"O heterónimo não é um pseudónimo. É uma entidade que tem uma vida paralela e essa é a relação entre Taika Kansaku que é quase um samurai que viveu no Japão no século XVII e eu. Isto permite-me ter uma outra versão da realidade", disse à agência Lusa o escritor, autor da obra "El Libro del Lejano Ocidente".

Taika Kensaku, aliás, Vázquez Molíni, 60 anos, diplomata da União Europeia, escritor e residente em Portugal "há muito tempo", afirma que o poeta português Fernando Pessoa (1888-1935), ao criar os heterónimos, abriu uma vasta possibilidade literária que lhe permitiu chegar - nomeadamente - ao japonês que na verdade nunca existiu "mas que não deixa de ser real".

"Se me perguntam se Taika Kensaku existiu realmente ou é fruto da tradição ou é resultado do pensamento que se baseia no princípio 'de que as coisas existem porque não existem', não sei. É indiferente. Há por aí muitos heterónimos à solta que são mais reais do que os próprios autores. Álvaro de Campos é mais real do que Fernando Pessoa? Não sei. Pelo menos é igual", responde Molíni.

Com a obra "Libro del Lejano Ocidente" ("Livro do Extremo Ocidente"), Vázquez Molíni, ou Taika Kensaku, pretende dar vida própria a um homem que "existiu" do outro lado do mundo.

"Se não houvesse a influência de Fernando Pessoa nunca teria existido Kensaku. Os heterónimos abriram muitas possibilidades e, portanto, somos todos filhos de Fernando Pessoa. Kensaku é fruto de Pessoa, não haja dúvidas. Mas estamos perante uma existência que me é indiferente que seja mítica. Aqui está a sua obra, a sua existência e os seus haikus", refere.

O livro de Molíni é composto por 101 haikus, um estilo poético tradicional japonês (século XVII) escrito em apenas três frases mas com uma disposição específica das sílabas.

Por outro lado, o autor espanhol afirma que o haiku é uma espécie de "perfume concentrado, uma 'quinta essência' que permite prescindir de todas as bibliotecas do mundo".

Em cada haiku, diz Molíni, na tradição dos poetas tradicionais, está plasmado tudo o que se escreveu antes e tudo o que se pode escrever depois.

"São estas as reflexões de Kensaku que diz no último poema 'para que servem estes versos? Temos de continuar a escrevê-los'", prossegue frisando que "apenas conseguiu encontrar 101 escritos".

"Há mais poemas de Kensaku? Seguramente que sim mas, por enquanto, temos estes que já nos fazem sonhar com a visão dos escritores japoneses dessa época", conclui, frisando que neste caso a "tradição pessoana dos heterónimos é reforçada pelo facto de os portugueses terem sido os primeiros europeus a contactar com o Japão", em 1543.

A obra "El Libro del Lejano Ocidente" (editora Alud, 115 páginas, edição bilingue castelho/japonês) vai ser apresentado no Instituto Cervantes, em Lisboa, na quarta-feira pelo autor e "talvez" pelo heterónimo do Japão.

*Por Pedro Sousa Pereira, da agência Lusa