Imagine-se sentado numa mesa onde vê pratos com um desenho de peixes. Noutros uma cabeça de uma galinha. No prato ao lado, salta à vista um macaco que, para quem “come com a cara no prato”, poderá provocar um pequeno susto. Há animais e plantas. E muita cor. Verdes, vermelhos e azuis. Peças únicas, nenhuma igual à do lado, tudo misturado. Com tanta figura e traço desenhado é bem possível que esteja mais concentrado no design e não tanto nas iguarias e que não consiga distinguir a tal “espuma” e “raspas de qualquer coisa” do traço deixado por quem assina a peça. Que se deixe ir e que sorria quando vê o fundo do prato.
No meio da mesa emergem dois Candelabros, com um ou três braços, que nos remetem para uma figura folclórica ou mesmo fantasmagórica. Parecem máscaras. Há detalhes de azulejos. Fixamos os olhos ao fundo da sala de jantar onde está um pote com a cara de um pato ao lado de uma jarra com corpo de um elefante. Uma enorme cara de um porco colorido sobressai isolada. Assim com um prato, numa estante, com o desenho do macaco quase igual ao que foi levantado na mesa.
A descrição de uma casa feita nas linhas acima tem dupla assinatura. Ou antes, uma marca e um traço. É uma coleção da Vista Alegre assinada por Jaime Hayon, designer e artista espanhol, um dos mais conceituados da atualidade a nível internacional.
Expliquemos então a incursão deste “enfant terrible” do design contemporâneo nas porcelanas que nos habituamos a conhecer desde o tempo das nossas tetra-avós.
A inspiração no Portugal profundo. O folclore e as figuras zoomorfas
O namoro era antigo. Mas o casamento só aconteceu em 2016. A Vista Alegre, empresa portuguesa criada em 1824 queria que Jaime Hayon, nascido em Madrid, Espanha, em 1974, fizesse parte da sua história. Reescrevendo-a, recriando algo contemporâneo. Depois de pedida a mão, o resultado está à vista. Lançou uma coleção a que batizou de “Folkifunki”, um nome que apela logo à partida para a fantasia.
“É um desafio para cinco anos que engloba a Vista Alegre e a Bordalo Pinheiro. Não é necessariamente uma criação por ano”, garantiu Nuno Barra, diretor de Marketing da empresa durante a apresentação da obra do artista na Loja de Madrid.
Jaime Hayon, que trabalhou na “Fábrica” da Benetton, colaborou com a Baccarat, Bosa Ceramiche e Lladró, desenhou para a icónica do mobiliário, Fritz Hansen, multipremiado e considerado pela “Time” e “Wallpaper” como um dos mais relevantes criadores da atualidade, pôs as mãos e cabeça na quase bicentenária empresa portuguesa.
A inspiração buscou-a em Portugal. Mergulhou no ADN da empresa. “Fui desafiado a visitar a Vista Alegre e ir à fábrica. Parei na Bordalo e fui ao Museu”, começou por explicar Hayon. “Aprendei que cada empresa tem um processo diferente de fazer. Mas há sempre um ADN que não podes mudar e tens que entender”, continuou.
“Sem ideias previamente concebidas” e “sem rumo” perdeu-se pelo Portugal profundo, rural e pesqueiro, em busca de inspiração. Esbarrou no Barrocal, unidade hoteleira da autoria de Souto Moura. “Fui o primeiro cliente, estavam ainda a ligar o computador”, recorda. “As localidades vizinhas são lindas. A Olaria e a cerâmica, inspiraram-me as formas no Alentejo, a costa mais a sul, no Algarve, encantaram-me os povos pesqueiros, as cores e as chaminés, parecem esculturas”, recorda o artista cujo primeiro contacto com Portugal tinha sido enquanto “curador na Experimenta Design”.
“O conceito chegou antes e durante a visita a Portugal. Fui buscar a parte naïf e folclórica e as peças das nossas tetra-avós”, resumiu. “Tinha claro o que queria. Tinha a imagem. É esta. A sensação é esta. As formas são coerentes e a parte gráfica vai com ela. Combinam perfeitamente. Design e cozinha”, sumarizou.
A forma e a função juntas numa coleção que provoca sorrisos
“Pratos de 1890, 1920, 1960 e 2001... São combinações infinitas. Um barroco e uma taça mais orgânica”, acrescentou. No conjunto de mesa e peças decorativas em que nenhuma é igual “há pratos com peixes, com pássaros... Se rodar o prato vejo outra figura. E é inesperado. Já jantámos com 100 pessoas...”, continuou. “Pegas num jarro do elefante. Há quem lá ponha uma flor. É uma escultura. Está perfeito. É uma peça híbrida. Não é 100% figurativo. O pato é figurativo”, frisou durante a conversa.
Conhecido pelo trabalho imaginário e cósmico, na viagem das combinações explica que tudo o que desenha não tem apenas um significado funcional. “Há também uma questão de sentimento e eu gosto da ideia de que um objeto pode causar uma reação”, sustentou.
“Um bom design não é só funcionalidade. Estamos a trabalhar com emoções. Temos unicidade nas mãos. Não fazemos tostas”, adiantou Hayon, que se coloca ele mesmo na vanguarda de uma nova ala de criadores capazes de combinar arte, desenho e decoração.
Adepto da junção entre a tecnologia e a criatividade, dá espaço ao 3D e ao high tech, mas reconhece que “há uma parte humana que se perde no meio. A criatividade é mais sofisticada quando não há um botão”, finalizou.
Sobre a obra criada diz que “é o ideal” e serve de “plataforma com uma empresa centenária”, recordou. “É experimental. Tenho sempre uma porta aberta. É por isso é que esta coleção é boa... Há sempre espaço para mudar. Ninguém nota”, riu-se. “As minhas coleções não são um murro na cara. Provocam sorrisos”, garantiu. Esta acrescenta a fantasia à mesa.
Depois da Vista Alegre, a finalizar, deixa uma garantia quando tratar da arte de Rafael Bordalo Pinheiro. “É uma coisa muito louca. (O artista português) vai ressuscitar”, garantiu Jaime Hayon. Esperemos então para ver e sentir.
* O jornalista viajou a convite da Vista Alegre
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