Em A Quinta dos Animais, os animais revoltam-se porque o Sr. Jones, proprietário da fazenda, é um ébrio. No fim da história, espreitam pelas janelas e veem os porcos a beber cerveja, e é então que se dão conta de que os suínos se tornaram humanos.
É a mesma história que foi contada na Epopeia de Gilgamesh há 4000 anos. Enkidu era um homem selvagem que vivia e comia e bebia água com os animais. Até que a sacerdotisa de Ishtar lhe dá cerveja a beber, e os animais sabem que Enkidu deixou de ser um deles. Na África Ocidental há uma história que conta como o deus criador ensinou as mulheres a fazerem papas de aveia e a produzirem cerveja, e quando elas o fizeram caiu-lhes o pelo e a cauda, e desde então somos humanos.
Em todos os lugares onde tenham vivido, e em todos os momentos, os humanos sempre se juntaram para se embriagar. O mundo vivido em solidão e sobriedade não é, nem nunca foi, suficiente. É certo que as drogas variam, mas estão sempre presentes.
De tempos a tempos ouve-se falar de uma «guerra às drogas», o que é ridículo. As drogas são uma constante. O que existe é apenas uma guerra entre drogas, e o álcool sai quase sempre vencedor. Uma coisa é certa: se o governo quisesse realmente acabar com a heroína, a cocaína ou qualquer outra droga, podia fazê-lo muito facilmente, deixando de tributar o álcool. Somos uma espécie simples, e a nossa escolha de inebriantes depende essencialmente do preço e da disponibilidade.
Mas o que é a embriaguez? O que é esta imperecível ambição humana? Há muito poucas constantes nesta constante. Há, isso sim, personalidades recorrentes. Há o homem forte que é capaz de beber, beber e nunca se embriagar – Sócrates, Confúcio e, em certa medida, Estaline – mas por outro lado há o homem forte que está sempre embriagado – Pedro, o Grande, Odin, Babur e também Alexandre Magno, que conquistou o mundo conhecido envolto numa espécie de névoa.
Há a bebida transicional. Bebemos para passar de um estado a outro. Bebemos para marcar o final do dia de trabalho, ou o final da semana de trabalho, ou, se pertencermos à tribo suri da Etiópia, bebemos para marcar o início do dia de trabalho. Como eles dizem, «Onde não há cerveja, não há trabalho.» Bebemos em batizados, bebemos em casamentos, bebemos em aniversários e bebemos em funerais. E de cada vez a bebida tem um significado; significa que um velho estado de coisas chegou ao fim, e que um mundo novo, ligeiramente mais incerto, teve início. Os iteso do Quénia têm um pequeno e curioso ritual com os seus recém-nascidos. É escolhido um nome e a avó mergulha um dedo em cerveja e põe-no na boca do bebé. Se o bebé chupar, esse será o seu nome para sempre.
Há a bebida como evasão. A casa de ale, ou Terceiro Lugar, como lhe chamavam os antropólogos, o saloon ou a kabak. Mas há culturas onde estes lugares não existem de todo: a Arábia, a Pérsia ou a Inglaterra medieval. Porque é que não bebemos todos em casa? Por que razão é o estribo de latão do saloon ou a máquina caça-níqueis do pub e pí logo um símbolo de emancipação tão poderoso? Estamos a fugir de quê?
A resposta, penso eu, é que não sabemos a resposta. Desde que o género humano desceu das árvores (com essa útil mutação das álcool desidrogenases classe IV), há duas perguntas que fazemos a nós mesmos: «É só isto?» e «Tenho mesmo de fazer isto?» Qualquer sociedade é um edifício de regras, e independentemente da qualidade dessas regras, da sua razoabilidade, da sua justeza, da sensatez com que são pensadas para nossa segurança e bem-estar, de vez em quando temos de fugir a elas. A humanidade tem uma compulsão para criar regras e depois infringi-las. O que torna a humanidade um tanto pateta, mas também um tanto gloriosa.
A resposta à outra pergunta também é alcoólica. «É só isto?» Talvez. Provavelmente. Mas, se nos dessem muito mais, continuaríamos a fazer a mesma pergunta. Os seres humanos são insatisfeitos, e também isso faz parte da nossa glória. Estamos sempre à procura de novos oceanos para atravessar, não porque tenhamos de o fazer, mas porque nos aborrecemos. Gostamos de falar da Verdade Definitiva, mas se a descobríssemos ficaríamos profundamente desiludidos, porque não haveria mais.
Ansiamos por um Deus que não podemos descrever, porque a única descrição que nós, seres humanos, podemos dar é de um mágico particularmente habilidoso, e sabemos que Deus é mais do que isso. Deus nunca pode ser aborrecido. Os seres humanos nunca se aborrecem quando estão embriagados.
William James disse isto ainda melhor: «A sobriedade diminui, discrimina e diz não; a embriaguez expande, une e diz sim.» A embriaguez é um monte de contradições, porque diz sim a tudo. Umas vezes instiga à violência, outras vezes à paz. Põe-nos a cantar e põe-nos a dormir. Para os gregos era um teste de autodomínio, para os nórdicos era a fonte da poesia, boa e má. É a alegria dos reis, e é a sua ruína.
É o consolo dos pobres e a causa da sua pobreza. Para os governos é a causa dos motins e uma fonte de receitas. É uma prova de virilidade e uma causa da sua perda, uma forma de sedução e uma matrona alegre. A embriaguez é uma praga e uma assassina, uma dádiva dos deuses.
É a necessidade do monge e o sangue do messias. A embriaguez é uma forma de experimentar Deus, e ela própria é uma divindade.
É por isso que ela sempre existirá. A NASA publicou recentemente um relatório interno em que se admitia que no lançamento de dois vaivéns espaciais, pelo menos, participaram astronautas total e alegremente embriagados.
Não é surpresa. Trabalhar em estado de embriaguez é uma prática que existe há milénios; e, para ser sincero, se eu estivesse prestes a ser disparado a uma velocidade várias vezes superior à do som em direção a um vazio infinito, não recusaria uma boa bebida.
É este o nosso passado e, estou certo, o nosso futuro. Um dia, daqui a muito tempo, quando os chimpanzés tiverem tomado conta das fábricas de cerveja, quando os elefantes tiverem ocupado as destilarias e todos os pubs estiverem cheios de moscas da fruta apaixonadas, iremos, como espécie, engolir os nossos últimos goles terrenos, embarcar aos tropeções na nossa nave espacial e deixar para trás esta pequena bola de pedra. Será uma grande viagem. Enquanto saímos da atmosfera deixando a velha Terra para trás, lá estarão os deuses para nos dar as boas-vindas: Ninkasi, Hator, Dionísio, Baco, Thor, os Centzon Totochtin, Madame Genebra. A Vénus de Laussel soprará o seu corno, pegando-lhe pela primeira vez na posição correta. E nós embrenhar-nos-emos, ébrios, ao encontro do infinito.
E eu sei que direção tomaremos: Sagitário B2N. É uma nuvem a 26 mil anos-luz, e aqueles que iniciam a viagem já não existirão quando ela terminar. Mas tem um diâmetro de 150 anos-luz, e a sua massa é três milhões de vezes superior à do Sol: uma nuvem de dimensões inimagináveis, composta de álcool espacial que ocorre naturalmente.
E aí, finalmente, nos confins do nada, apanharemos uma bebedeira cósmica, porque somos humanos.
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