Anders pega na sua experiência (e da mulher) para retratar a vida — ou parte dela — de casais que avançam no processo de adoção e de crianças que "saltam" de casa em casa até conseguirem arranjar uma família a que podem chamar de sua. A par, mostra-nos o complexo sistema de assistência social nos Estados Unidos. Isto sem perder a humanidade e, sobretudo, o sentido de humor. "Família Instantânea" tem as suas falhas e está longe de ser a comédia perfeita, mas como escreve o Indiewire, o nível de banalidade de muitos momentos nunca supera a honestidade de outros.
Sean Anders volta a reunir-se com Mark Wahlberg após ter rodado duas comédias com o nativo de Boston que abordam igualmente a temática da família: Pai Há Só Um! (2014) e a continuação O Pai há Só Um... ou Dois (2015). E se é verdade que a crítica não morreu de amores pelos filmes, o público não se importou minimamente — juntos renderam mais de 420 milhões de dólares, de acordo com o Box Office Mojo. Portanto, esta será a terceira colaboração entre Marky Mark e Anders. À dupla juntou-se a australiana Rose Byrne, atriz que participou em comédias como Má Vizinhança e que interpretou Ellen Parsons na série Damages (2007–2012), ao lado de Glenn Close.
Assim, em "Família Instantânea", seguimos a vida de Ellie (Byrne) e Paul Wagner (Wahlberg). Juntos, formam um casal jeitoso, bem-disposto e têm uma fórmula amorosa entre si que resulta muito quer ao nível pessoal, quer ao nível profissional da sua relação. Emocionalmente, Ellie é o lado maduro e ponderado; Paul o terno e pueril. Para ganhar a vida, especializaram-se em remodelar casas velhas para depois vendê-las a bom preço. Exemplo: onde a maioria das pessoas apenas vê paredes a cair aos bocados e papel de piroso, Ellie consegue ver uma zona perfeita para montar um balcão para um família de cinco desfrutar das suas refeições. Por sua vez, Paul é o homem que mete as mãos à obra e dá vida às visões da mulher. E assim era o seu quotidiano. Descobrir uma coisa velha, ver o seu potencial, e transformá-la numa habitação bem catita para uma qualquer família desfrutar. No fundo, um casal normal de classe média, como tantos outros, com um negócio próprio, que vive de forma desafogada nos subúrbios. E que tem um (grande) cão amoroso chamado Almôndega. Até ao dia em que ter filhos não era uma questão e passou a ser.
Ellie tocou de leve no assunto após conversar com a irmã numa clássica cena à mesa com a família, mas Paul fez questão de lhe frisar que não queria criar filhos com idade para ser avô. E é então que arranca uma comédia que tanto faz rir de tão pateta, como toca em assuntos tão simples que mexem com o mais viril dos seres. Quando damos por ela, estão a iniciar os trâmites legais para começar o processo de adoção da adolescente Lizzy (interpretada pela jovem Isabela Moner, que na vida real tem apenas 17 anos, mas que se estreou num musical da Broadway aos 10) — que tem aquilo a que se pode chamar de "personalidade".
E Ellie e Paul aprenderam bem depressa que não se deve separar irmãos. Não é bom para as crianças. Ou seja, acabaram por saber que, juntamente com Lizzy, vem "a obrigação" de adotarem também o sensível Juan (Gustavo Quiroz) e a especialista em pequenas grandes birras, Lita (Julianna Gamiz), a mais novinha dos três, que só come batatas fritas. E no início... demasiado bom para ser verdade. Tudo corria bem durante a "fase de Lua-de-Mel", um período em que não havia brigas ou problemas. O pior foi quando chegou o tempo do caos, passadas as primeiras semanas. Duas crianças assustadas e uma adolescente que foi sempre colocada de lado por todas as famílias em passou, é coisa para dar pano para mangas. (E deu.)
Ora, a consultar todo este processo está um elenco secundário de luxo que dá brilho a toda esta experiência de adopção que é o próprio filme. A oscarizada Octavia Spencer (As Serviçais, 2012) e a comediante Tig Notaro (com especial de stand-up na Netflix) interpretam as assistentes sociais responsáveis não só pelo seu caso em particular, mas também pelos restantes candidatos a pais (as crianças ficam em casa dos candidatos num período de teste que dura meses antes de serem oficialmente adotadas por determinada família após ordem tribunal) que fazem parte de um grupo de apoio que alberga todo os tipos de casais — existe desde o homossexual ao religioso, passando pela mãe solteira "que procura um jovem adolescente, com boa genética". No entanto, é a veterana Margo Martindale (Claudia de The Americans, 2013–2018) que rouba praticamente todos os momentos em que entra em cena.
Aqui não vamos ver um Mark Wahlberg (também produtor) virado para a ação, como tem sido habitual em papéis anteriores, mas sim uma personagem à semelhança daquele que vimos em Ted (2012). E é engraçado ver o seu Pete entrar frequentemente em pânico, primeiro que a sua cara-metade. Quer seja na hora de agarrar uma criança desajeitada até às emergências hospitalares, quer seja a envergonhar uma adolescente à entrada da escola secundária. Mas é Rose Byrne quem sobressai. Se Wahlberg, apesar dos seus 47 anos, funciona como o pateta de serviço para provocar a risota, o fardo emocional recai nos ombros de Byrne, especialmente nas cenas partilhadas com a filha adolescente, que não fez outra coisa na vida que não tomar conta dos irmãos.
A comédia propriamente dita só começa a sério quando se inicia o processo da adoção. O início do filme é lentinho, arrasta demasiado e abusa um pouco do jargão utilizado pelas pessoas que habitam diariamente no sistema de adoção norte-americano. Assim como existem também partes do argumento que são uma autêntica mixórdia de clichés e cenas que não acrescentam qualquer tipo de valor (é sempre um prazer ver atriz Joan Cusack em modo Sheila Jackson de Shameless a fazer cameos, mas aqui não se percebe de onde caiu a sua personagem). Porém, a verdade é que duas horas de filme passam sem se dar conta. Não é a mais cerebral, intrigante ou bem executada das comédias, mas é certamente uma muito humana. Pelo menos, este espetador que entrou na sala escura a torcer o nariz devido ao realizador ter no currículo títulos como Chefes Intragáveis 2 (2014) ou o argumento da sequela de Doidos à Solta, saiu do visionamento de imprensa um pouco mais humilde.
Anders montou um filme em que quis mostrar que ninguém é perfeito por estar cheio de boas intenções, assim como ninguém é marginal só por causa do sítio de onde vem ou do seu passado. Vai depender tudo do contexto. E aquele que Anders quis apresentar com a "Família Instantânea" é que, apesar de se tratar situação difícil, com as pessoas certas por perto e com um bocadinho de sorte, a fortuna e a felicidade familiar são, ainda assim, possíveis de encontrar.
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