“Depois do concerto, ele reconheceu que foi especial e disse ‘Nunca mais se vai repetir uma coisa destas’. Não sei se foram os astros, houve ali um clima perfeito naquilo tudo, e o Chico, pela atitude dele, foi fundamental”, contou à Lusa o jornalista António Macedo, que acompanhou o músico brasileiro nos dias que passou em Portugal, que culminaram no concerto de encerramento da Festa do Avante, a 13 de julho de 1980.
O concerto, o primeiro de Chico Buarque em Portugal depois do 25 de Abril de 1974, reuniu uma “embaixada” de músicos brasileiros, com Edu Lobo, os MPB 4 e Simone, como conta o organizador da festa anual do PCP, Rúben de Carvalho: “O Chico é um pai de santo, vai toda a gente atrás”.
Para o “clima perfeito” terão concorrido o momento histórico, com os “brasileiros cheios de ‘pica'” contra a ainda vigente ditadura militar – rumo ao movimento “Diretas, já”-, aponta Rúben de Carvalho, a química entre os músicos gerada numa viagem recente a Angola, ainda muito presente, e a emoção da morte de Vinicius de Moraes, dias antes do concerto que se realizou no Alto da Ajuda, então recinto da Festa do Avante!.
“A determinada altura levantava o auscultador do telefone e era do Rio de Janeiro. Eu só perguntava ‘quantos são?’ Esteve para vir o Djavan, também, mas depois não se concretizou. Estava um bocado assustado com o que aquilo ia custar, mas o Chico não levou nada”, recorda Rúben de Carvalho.
O concerto foi encenado por Ruy Guerra, o cineasta moçambicano que levou o Cinema Novo para o Brasil, e os ensaios decorreram no antigo edifício do Teatro Aberto, em Lisboa.
António Macedo assistiu a esses ensaios, passou muito tempo com Chico Buarque, que estava instalado com a mulher, Marieta Severo, e as filhas, no Hotel Penta – “só me faltou dormir com ele” -, e acompanhou-o numa visita ao recinto do Alto da Ajuda, antes do início da Festa do Avante!.
“Quando olhou para aquela vastidão de terreno à frente, ele que é um tipo muito envergonhado, que não gosta de concertos, disse ‘Isto é tudo para o povo?'”, conta.
Estava “completamente apavorado”, recorda António Macedo, que se lembra de lhe ter ouvido um “Eu não canto”. Cantou.
“Transcendeu-se. Esteve praticamente duas horas em palco”, lembra, naquela que António Macedo escreveu para o jornal Se7e ter sido “a maior plateia” que Chico jamais tivera pela frente.
António Macedo lembra um alinhamento “em crescendo nas canções políticas”: “A parte final do concerto começa com o ‘Apesar de Você’, é para aí a sexta antes do fim, e depois ele começa a ligar isso com Portugal, canta o ‘Fado Tropical’, estreia a ‘Morena de Angola’ – é a primeira vez que a canção é cantada pelo Chico, já era conhecida porque tinha sido cantada pela Clara Nunes”.
O relato do jornal “O Diário” refere também as canções “Geni e o Zepelim”, “A Construção”, “Roda Viva”, “Cio da Terra”, “Cálice”, e, naturalmente, “Tanto Mar”.
A canção dedicada ao 25 de Abril é cantada na versão original, nota António Macedo, que, como muitos dos presentes, vai às lágrimas.
“Eu comovo-me com alguma facilidade, mas aquela foi uma comoção que me levou a um choro convulso. O Carlos Brito e a Zita Seabra [então do PCP] é que me agarraram e fizeram festas na cabeça, nem a minha mulher teve mão em mim. O mundo desabou para mim e para aquelas cento e tal mil pessoas que estavam ali”, contou.
Rúben de Carvalho corrobora: “Foi a choradeira geral”.
O calculo do número de pessoas presentes é dificultado pela forma de venda das entradas permanentes para a Festa do Avante!, com bilhetes para os três dias e para os dias concretos, explica Rúben de Carvalho, que não têm um número redondo para dar.
Uma das presentes foi Maria Flor Pedroso, atual editora de Política da Antena Um, então uma jovem de 16 anos, que enfrentou “um conflito familiar” para conseguir ver os seus artistas brasileiros favoritos: Chico Buarque e Simone.
“Era impensável não ir”, lembra.
Na entrevista que deu a António Macedo, para o Se7e, Chico Buarque esclareceu o seu estatuto de não-alinhado de esquerda, e que a sua presença, ‘pro bono’, não significou “qualquer compromisso com o PCP”.
“Vim cantar para o povo português, até porque estou convencido de que as pessoas que me vão ouvir não são todas militantes desse partido político”, afirmou.
O público português volta a encontrar-se com Chico Buarque, depois dos últimos concertos em 2006, numa série de seis espetáculos, que arrancam no sábado no Coliseu do Porto, e terminam com a data extra de 10 de junho, no Coliseu de Lisboa.
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