“Boitempo” é um livro de poesias publicado inicialmente em três volumes, que reúne as coletâneas autobiográficas “Boitempo” (1968), “Menino antigo” (1973) e “Esquecer para lembrar (1979), que foram sofrendo diversas reformulações.

No texto de apresentação desta edição portuguesa, o coordenador da coleção de poesia da Tinta-da-China, Pedro Mexia, faz apelo às palavras do ensaísta brasileiro José Miguel Wisnik, que assina o posfácio, para dizer que estas obras de caráter memorialístico “compõem um verdadeiro romance de clã, casa, geologia, mineração e gado, com o boi como imagem de uma ‘ruminação do enigma do tempo’”.

“Boitempo” é também, nas palavras de Pedro Mexia, uma viagem na família, a começar no espectro de um pai “imenso” e uma viagem na História, do cometa Halley à Grande Guerra, passando pela herança do esclavagismo.

Trata-se de “um extraordinário catálogo de infância e juventude, convocando e documentando casos, personagens, fascínios, amarguras, objetos, o Deus do catecismo e os vislumbres femininos, o ‘mundominas’ da província e os anos de colégio e de aprendizagem jornalístico literária”, descreve o escritor, responsável pela coleção.

Sobre esta obra inédita em Portugal, Pedro Mexia afirma que é inventiva e sóbria, objetiva na sua subjetividade e criticamente nostálgica, “vendo de fora aquilo que Drummond conheceu por dentro”.

Também da autoria de Carlos Drummond de Andrade, a Tinta-da-China publica no dia 30 de novembro a obra “Vai, Carlos!”, os primeiros quatro livros de poesia do poeta brasileiro, reunidos num só volume: “Alguma poesia”, “Brejo das Almas”, “Sentimento do mundo” e “José”.

Este livro é editado na recente coleção “Os melhores deles todos”, dirigida por Abel Barros Baptista e Clara Rowland, dedicada à literatura brasileira, que arrancou em setembro com o lançamento de “Memorial de Aires”, de Machado de Assis.

O volume “rouba” o título à frase “Vai Carlos!, ser guache na vida”, dita por “um anjo torto/desses que vivem na sombra”, na primeira estrofe do primeiro poema – “Poema de sete faces” - do primeiro livro de Carlos Drummond de Andrade.

As poesias contidas nestes quatro livros revelam um sentimento de inadequação da condição de poeta e do lugar para a poesia no mundo moderno.

Em 1942, quando reuniu pela primeira vez a sua obra publicada, Carlos Drummond de Andrade afirmou em jeito de balanço: “Meu progresso é lentíssimo, componho muito pouco, não me julgo substancialmente e permanentemente poeta”.

Segundo a editora, “é a configuração dessa primeira reunião, que fechava o início da sua trajetória, que este livro reproduz: um núcleo orgânico em que se comprova que o ‘primeiro Drummond’ já era, desde sempre, o nome de um rumo determinante da poesia brasileira do século XX”.

Carlos Drummond de Andrade nasceu em Itabira do Mato Dentro, interior de Minas Gerais, em 31 de outubro de 1902, nono filho de um fazendeiro.

Estudou em colégios internos, tendo sido expulso de um deles por “insubordinação mental”.

Na década de 1920, já a viver em Belo Horizonte com a família, licenciou-se em Farmácia, disciplina que nunca exerceu porque se dedicou ao jornalismo e à literatura.

Em 1928, publicou, numa revista, “No meio do caminho”, um dos poemas mais controversos do modernismo brasileiro, movimento cujas principais figuras entretanto conhecera.

O seu primeiro livro, “Alguma poesia”, saiu em 1930 e, quatro anos depois, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde trabalhou no gabinete do ministro da Educação e Saúde Pública e, mais tarde, na Diretoria do Património Histórico e Artístico Nacional, onde se manteve até à reforma.

Da sua bibliografia, destacam‑se livros como “Sentimento do mundo” (1940), “A rosa do povo” (1945), “Claro enigma” (1951), “Fazendeiro do ar” (1954), “Lição de coisas” (1962) e “As impurezas do branco” (1973).

Carlos Drummond de Andrade manteve ainda uma atividade de seis décadas como cronista, nomeadamente no Jornal do Brasil.

Morreu no Rio de Janeiro, em 17 de agosto de 1987, poucos dias depois de perder a filha, Maria Julieta.