Tiago Durão e Sofia Mirpuri, dois jovens cineastas portugueses a viver nos Estados Unidos, falaram à Lusa do mais recente filme, estreado em Nova Iorque em 19 de abril, rodado em Portugal e nos EUA, para o qual assumiram todas as funções e para o qual procuram agora a distribuição comercial em Portugal.
O filme “Tales From The Rabbit Hole: A Curious Kitsch Novel”, do realizador Tiago Durão e da produtora executiva Sofia Mirpuri, segue agora para apresentações em festivais de cinema, o primeiro dos quais o Manhattan Rep’s Stories Film Festival, em Nova Iorque, de 15 a 19 de maio.
Os dois cineastas disseram à Lusa que a estreia do filme, em 19 de abril, no Centro Robin Williams da Fundação SAG-AFTRA, deixou-os contentes com o resultado de todo o trabalho e concluíram que “o filme resultou melhor no grande ecrã do que no pequeno ecrã” do computador onde fizeram a edição.
Tiago Durão e Sofia Mirpuri assumiram todas as funções e responsabilidades para a produção do filme, que durou cerca de um ano e meio a ser realizado, e envolveu cerca de 18 mil dólares (16 mil euros).
Entre escrita do guião, produção, guarda-roupa, gravações, realização, edição, pós-edição e também comunicação e marketing, entenderam que “fazer o trabalho de 30 pessoas é obra”, como resumiram, em entrevista à Lusa.
Fizeram tudo em nome próprio porque defendem que não há ninguém melhor para executar e produzir o filme que queriam obter do que eles próprios: “Nós somos as melhores pessoas para poder concretizar aquilo que nós queremos fazer”, disse Sofia Mirpuri.
Tiago Durão acrescentou: “Num filme meu só existe um diretor, sou eu. A Sofia tem um papel preponderante nestas direções, porque antes de eu dar as direções, elas são discutidas”.
A história que iria servir de base para este filme foi escrita há cerca de cinco anos, em 2014, em Portugal, entre Tiago Durão, André Tavares e António Rodrigues, com ideias para diferentes formatos que não se chegaram a concretizar.
O filme não avançou em Portugal, porque, segundo o realizador Tiago Durão, “é muito difícil reunir 40 ou 50 pessoas à volta de uma produção”, quando se trata de um filme independente, em que grande parte dos envolvidos trabalha noutros empregos principais.
Na carreira de Tiago Durão, concretizaram-se vários projetos desde aí, como a curta-metragem “Entre Nós”, a série “God Ex Machina” e também a mudança para Nova Iorque.
Foi aí, há cerca de dois anos, que Sofia Mirpuri entrou em cena, enquanto fazia estudos na escola de cinema Atlantic Acting School.
Os autores definem a longa-metragem “Tales From The Rabbit Hole: A Curious Kitsch Novel” como um drama satírico, mas explicam que há momentos de comédia, com momentos de reflexões ou divagações filosóficas e em constante referência a outras obras do cinema e do teatro.
O realizador, Tiago Durão, pretende manter sempre um princípio de escolher apenas atores profissionais para todos os papéis, o que, em parte, significa uma forte aposta em jovens atores que também estejam em início de carreira.
Na experiência com o “Tales From The Rabbit Hole: A Curious Kitsch Novel”, o realizador surpreendeu-se com a capacidade dos atores de improvisarem e fazerem comédia, num guião que estava escrito de forma “inflexível” para o drama.
“Quando os atores leem aquilo, começam a dar tempos de comédia – porque sabiam fazer comédia, coisa que eu não sei fazer. E a certa altura, aquilo é uma bola de neve”, disse Tiago Durão.
Sofia Mirpuri aprendeu com todo o processo que, quando alguém produz um filme, cria cinco filmes diferentes: “O que imaginas, o que escreves, o que filmas, o que editas e o que vês. Na verdade, o Tiago é que me costumava dizer isso”.
Atriz de profissão, Sofia Mirpuri teve com este filme a sua primeira experiência na produção e disse que ganhou o gosto e pretende continuar nos Estados Unidos, a criar projetos próprios.
“Apesar de ter dito muitas vezes ‘nunca mais faço uma coisa destas’ - naqueles momentos em que as coisas não correm tão bem e ter dito ‘não, eu sou é atriz’ -, agora que acabámos e sei como é, ganhei o gosto”, disse Sofia Mirpuri à Lusa.
Diferenças entre Portugal e Estados Unidos na produção de filmes independentes
Os dois jovens cineastas portugueses afirmaram à Lusa que as principais diferenças entre os trabalhos da produção cinematográfica independente em Portugal e nos Estados Unidos são a disponibilidade e a generosidade das pessoas.
