Nos dias 17,18, 20 e 21 de maio, Coimbra dará o ponto de partida da tour europeia dos Coldplay em 2023. A atuação insere-se na "Music of the Spheres" digressão que a banda está a fazer pelo mundo. Depois de Coimbra, segue-se Barcelona, Manchester, Milão, Gotemburgo, com Amesterdão a encerrar a tour europeia que tem dado muito que falar por cá, sobretudo pelas dúvidas em torno do impacto e do retorno para o concelho.
A Câmara Municipal de Coimbra (CMC) diz estar preparada para receber os mais de 200 mil fãs da banda. A população questiona o apoio financeiro pago à produtora responsável pelo evento. Os comerciantes aguardam com alguma expectativa e os estudantes queixam-se de terem sido os habituais “sacrificados”.
Com pouco mais de 140 mil habitantes, a autarquia da cidade dos estudantes diz, em comunicado, estar preparada para receber a banda e cerca de 220 mil espectadores aguardados para os quatro dias de concertos no Estádio Cidade de Coimbra. Seguros quanto à “projeção” internacional e ao retorno que o evento vai trazer à cidade, o município aprovou um apoio financeiro de mais de 400 mil euros à produtora responsável pelo evento.
“Reconhecendo a grande projeção internacional dos Coldplay, e o relevante interesse municipal do evento, o Município de Coimbra concede à Everything is New um apoio financeiro como contrapartida pela seleção, escolha e promoção da cidade de Coimbra e do Estádio de Cidade de Coimbra para a realização dos espetáculos, num montante de €110.000 (cento e dez mil euros) por cada concerto, o que perfaz um valor global de €440.000 (quatrocentos e quarenta mil euros), sendo que, em caso de não realização de qualquer um dos concertos, fica a Everything is New obrigada a devolver o valor do apoio”, pode ler-se em nota publicada esta semana no portal da Câmara.
É normal as autarquias contribuírem com apoios monetários a este tipo de eventos - José Manuel Silva (Facebook)
Decisão que tem causado descontentamento, como se pode verificar no Facebook do presidente da câmara. José Manuel Silva tem recebido inúmeras críticas dos munícipes, sobretudo depois de ser conhecido o pagamento de quase meio milhão de euros à produtora. Depois de publicar parte de uma entrevista dada ao diário local “As Beiras”, na sua conta do Facebook, estalou novamente a polémica em torno do evento.
Os comentários de reação de alguns munícipes aponta para outros problemas que a cidade precisa resolver primeiro, dando a indicação que a verba poderia ser canalizada para esses fins.
Embora, justificando que “é normal as autarquias contribuírem com apoios monetários a este tipo de eventos”, Silva foi desmentido por Carlos Encarnação, um dos antigos presidentes da autarquia.
“A Câmara não pagava a produtores e a artistas”, respondeu o ex-autarca. “A Câmara apoiava com isenção de taxas e serviços de limpeza”, disse ainda o ex-presidente, em resposta ao post de José Manuel Silva que retorquiu “segundo me informaram, não pagou a Câmara, mas pagou a empresa municipal de turismo”.
Segundo Carlos Encarnação, que foi presidente da Câmara de Coimbra, até 2009, as contribuições para a realização de grandes eventos em Coimbra vinham de privados.
Ao SAPO24, o ex-autarca do PSD esclarece que a sua intervenção no post do atual presidente da Câmara foi para corrigir a notícia do jornal da região. “Eu desmenti a notícia e não o presidente”, sublinha. "Tínhamos como princípio que a Câmara de Coimbra não pagava a artistas e produtores”. Um princípio que o ex-autarca considerava, e ainda hoje mantém, como “crítico” durante os seus mandatos.
“O nosso critério era esse. Admito que os critérios de outros executivos sejam outros. A questão não é discordância [sobre a vinda dos Coldplay a Coimbra], apenas estava a corrigir a notícia do diário As Beiras, esclarece Encarnação, acrescentando que o concerto dos U2 e da Madonna já não foram no seu mandato.
“Houve, sim, um artigo no Expresso a dizer que a Câmara tinha contribuído com 500 mil euros para o concerto dos Rolling Stones, mas isso foi mentira e posteriormente desmentido pelo jornal”, completa o ex-autarca, fazendo referência à vinda da banda de rock a Coimbra em 2003.
