Retoques”, “O axioma da igualdade”, “Os anos felizes”, “Querido camarada”, “Lispenard Street” - e segue uma narrativa cronológica, intercetada ocasionalmente por ‘flashbacks’.
À medida que o enredo se vai desenvolvendo, o foco da história vai-se centrando gradualmente em Jude, nas suas experiências e nas interações das outras personagens com ele.
A dada altura, o texto passa a ser pontuado por uma narração na primeira pessoa, feita no futuro por uma outra personagem, de nome Harold.
A obra foi amplamente aclamada pela crítica, apesar da sua extensão – tem 685 páginas - e da crueza e crueldade do tema que trata, e foi elevada a candidata de vários prémios literários, tendo sido finalista do Prémio Booker, do Prémio Baileys for Women's Fiction, do National Book Award For Fiction norte-americano, e vencedora do prémio de Livro de Ficção do Ano do British Book Awards.
Mas assim como teve apoiantes, o livro também teve alguns detratores, sobretudo devido à dureza da história, que muitos acharam excessiva, como foi o caso de um crítico da New York Review of Books, que obrigou o editor da versão original americana a saltar para as páginas da mesma revista, em defesa da autora.
O jornal The Guardian, que na altura noticiou a polémica, classificou-o como “um livro incomparável, único, cuja leitura nos devasta – e o nosso coração sai maior destas páginas”.
A revista The New Yorker escreveu que “este romance pode deixar-nos perturbados, consumir-nos, tomar conta da nossa vida – e há, no meio do negrume e da brutalidade, beleza”.
A revista The Atlantic considerou-o “deslumbrante e surpreendente”, a The Economist descreveu-o como “fascinante” e o The Times Literary Suplement afirmou tratar-se de “um romance de enorme intensidade”.
Contudo, o crítico e escritor Daniel Mendelsohn, autor da trilogia "Os Desaparecidos", "Uma Odisseia" e "Três Anéis", considerou na New York Review of Books que "os abusos e o sofrimento que Yanagihara coloca sobre o seu protagonista não são necessários nem do ponto de vista humano nem do ponto de vista artístico", e que "o romance de Yanagihara engana, ao confundir angústia e êxtase, prazer e dor".
O editor, Gerald Howard, respondeu que “a arte é um elaborado jogo de trapaça, mas cujas técnicas são concebidas para nos conduzir gradualmente para um reino de autêntica emoção e uma felicidade estética, o que justifica a trapaça”.
Questionou ainda se teria sido “enganado” pelos autores quando sentiu vontade de chorar ao ler romances de Charles Dickens ou o “Stoner”, de John Williams, respondendo de seguida que, se assim for, quer continuar a ser “enganado” muitas mais vezes no futuro.
Daniel Mendelsohn contra argumentou que o próprio Howard admitira, numa entrevista que deu à Kirkus Reviews ainda antes de o livro ser publicado, que o sofrimento de Jude era demasiado para qualquer pessoa aguentar.
“Uma pequena vida” é o segundo romance da escritora Hanya Yanagihara, que se estreou com “The people in the trees”, em 2013, e publicou já este ano “To paradise”.
No início do próximo ano, a autora será uma das convidadas do programa “Meet the Author”, promovido pela Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD), com o objetivo de proporcionar aos leitores portugueses um contacto próximo com alguns dos mais conceituados escritores americanos da atualidade.
O programa arrancou em setembro com o escritor Colson Whitehead, a quem se seguiu o jornalista da The New Yorker Joshua Yaffa, com um livro sobre a sociedade russa no regime do Putin.
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