Tiago Durão e Sofia Mirpuri disseram à Lusa, em Nova Iorque, que as maiores diferenças que sentiram são a vontade dos outros de ajudar, e a dimensão da rede de contactos profissionais a que podem recorrer, em Portugal, em relação aos EUA, mas falam também na abertura e no número de possibilidades existentes para a produção de um filme.
O realizador Tiago Durão, que vive em Nova Iorque há cinco anos, afirmou que “em Portugal seria mais fácil” produzir um filme, porque foi onde cresceram e estudaram e recolheram mais contactos profissionais, em relação aos que estabeleceram nos Estados Unidos.
“Todos os nossos amigos e pares de profissão estão lá [em Portugal]” afirmou Tiago Durão, que reiterou a falta de ‘networking’ nos EUA como uma das complicações, embora “tudo o resto [seja] mais fácil”.
Em Portugal, recordou o realizador, o filme não avançou, porque foi "muito difícil reunir 40 ou 50 pessoas à volta de uma produção”, quando se trata de uma produção independente, com grande parte dos envolvidos a trabalhar noutros empregos principais.
Sofia Mirpuri, atriz e diretora executiva do filme, disse, por seu lado, que em Portugal, as pessoas “ficam mais curiosas”, “ajudam muito mais e são mais generosas”, ao passo que, em Nova Iorque, “filmar um filme é muito mais normal e as pessoas não querem muito saber”.
Os jovens cineastas deram como exemplo a ajuda que tiveram dos portugueses quando alugaram uma caravana na Trafaria, perto de Lisboa, onde acontece o início do filme “Tales From The Rabbit Hole: A Curious Kitsch Novel”.
“Precisávamos de eletricidade e fomos pedir ao vizinho. O vizinho passou-nos eletricidade para as caravanas, sem problema nenhum”, recordou Sofia Mirpuri.
Ainda sobre a caravana do início do filme, Tiago Durão contou que teve “um ‘shot’ de sorte” com o aluguer que encontrou em Portugal: a sua primeira ideia para encontrar uma caravana foi pesquisar na plataforma de alojamento local Airbnb, onde encontrou “duas caravanas da mesma pessoa, que morava muito perto do local das gravações”, contou Tiago Durão.
“Ainda estávamos em Nova Iorque, mandámos mensagem e o senhor foi quase fazer um ‘scouting’ [percurso de exploração], para o início do filme”, disse, expressando ainda a surpresa na sua voz.
“O proprietário pegou na caravana, foi a Trafaria, Porto Brandão, Costa [de Caparica], aquela zona toda. Estacionava a caravana e tirava uma fotografia, seguia para outro local e tirava outra fotografia da vista. Mandou-nos as fotografias todas com localizações do Google Maps”, contou Tiago Durão à Lusa, apreciando o esforço do proprietário e dizendo que muito dificilmente poderia encontrar alguém que se disponibilizasse da mesma maneira nos Estados Unidos.
“Quando cheguei a Portugal, ele foi fazer a mesma coisa comigo. Ver os sítios, falar com as pessoas locais, perguntar sobre os melhores sítios. E isso não acontece aqui [nos Estados Unidos]”, resumiu o realizador.
“Pode acontecer”, respondeu Sofia, “mas em Portugal as pessoas entreajudam-se muito mais, têm vontade de ajudar, ficam curiosas com o que estás a fazer. Enquanto que aqui, filmar um filme é muito mais normal e as pessoas não querem muito saber”.
“Aqui também consegues encontrar pessoas que ajudam, mas é mais complicado, até porque quando não és de cá, não tens os conhecimentos certos, tens de andar um bocadinho à procura”, disse Sofia Mirpuri.
Tiago Durão, que começou no teatro em Portugal e que se mudou para os Estados Unidos, opinou que a distribuição comercial de filmes independentes em Portugal parece ter-se tornado “mais acessível” e que “a campanha contra o cinema português acabou ou está a acabar”.
A desvalorização do cinema português é uma coisa que Tiago Durão repudia e considerou “que não faz sentido nenhum”, porque acredita que o cinema português é dos melhores do mundo.
“Acho que temos do melhor cinema que se faz na Europa e no mundo”, disse o realizador, “porque temos uma liberdade de o fazer, que é uma coisa que os americanos já não têm”.
“Os americanos são liderados pelo capital” e seguem os modelos de filme e de imagem que dão dinheiro, algo que não acontece muito no cinema independente em Portugal, considerou Tiago Durão.
*Por Elena Lentza / Lusa
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