O convite surgiu depois de ter tido uma tapeçaria exposta no Palácio de Belém com o mesmo tema. No final do ano passado, Vanessa Barragão recebeu uma proposta diretamente do primeiro-ministro, António Costa, para fazer uma peça da mesma coleção “Coral Vivo” para ser oferecida à Organização das Nações Unidas (ONU).
Esta segunda-feira deu-se a entrega, numa cerimónia que contou com a presença do Secretário-Geral da ONU, António Guterres, António Costa, a Ministra da Presidência, Mariana Vieira da Silva, a cantora Carminho e a própria artista plástica.
A tapeçaria pretende celebrar, segundo um comunicado do Governo, "a importância e riqueza dos recifes de coral, um ecossistema com a maior biodiversidade do mundo, e extremamente ameaçado" e a "participação ativa de Portugal naquela organização", passando a ficar em permanência naquele lugar.
Em entrevista ao SAPO24, a jovem artista sublinha que a obra não é feita com material reciclado, mas sim com desperdícios da indústria têxtil, que de outra forma iriam para o lixo. "Compro às fábricas todo o material que iria para o lixo e depois fazemos a seleção e limpeza de forma a utilizar tudo na nossa arte", destaca. Neste caso usou tufado manual, nomeadamente lã e tencell. O trabalho tem quatro metros de largura por dois metros de altura.
"A inspiração é o mar, mas em específico esta coleção 'Coral Vivo', da qual esta peça faz parte, e que fala sobretudo sobre a esperança para um futuro melhor, onde as pessoas são mais unidas e onde temos mais consciência sobre as nossas ações e como estas se refletem no meio ambiente", acrescenta.
Vanessa Barragão é uma artista do sul de Portugal, do Algarve, onde atualmente tem o seu estúdio, do qual saem tapeçarias tradicionais de Albufeira para todo mundo. Depois de terminar a formação em Design de Moda em Lisboa, licenciatura e mestrado, começou a trabalhar numa fábrica no Porto, cidade onde também começou o seu negócio. Mais tarde, mudou-se para a sua terra natal, em 2020, onde emprega atualmente cerca de 10 pessoas. "Foi tudo orgânico e nada forçado", reflete.
Sobre como transmitir esperança através de uma obra de arte, destaca que "todas as pessoas que olham para a peça se riem, não por piada, mas por felicidade, e isso para mim já é positivo. A peça da ONU tem um movimento e vida especiais com cores particularmente femininas, suaves e que puxam ao movimento".
"O objetivo do meu trabalho é mostrar esta ideia de futuro e de união, e este convite é a conjugação perfeita, além do reconhecimento da arte nacional", acrescentou.
Reforça ainda que, segundo lhe foi transmitido, "a peça irá ficar naquela sala permanentemente, e por isso é também uma forma de Portugal ficar para sempre lembrado na instituição".
No percurso de Vanessa Barragão, a sustentabilidade e a ecologia marcaram sempre presença, e as peças na parede foram sempre uma forma de aproveitar o material que a indústria deixa para trás. O primeiro contacto que teve com o desperdício foi na fábrica onde trabalhou no Porto. Já o primeiro grande projeto pessoal foi uma tapeçaria para o aeroporto de Heathrow, em Londres, que demorou 6 meses a ser feita, altura em considerou evidente ter de contratar uma equipa.
"No estúdio temos sempre pessoas em estágio, quase sempre de fora de Portugal, que querem vir para cá aprender as técnicas artesanais e perceberem como funciona este ramo da arte têxtil. Tenho como valor preservar as técnicas artesanais e as tradições, e temos que as ensinar aos mais jovens, sob pena de perdermos a nossa cultura", afirma. "Temos sempre imensas pessoas a quererem trabalhar connosco, o que mostra que talvez no futuro esta arte não se perca".
"A esperança que tenho não é só no meio ambiente e na união das pessoas, mas também na produção artesanal, que é uma alternativa à indústria. Temos que dar novas formas a coisas antigas e não deixar as coisas morrer por não terem um ar contemporâneo. Tudo pode ser adaptado e ter novas vidas", enfatiza.
Além da peça na ONU, Vanessa Barragão tem peças espalhadas por galerias no mundo inteiro, nomeadamente a This is Not a White Cube, em Lisboa, a Cobra Gallery, em Xangai, na China, e na Galeria Casa Cuadrada, em Bogotá, Colômbia e na Suíça.
Hoje em dia as peças são sobretudo vendidas através de encomendas personalizadas, com base em coleções que já foram desenvolvidas, sendo que cada peça é única e adaptada ao cliente ou ao espaço.
"O nosso principal público é fora de Portugal, mas recentemente temos tido mais alguns clientes nacionais, particulares e empresas. Desde sempre que vendemos mais para os Estados Unidos da América (EUA), com mais poder de compra e onde dão muito valor ao trabalho manual", reforça.
No discurso da cerimónia esta segunda-feira, a que o SAPO24 teve acesso, o primeiro-ministro fez questão de salientar que "este presente tem múltiplos significados": "em primeiro lugar, o momento: este ano celebramos o quinquagésimo aniversário da Revolução dos Cravos. O nascimento da nossa democracia e o fim do colonialismo português".
Comemora também "o tema desta obra de arte: os Oceanos". "Portugal é um país marítimo. O Oceano representa 97% do nosso território. Faz parte da nossa história, da nossa cultura, da nossa identidade", referiu o ainda chefe de governo.
"A ligação entre as alterações climáticas e os oceanos é inegável", acrescentou, sublinhando que o trabalho de Vanessa resume precisamente os objetivos que levaram a esta oferta.
"Nascida bem depois da Revolução dos Cravos, ela é uma das nossas mais brilhantes jovens artistas, com reconhecimento mundial. O seu trabalho está simultaneamente profundamente enraizado na tradição e no futuro", destacou.
"É um lembrete da beleza do nosso planeta e, ao mesmo tempo, um recordar da ação coletiva. Não nos podemos dar ao luxo de perder esta batalha", terminou António Costa.
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