A empresa municipal de Turismo de Coimbra que pagou 200 mil euros para a realização dos dois concertos dos U2 e para um concerto de Madonna, em 2012, pagou 140 mil euros - José Manuel Silva (Assembleia Municipal)
O SAPO24 tentou contatar com José Manuel Silva, mas como estava em plena Assembleia Municipal, não foi possível prestar esclarecimentos, nem saber como está a cidade a preparar-se para uma semana preenchida de eventos. Entretanto, nessa mesma sessão municipal, que decorreu na quinta-feira, José Manuel Silva falou dos apoios que os anteriores executivos deram para os dois concertos dos U2 em 2010 onde sublinha que foi “a empresa municipal de Turismo de Coimbra que pagou 200 mil euros para a realização dos dois concertos dos U2 e para um concerto de Madonna, em 2012, pagou 140 mil euros”, assegurou o presidente dirigindo-se à bancada socialista e comunista que governava a cidade na altura.
Para Silva, trazer a “maior banda do mundo” à cidade foi fruto de “negociações competitivas” e sobre o financiamento que vai pagar à produtora do evento, o autarca destaca os apoios de outras autarquias, como o Porto que deverá pagar “650 mil euros” pela edição 2023 do festival Primavera Sound, disse. “Lisboa apoia o festival Kalorama com 2 milhões” e Oeiras paga “350000 euros” para a realização do festival Oeiras Alive. Vila Nova de Gaia “paga 200 mil” pelo festival Marés Vivas. “Por esta razão têm festivais e concertos desta dimensão. Coimbra quer ou não quer tê-los, ou prefere deixá-los para outras cidades?”, questionou o presidente.
“Os quatro concertos dos Coldplay representam o evento mais impactante e rentável de sempre que se vai realizar no nosso concelho nas últimas décadas, dando mais sentido à construção do estádio para o euro 2004, que a Câmara continua a pagar e que é importante rentabilizar minimamente para que possa contribuir para criar mais riqueza para o concelho e para a região”, sublinhou o presidente na sua intervenção perante a Assembleia.
Em termos de retorno financeiro para a cidade, o presidente estima o “encaixe de 70 a 75 milhões de euros”, dando como ponto de referência para esse cálculo a super especial do Rally de Portugal, que a cidade acolheu no ano passado, com uma assistência de 22000 pessoas e investimento de “630000 euros”.
“O Município de Coimbra terá gerado entre 7 a 7,5 milhões de euros de retorno económico direto”, afirmou fazendo referência a um estudo efetuado pelo Centro de Investigação, Desenvolvimento e Inovação em Turismo, um Polo da Universidade do Algarve (o CiTUR Algarve).
“Aos concertos dos Coldplay assistirão 10 vezes mais espetadores. Fazendo uma relação direta, teríamos 70 a 75 milhões de retorno com os concertos... deverá ser esta a ordem de valores do retorno para Coimbra”, estima.
“Vai ser brutal o retorno económico para Coimbra e a sua região devido à realização dos concertos dos Coldplay” espera o presidente.
“E nem sequer estamos a avaliar o imenso retorno intangível para a marca Coimbra, igualmente fundamental para atrair mais investimentos, criar empregos, fomentar a dinâmica social, cultural, económica e turística e continuar a projetar Coimbra no mundo”, disse fazendo também referência aos benefícios que o evento vai trazer para a hotelaria e restauração.
“Se recordarmos que o presidente da delegação de Coimbra da AHRESP disse à Antena 1 que, no âmbito da hotelaria, um dos setores mais castigados pela pandemia COVID-19, o valor médio dos quartos de hotel na cidade, nesses dias, é de 300 euros por noite e que há apartamentos e alojamentos locais ao dobro e ao triplo, percebemos que esta dimensão de gastos é perfeitamente plausível. Uma excelente oportunidade para a hotelaria de Coimbra e da região”.
Ainda há quartos. Reservas para a semana dos concertos estão acima dos 85%
Enquanto decorria a Assembleia Municipal, o SAPO24 conversou com o presidente da delegação de Coimbra da AHRESP que confirma "ainda haver quartos disponíveis" nos hotéis da cidade, “estão é com preços mais elevados, fruto da elevada procura”.
Sobre o impacto da vinda da banda a Coimbra, “foi mais forte na altura que se anunciaram os concertos, há um ano. Foi uma procura louca em todas as unidades hoteleiras de Coimbra e na zona centro. Porque depois, a partir daí, as pessoas cancelaram ou mudaram as reservas. As pessoas reservaram logo os hotéis sem saber se iam ter bilhete ou não”, afirmou José Madeira. “As unidades hoteleiras tiveram de fechar as datas nesse momento para avaliar a situação”, explica, “e aí a informação que saiu era que estava tudo cheio, mas não foi isso que aconteceu”.
“Há quartos em Alojamentos Locais (AL) que estão com preços exorbitantes” - José Madeira
De acordo com o representante da hotelaria e restauração, os hotéis fecharam as datas para “se organizarem e depois foi-se abrindo”, prática usual no setor hoteleiro. "Logicamente que os preços estão mais caros, é normal em qualquer parte do mundo, quando se dá um grande evento", disse. "Recordo a final da Liga dos Campeões, entre o Real de Madrid e o Atlético, em Lisboa, onde constatou-se na altura que havia hotéis a vender quartos que antes custavam 300 euros e passaram para mil euros”.
