Até ao anúncio deste filme da "Barbie", a popular boneca, criada em 1959 por Ruth Handler, já tinha vivido tempos melhores. Na última década, com uma maior consciencialização para a igualdade de género e à forma como as mulheres são representadas, a "Barbie" tornou-se cada vez menos um símbolo de empoderamento das mulheres e mais uma representação das expectativas irrealistas com as quais as mesmas têm de lidar diariamente. E isso não foram boas notícias para a Mattel, empresa dona da “Barbie”, que por essa razão vendia menos bonecas de ano para ano.

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O projeto para um filme com a "Barbie" começou a ser pensado em 2016 com Amy Schumer, mas começou a ganhar força em 2019, quando a comediante se afastou e Margot Robbie e Greta Gerwig ficaram ao leme da adaptação para o grande ecrã. Escreveu-se um guião, da autoria de Greta Gerwig e do marido Noah Baumbach, recrutou-se um elenco de luxo com destaque para a seleção de Ryan Gosling para o papel de Ken e entretanto começaram as gravações, que sofreram alguns atrasos devido à pandemia.

No final de 2022, começou uma campanha de marketing como há muito tempo não víamos para um filme. Os anúncios dos atores que iam estar no filme e os respetivos papéis - Will Ferrel, Helen Mirren, Dua Lipa, Emma Mackie, Simu Liu, America Ferrera, entre muitos outros. As notícias de que havia uma escassez da cor rosa no mundo inteiro devido à produção do filme. E, mais recentemente, uma série de iniciativas como uma Casa Barbie em Malibu que era possível arrendar, as coleções de roupa das principais marcas de vestuário ou mesmo o duelo com "Oppenheimer" de Christopher Nolan, a estrear nas salas de cinema no mesmo dia, que até ganhou um nome próprio - "Barbenheimer" - ou não fosse também isto um importante boost para a comunicação de ambos os filmes.

Mas vamos ao filme.

A expectativa versus a realidade

Estará a mentir quem não imaginou uma história muito fútil quando ouviu falar pela primeira vez num filme de "Barbie". Seria expectável algo em torno de uma comédia romântica, em que apesar de alguns obstáculos, a Barbie e o Ken arranjavam uma forma de ficar juntos no fim e viverem felizes para sempre. As primeiras entrevistas de Greta Gerwig e do elenco, bem como o primeiro trailer, davam a entender que não ia ser exatamente isto, mas restava ver para crer.

O filme começa logo com uma ode a "2001: Odisseia no Espaço" inspirando-se na cena inicial do filme onde macacos estão a partir ossos no meio do nada, para uma réplica onde crianças a brincar estão a fazer o mesmo, mas desta vez com "nenucos". Porquê, perguntam? Para demonstrar aquele que à partida seria o objetivo da "Barbie" enquanto produto: uma boneca que quebrava o estereótipo de "brincar às mães" e alargava a brincadeira de milhões de raparigas aos sonhos de poderem ser o que quisessem. Com as "Barbies", as crianças podiam brincar com aquela que queriam que fosse a sua versão no futuro, sem que o instinto maternal tivesse de ter algum impacto. Brincavam com a "Barbie" médica, a jornalista, a juíza, a política, a empresária, a atriz, o que fosse, e com os acessórios que tornavam o seu mundo um lugar bem mais confortável e justo para as mulheres.

Barbie (2023)

É esta a realidade vivida em "Barbieland", um lugar fictício criado por Greta Gerwig, onde "Barbies" vivem da forma como brincam com ela no "mundo real". Dominam a sociedade em todos os sentidos, politicamente (a Presidente é uma mulher e a Casa Branca é na realidade Casa Cor-de-Rosa) e socialmente (têm os principais empregos), fazendo que tudo gire em torno delas, incluindo os "Kens", homens cujo dia só faz sentido se as "Barbies" repararem neles. É pelo menos isto que nos é apresentado por Helen Mirren (narradora do filme e do trailer) quando nos é apresentado as personagens de Margot Robbie e Ryan Gosling, a Barbie Estereótipada e o Ken, respetivamente.

Só que tudo muda quando a "Barbie" de Robbie começa a ver o seu mundo virado do avesso. Pensamento sobre morte, celulite nas pernas, pés cujo calcanhar não toca no chão são algumas das coisas que começam a estragar a sua utopia e que a obrigam a fazer uma viagem por um portal que a leve ao "mundo real" e que a leve à pessoa que está a brincar, que suspeita ser a causa de todos os seus problemas. É nesta procura que está o cerne do filme e da sua história e não na busca por um amor com o Ken de Gosling. E ainda bem, porque ambas as personagens têm estofo suficiente para terem um arco muito próprio no filme e servirem como uma reflexão para aquilo que é o papel da mulher na sociedade e a responsabilidade que homens devem ter para garantir uma maior igualdade.

Um bom filme ou uma incrível campanha de marketing?

É verdade que a produção do filme surgiu numa altura em que as vendas da Barbie não estavam muito famosas. E é verdade que o filme tenta fazer um mea culpa da Mattel face a alguns problemas originados pelas bonecas e más decisões que foram tomadas (brinquedos descontinuados, por exemplo). Portanto, não é nenhuma ofensa dizer que "Barbie" é também uma ótima campanha de posicionamento da Mattel de um lado mais certo da História, com um filme que, ao final do dia, passa uma mensagem bem mais forte do que aquela que inicialmente esperávamos.

Foi por aqui que circulou o episódio desta semana do podcast, onde também falámos dos nossos momentos favoritos, de outras inspirações para o filme e da banda sonora. "Barbie" já está disponível em salas de cinema por todo o país.

  • Ouve este episódio do nosso podcast sobre a "Barbie" na Apple Podcasts, no Spotify ou qualquer uma das plataformas habituais.