Em “War Game” (“Jogo de Guerra”, em tradução livre) o Presidente eleito vê o seu adversário, derrotado por pouco, apelar às Forças Armadas para anularem o resultado eleitoral: uma evocação de 6 de janeiro de 2021, quando centenas de apoiantes de Trump — sobretudo civis, mas incluindo alguns ex-elementos das forças de segurança – invadiram violentamente o Capitólio, sede do poder legislativo, para tentar anular a confirmação do seu adversário democrata e atual Presidente, Joe Biden.
Com um elenco de antigos líderes políticos e militares, “War Game” estreia no Festival de Cinema de Sundance quando faltam cerca de 10 meses para as novas eleições presidenciais, que poderão voltar a colocar frente-a-frente Trump e Biden, com o republicano a continuar a falar em “vingança” e a insistir que os resultados de 2020 foram uma fraude – mesmo contra todas as provas e factos.
“É assustador o quão atual o filme é”, argumentou Jesse Moss, um dos realizadores do filme, com Tony Gerber. “E preocupo-me com o quão más as coisas ainda poderão ser daqui a um ano”, acrescentou.
No filme, Steve Bullock, ex-governador de Montana, faz o papel de um Presidente dos Estados Unidos que tem seis horas para decidir como responder a esta tentativa de golpe.
“Durante seis horas, todos tivemos uma experiência real”, disse Bullock. “Era um ambiente stressante, ninguém pensava na presença das câmaras”, contou o político, que no filme tem como conselheiros ex-senadores, agentes da polícia federal (FBI) e dos serviços secretos (CIA), mas também coronéis e um antigo comandante da NATO.
Reunidos numa sala de operações inspirada no filme “Dr. Strangelove” (“Dr. Estranho Amor”), de Stanley Kubrick, ficam presos entre informações contínuas dos serviços de informações, das redes sociais e de um canal de televisão.
Ao mesmo tempo, os paramilitares, interpretados por veteranos norte-americanos, espalham desinformação ‘online’ para encorajar os soldados a romperem as fileiras de segurança.
Esta cena é inspirada num artigo de opinião do Washington Post escrito em 2021 por três generais aposentados norte-americanos, alertando para o aumento do extremismo nas Forças Armadas e apelando à preparação para uma possível insurreição após as eleições de 2024. Segundo os generais, “um número preocupante de veteranos e atuais militares participaram no ataque ao Capitólio”.
A Vet Voice, uma fundação que representa veteranos militares dos Estados Unidos e as suas famílias, concordou em permitir a entrada de câmaras para o filme, apesar de resistências a vários níveis.
“Muitas pessoas dentro da administração estão a trabalhar neste assunto, mas é controverso” porque é visto por alguns como uma “falta de respeito pelas nossas tropas e pelos nossos veteranos”, afirmou Janessa Goldbeck, diretora da Vet Voice.
“War Game” utiliza personagens fictícias, mas é difícil não identificar a sombra de Trump.
O magnata de 77 anos, o grande favorito à nomeação republicana para as eleições de novembro – apesar de vários processos judiciais que enfrenta, incluindo pela insurreição do Capitólio – é mesmo mencionado no filme por dois conselheiros que discutem se devem ou não invocar a lei que permite ao Presidente usar tropas federais para restaurar a ordem face a uma insurreição.
Acusado criminalmente de conspirar para anular o resultado das eleições de 2020, Trump já admitiu tacitamente uma possível ampliação do papel dos militares caso conquiste um segundo mandato.
O que levou ao 6 de janeiro de 2021, da extrema polarização da sociedade americana à “realidade alternativa em que alguns parecem viver”, vai além de Trump, observou Jesse Moss.
“Mas Trump está no centro” deste movimento, acrescentou. “As ameaças que retratamos no filme são sérias, aterrorizantes e muito reais”, frisou ainda.
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