Na parte cultural, musical, talvez não haja um equilíbrio consistente, talvez Portugal precise de ter mais interceção no Brasil, ir mais ao Brasil”, disse o cantor nordestino, em entrevista à agência Lusa, admitindo, apesar disso, que nos últimos anos “está a tornar-se mais evidente” a maior presença de cantores portugueses no país sul-americano.
Em contraste com a antiga recetividade do público português, relativamente à música brasileira, só recentemente os brasileiros começaram a “vislumbrar melhor o universo musical português”.
“O público português sempre foi muito mais recetivo aos artistas brasileiros. Mas eu espero que, com esta troca, que começa a ser mais justa, ela se vá tornando mais frequente, e a música portuguesa e os artistas portugueses tenham cada vez mais entrada no Brasil”, afirmou.
Em Portugal para apresentar o seu mais recente trabalho (com espetáculos hoje, no Campo Pequeno, em Lisboa, no sábado, no Coliseu do Porto e, no domingo, no Casino Estoril), Djavan defendeu o português como “uma língua que o mundo está a conhecer cada vez mais”, com a qual tem “o maior orgulho de poder trabalhar”.
“Desde o início da minha carreira, o foco central sempre foi mostrar a minha língua para o mundo. Pensei: 'jamais cantarei fora do Brasil noutra língua'. Queria mostrar a língua portuguesa, agradeço ter nascido com ela. É uma língua belíssima, extremamente musical; complexa e ao mesmo tempo poética. É uma língua muito linda, motivadora para se trabalhar. Cada vez mais encontro pessoas fora do Brasil que me dizem que estudam português, por causa da música brasileira. A música brasileira tem feito essa ponte”, comentou.
O músico manifestou ainda “bastante esperança” na evolução da situação política no seu país.
“O Brasil é um país imenso, complexo, com carências imensas também. E é preciso que se faça uma política que privilegie todos (…) E toda a movimentação política que se faz no Brasil, hoje, é em busca desse equilíbrio. Acho que o Brasil nunca viveu um período tão fértil, tão promissor como vivemos hoje (…). Vamos sair destes episódios políticos e policiais, que estamos a viver agora, como um país mais justo e igual para todos”, anteviu.
A completar 40 anos de carreira, com frequentes digressões em Portugal ao longo do seu percurso, o músico natural de Maceió (Estado de Alagoas) confessou que sente como num regresso a casa, em cada viagem ao país que deu historicamente forma ao Brasil .
“Sempre que estou próximo de vir a Portugal fico com a felicidade imensa, como se estivesse próximo de voltar para casa, para casa de parentes, de pessoas queridas. Portugal reflete isso de modo geral para os brasileiros. É a pátria-pai do Brasil, não só pela história, mas porque vimos para cá com o sentido de vir para casa dos pais, para casa de pessoas que nos criaram, que nos deram vida. Tudo aqui, o cheiro, a arquitetura, a vegetação, as pessoas, a recetividade do nosso trabalho, tudo isso nos encanta, tudo isso nos chama de volta”, comentou.
Desta vez, Djavan apresenta ao público português o seu 23.º trabalho, que admite ser o mais autobiográfico, nomeadamente ao cantar pela primeira vez o lugar único que a mãe ocupou na sua vida.
“Quando estava a compor este disco, pensei muito na minha mãe, que foi uma pessoa muito importante na minha vida do ponto de vista musical. Foi ela que vislumbrou, desde muito cedo, a minha vocação para a música (…). Quis falar dela, da sua perspicácia em vislumbrar tão cedo que eu podia ser um profissional da música. E começou a colocar os cantores e cantoras de que ela gostava para eu ouvir”, confessou.
Mas em “Vidas para Contar” cabem também “a região do nordeste” brasileiro, onde nasceu, cresceu e se formou como músico, “a fraternidade do povo, a religiosidade, os folguedos, os folclores, a beleza das pessoas, o sofrimento”.
“Também fala na contemporaneidade, no homem nos dias de hoje, nos âmbitos político, social, fazendo uma analogia da história contemporânea do homem com um amor que não deu certo”, descreveu.
Quatro décadas de música volvidas, Djavan afirmou-se “com o mesmo empenho e a mesma dedicação” de sempre.
“O que sei é que me diverti muito até hoje, continuo a divertir-me e continuo com a mesma impetuosidade de sempre, que é o que me mantém vivo, no sentido de querer tanto fazer as coisas, continuar compondo, subir aos palcos do mundo inteiro, mostrando esta música. É o meu ofício, que eu abracei com tanto amor. Embora eu tenha outros interesses, como arquitetura, botânica, [interesses] pela vida em geral, eu sou da música. A música é o que me trouxe até aqui. Tenho pelo trabalho uma grande paixão. Acordo todos os dias agradecendo a Deus ter um amor tão grande pela vida, e isso deve-se muito ao meu ofício”, disse.
Aos 67 anos, Djavan admite nunca ter colocado a possibilidade de pôr termo à sua longa carreira: “Parar de trabalhar, de fazer o que faço, é impensável, porque isso seria parar de viver”.
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