A reação do na altura comandante militar na então província portuguesa da Guiné consta do livro "A PIDE no Xadrez Africano" da historiadora espanhola María José Tíscar, saída de uma conversa com o também então inspetor da polícia secreta do regime português António Fragoso Allas, em que dá conta de ações e subversões praticados por Portugal para manter o império em África e abafar os movimentos independentistas (1961/74).

Segundo Allas, não foram os portugueses que mataram o então líder do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) - o inspetor nega que tenha havido "mão da PIDE" -, atribuindo responsabilidades aos "guineenses dissidentes" do movimento de Amílcar Cabral.

"Ele (Spínola) disse: «bem, estamos tramados", contou Fragoso Allas, garantindo que nunca recebeu quaisquer instruções para abater Amílcar Cabral, e que a ideia era convencer dirigentes do PAIGC a colaborar com a PIDE.

"Matar não tem interesse porque isso complica o problema. Mas nós fizemos muito para levá-los a negociar connosco. Isso é que tinha interesse", acrescentou, insistindo na ideia de que a PIDE, ao contrário do envolvimento na morte do nacionalista moçambicano Eduardo Mondlane, "nunca teve um plano secreto" para Cabral, nem para aliciar os próprios guerrilheiros guineenses para o fazer.

Para Allas, há ideia de que quem beneficiaria da morte de Cabral era o Presidente da vizinha Guiné-Conacri, Sekou Touré, a quem os aparentes assassinos do líder do PAIGC se apresentaram após o assassínio, embora o agente da PIDE admita uma possibilidade curiosa e que a morte não teria sido algo premeditado.

"Mas parece que a morte de Amílcar não foi exatamente premeditada, mas fruto de um momento de tensão o do estado de exaltação de Inocêncio Cani (o militar guineense considerado o autor material do crime)", referiu Allas.

O episódio sobre a reação de Spínola à morte de Cabral é um de muitos relatados por Fragoso Allas, considerado o "homem de mão" de Spínola durante a permanência em Bissau, embora, já antes, se tenha destacado como inspetor da PIDE em Angola e Moçambique, e com ações desestabilizadoras e do interesse de Portugal em países como os Congos Kinshasa (antigo Zaire e atual RDCongo) e Brazzaville (antigo Belga), Senegal, Guiné-Conacri, Zâmbia, Tanzânia.

No livro, de 353 páginas, e com dezenas de anexos fotográficos e documentais recolhidos pela autora em arquivos espanhóis e portugueses, Fragoso Allas fala da infância em Beja, do alistamento na PIDE e dos primeiros trabalhos nas Informações, das primeiras missões em Angola, Zâmbia e Zaire e das várias operações militares direta ou indiretamente ligadas à polícia política - "Colt", "Plano Mobutu", "Barbarossa", "Bikini", "Mar Verde", "Safira" ou "Zebra", entre outros.

A "Rede Esmeralda", ligada aos espiões em Brazzaville, as redes de informadores na Guiné, a infiltração no PAIGC, os contactos com Leopold Senghor (Presidente do Senegal), o assassínio de Cabral, e o "25 de Abril” (de 1974) na então Lourenço Marques (atual Maputo), a queda de Spínola e os acontecimentos na Rodésia, com passagem por Madrid são outros dos temas relatados no livro de María José Tíscar, licenciada em Filosofia e Letras pela Universidade de Santiago de Compostela.

A autora é também doutorada em História pela UNED - com uma tese sobre o apoio da Espanha franquista a Portugal durante a Guerra Colonial (livro publicado em Portugal) -, professora de Geografia e História, profissão que exerce em diferentes liceus em Espanha, Alemanha, França e no Instituto Espanhol de Lisboa.