Questionado sobre a informação avançada pelo jornal Notícias de Coimbra, uma publicação online local que dá conta que o preço dos quartos "ascende aos 800 euros por noite", para os dias dos concertos, José Madeira diz que não é verdade. “Você tem quartos em Coimbra entre os 250 e os 300 euros por noite. Pode haver um ou outro com exceções e mais caros, mas não é prática normal entre os hotéis. “Há quartos em Alojamentos Locais (AL) que estão com preços exorbitantes”. A fixação dos preços é gerida por cada unidade hoteleira, “os preços são livres”, declara.
“Faz muitos anos que tínhamos de preencher um documento para a direção-geral do Turismo com os preços de época baixa e alta. Neste momento você pode ter uma época alta em janeiro e uma época alta em agosto. Depende da ocupação do hotel, depende da situação da cidade, depende de um congresso, de um evento. Portanto, cada unidade gere os seus preços. Você pode entrar numa unidade hoteleira, online ou não, e às 10:00 encontra um quarto por um preço e à tarde pode encontrar por outro preço, superior ou inferior. Depende das reservas que o hotel tem para esse dia”, explica o presidente da AHRESP de Coimbra.
Para os dias dos concertos, a maioria dos hotéis “têm quartos disponíveis” e o truque para obter bons preços face aos portais de reserva online, passa por “contatar diretamente as unidades hoteleiras”. As outras plataformas têm comissões, “mas volto a frisar, os hotéis têm quartos disponíveis" para os quatro dias de concerto dos Coldplay.
Em termos de impacto para a cidade, os concertos acontecem num mês que há muitos eventos no concelho.
“O mês de maio é um mês com muitas atividades em Coimbra, desde a Queima das Fitas, desde o Rally que passa na região de Coimbra, a passagem dos peregrinos a caminho do 13 de maio em Fátima. Há muitos congressos, portanto, maio já é um mês forte. Por isso, as pessoas já tinham dificuldade em encontrar bons preços” no alojamento.
“Se fizermos os Coldplay, a Queima das Fitas, o Rally de Portugal no mesmo dia, não há cidade que resista, não há segurança que resista, não há limpeza que resista, não há hospital que resista. Acho que as pessoas têm de limitar-se à boa harmonia com a cidade” - José Madeira
No que diz respeito à gestão de todos esses eventos a acontecer ao mesmo tempo, José Madeira apela para uma maior organização da cidade e sugere a criação de um secretariado onde passassem todos os grandes eventos para organizar as datas, “se fizermos os Coldplay, a Queima das Fitas, o Rally de Portugal no mesmo dia, não há cidade que resista, não há segurança que resista, não há limpeza que resista, não há hospital que resista. Acho que as pessoas têm de limitar-se à boa harmonia com a cidade”. Sobre o Rally de Portugal, apesar da cidade não receber a super especial este ano, que vai ser na vizinha Figueira da Foz, a prova continua a arrancar na região de Coimbra. José Madeira explica que as pessoas que assistem à prova, e a organização, dormem na cidade.
Quanto ao apoio que a Câmara vai pagar à organização do evento, e que está a gerar controvérsia, o presidente da AHRESP considera-o “um investimento e não um custo, porque efetivamente, o nome de Coimbra vai chegar longe e é uma publicidade fantástica para a cidade. É importante um investimento destes”.
Sobre o valor propriamente dito, José Madeira não se pronuncia por não ter referências, mas reforça que se deve fazer estes investimentos para ter grandes grupos na cidade porque “estamos no centro do país, com ótimos acessos a Lisboa e ao Porto. Temos ótimos centros de congresso, como o Convento de S. Francisco e o Estádio que tem estado praticamente sem atividade e temos outras salas em hotéis e na Universidade. A cidade só tem a ganhar, por isso, penso que é um custo que a cidade vai tirar proveito”, afirma.
Questionado se teme pela segurança com a vinda de tantas pessoas à cidade, só nos concertos estimam-se mais de 220 mil pessoas, fora os peregrinos e as pessoas que vêm para a Queima das Fitas, José Madeira “tem a certeza que já houve várias reuniões nesse sentido e que a segurança estará organizada. Com certeza, vão chegar reforços de outras partes do país. Ainda na Páscoa tivemos cá a polícia de Espanha, por causa da vinda de muitos turistas espanhóis”, lembra.
É “um investimento e não um custo, porque efetivamente, o nome de Coimbra vai chegar longe e é uma publicidade fantástica para a cidade. É importante um investimento destes” - José Madeira
Em relação aos restaurantes, o presidente da delegação de Coimbra da AHRESP afirma que têm tido muito público no mês de maio e como a cidade não tem muita capacidade de alojamento, a relação entre ocupação e procura de restaurantes acaba por ser equilibrada. Contudo, José Madeira acredita estarem preparados para receber as pessoas e não exclui a hipótese de se alargarem os horários de funcionamento da restauração.
“Em princípio, não devemos abrir no domingo”
O SAPO24 esteve na baixa de Coimbra para ouvir os comerciantes. “Acho que é bom, vai ser bom para a cidade, sobretudo neste país que é só Lisboa, Lisboa e, ultimamente, Porto. Lisboa e Porto são o país”, lamenta Ana Cristina, gerente do café “A Brasileira”, situado na baixa.
“Se o valor pago justificar, então deve ser. As outras cidades também o fazem e veja como elas estão agora desenvolvidas” - D. Cristina
“É bom ter o nome de Coimbra por aí fora, as pessoas virem cá conhecer, e também, para a cidade se desprender um pouco da Universidade”, afirma a gerente. “Não sei se a enchente vai também acontecer aqui na baixa, mas vai ser bom para o negócio”, disse.
Já um dos seus funcionários, diz não perceber porque razão está toda a gente a falar no dinheiro pago pela Câmara e prefere esperar para ver o impacto da vinda da banda à cidade.
“A mim, o que me causa espécie, é estarmos todos a falar agora no pagamento da câmara”, atira Mário. “Quando vieram cá as Madonnas e os U2 ninguém falou nisso”, compara o empregado de mesa.
“Se o valor pago justificar, então deve ser. As outras cidades também o fazem e veja como elas estão agora desenvolvidas”, rematou a gerente do café.
Tal como em Lisboa, Porto e Braga, o café “A Brasileira” é um marco histórico na baixa de Coimbra. Inaugurado em 1928, o café foi palco de tertúlias e muitas discussões mais ou menos políticas, até 1995, tendo por ali passado figuras como José Afonso. Durante 17 anos, foi um Pronto-a-vestir, mas foi com Lúcio Borges que reabriu renovado, e é hoje gerido por ele e pela esposa, Ana Cristina.
“Em princípio, não devemos abrir no domingo”, disse Ana Cristina. O café costuma fechar ao domingo, “é o descanso do pessoal, e não o devemos fazer, mesmo sabendo da enchente”, disse a gerente quando questionada se iria abrir uma exceção no último dia do concerto que calha no domingo, 21 de maio, data que obrigou à alteração do dia do Cortejo da Queima das Fitas.
Cortejo da Queima das Fitas muda para terça-feira
Os estudantes não ficaram contentes com a “decisão unilateral” que levou à alteração do cortejo da queima das fitas, que nos últimos anos tem sido ao domingo, para terça-feira.
“Estamos a um mês da Queima das Fitas e o concerto dos Coldplay vai calhar na semana das celebrações dos estudantes e não o contrário”, salientou ao SAPO24 o dux veteranorum da Universidade de Coimbra, sublinhando que os “estudantes estão em Coimbra há mais de 700 anos” e o concerto dos Coldplay é só um evento.
Matias Correia diz que os estudantes não estão “contra o concerto”, pelo contrário, “vai trazer mais pessoas à Queima, e a projeção à cidade é bem-vinda”.
“Onde isto acabou por interferir foi a solução da Câmara, que entendeu os dois eventos serem incompatíveis” e tomou a decisão “unilateral” em “alterar o cortejo para albergar os Coldplay”, disse.
“Só a AAC é que tinha o ónus de mudar. Achamos que os promotores do evento também deviam fazer um esforço para solucionar o problema. O esforço deve vir de todos”, entende o dux da Academia de Coimbra. “Estamos chateados por serem sempre os estudantes a alterar as suas tradições. Já é a terceira ou a quarta vez", queixa-se.
"Por exemplo, no ano passado, foi a super especial do Rally de Portugal, que tivemos de sacrificar a nossa festa. Foram as obras da cidade, mas aí compreendemos a situação. Agora é o concerto dos Coldplay que vai obrigar a alterar o dia do cortejo que costuma ser ao domingo e vai passar para terça-feira, dia de trabalho, o que dificulta que os familiares dos estudantes possam vir a Coimbra assistir ao desfile e também os estudantes finalistas que estão a estagiar e vão ter de pedir o dia às empresas para poderem participar no cortejo”, diz Matias Correia.
Em suma, “foi o unilateralismo e autoritarismo do presidente da câmara”, sublinha Matias. “Temos receio que estas atitudes do presidente se tornem habituais e que os festejos da Queima das Fitas deixe de ser a festa dos estudantes e passe a ser a festa do “Zé Manel Silva "", disse em tom de provocação.
"Estamos na cidade dos Estudantes e não no Rock in Rio", concluiu o dux da Academia.
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