Com o título “Eileen Gray. E.1027, Arte Total”, esta exposição, que ficará patente até 27 de fevereiro no Museu Nacional de Arte Contemporânea do Chiado (MNAC), será a quinta edição da mostra inicialmente pensada para o Mebane Hall em Austin, no Texas, Estados Unidos, em 2017, ponto de partida do projeto de investigação.
Entretanto, já passou por Berlim, na Alemanha, e pelo Porto, em 2019, por San Sebastián, em Espanha, este ano, e agora em Lisboa, onde terá “uma visão mais alargada do projeto”, disse à agência Lusa a curadora Carolina Leite.
“Aqui no MNAC, será um pouco diferente da exposição apresentada no Porto porque alargámos o interior, no sentido de incluir conteúdos que contextualizam o quarto da casa, nomeadamente explicando o processo de investigação que levou à redescoberta destas peças da autora, e uma parte biográfica, para dar a conhecer ao visitante quem era a Eileen Gray, e como chegou a criar esta obra, que é uma das suas mais famosas”, explicou a curadora.
Kathleen Eileen Moray Smith, mais conhecida como Eileen Gray foi uma arquiteta e ‘designer’ irlandesa e pioneira da arquitetura moderna, que ao longo da carreira esteve associada a muitos artistas e arquitetos europeus notáveis da sua época, incluindo Kathleen Scott, Adrienne Gorska, Le Corbusier e Jean Badovici.
A casa E.1027 – construída entre 1926 e 1929, em Roquebrune Cap Martin, no sudeste da França, como casa de férias -, foi a incursão inicial de Eileen Gray, então com 52 anos, no mundo da arquitetura, concretizada em conjunto com o seu então companheiro romeno Jean Badovici, arquiteto, crítico e editor da revista de vanguarda L’Architecture Vivante.
Sobre a reação dos visitantes, que podem entrar no quarto da casa, reproduzido à escala real, a curadora comentou que “ficam muito surpreendidos porque esperavam um quarto de mulher e encontram um quarto de homem, porque foi criado para um homem [o seu companheiro], que usa o espaço como lugar de trabalho e de dormir”.
“O quarto é importante porque é a síntese, é o núcleo da exposição, onde as pessoas se sentem transportadas para um tempo diferente, 1929, e podem apreciar a relação da arquitetura com a arte, uma área tão apreciada pela autora”, salientou a investigadora Carolina Leite.
Em Lisboa, vão ser apresentados conteúdos que dão a conhecer o extenso processo de investigação que resultou nesta exposição e que realçam a importância do projeto, focando-se numa instalação à escala real do quarto principal da casa, onde os visitantes poderão experimentar diretamente a síntese de proporções espaciais, materiais, cores e peças de mobília, “ganhando uma impressão imediata das ideias arquitetónicas desta indevidamente negligenciada pioneira do moderno”.
“Para nós era muito importante apresentar a exposição no MNAC para mostrar como as duas áreas se cruzam e se complementam, a arquitetura, e as artes plásticas, e porque permite chegar a um público diferente”, acrescentou a curadora à Lusa.
Na altura, para Eileen Gray, a criação da casa – mais do que a oportunidade de aplicar novos conceitos espaciais – foi um manifesto, revisitado nos seus subsequentes projetos, no qual todas as vertentes artísticas estão interligadas, com destaque para a arquitetura e o design.
“Esta visão alargada apresentada em Lisboa situa o contexto, a visão de uma autora que pensa a arquitetura como uma obra de arte total. Eileen Gray vem de um ´background´ de arte, estuda como pintora, e, no fim da vida, vai entregar-se novamente a esta sua primeira paixão”, apontou Carolina Leite, acrescentando que, também a pensar nessa relação serão realizadas mesas redondas sobre a ligação da obra da arquiteta com outros artistas, como Marcel Duchamp (1887-1968).
Com curadoria de Carolina Leite, Wilfried Wang e Peter Adam, este momento de balanço da mostra internacional envolve na sua organização várias entidades, além do MNAC, a Universidade do Texas em Austin, o O’Neil Ford Chair in Architecture, o Euskadiko Arkitektura Institutua, a Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, o Centro de Estudos de Arquitectura e Urbanismo, Hoidn Wang Partner, de Berlim, e o Coletivo de Arquitetos Krafna, do Porto.
No projeto, “uma das referências maiores do movimento modernista, todos os elementos da casa são desenhados no sentido de uma harmonia global, e, mais do que as paredes, é o mobiliário que define e caracteriza os espaços”, recorda a organização, sublinhando que a artista concebeu não só a arquitetura, mas também praticamente todos os objetos e peças de mobiliário, “para criar uma obra de arte total”.
O arquiteto suíço Le Corbusier (1887-1965), que viveu a maior parte da sua vida em França, era visitante regular e grande admirador da casa E.1027, em 1937, convidou Gray a expor um dos seus trabalhos no Pavillon des Temps Nouveaux, em Paris.
Entre 1938 e 1939, Le Corbusier pintou diversos murais na casa E.1027 sem pedir autorização à arquiteta.
A intervenção foi considerada por Gray como uma afronta à obra, deteriorando as relações com o arquiteto, mas um conjunto de cinco murais, dos sete pintados por Le Corbusier, permanecem na casa.
Foi nas proximidades da casa E.1027 que Le Corbusier projetou, na década de 1950, uma pequena casa de férias denominada Le Cabanon, projeto hoje classificado como Património da Humanidade pela UNESCO e considerado um marco da arquitetura modernista.
Eileen Gray nasceu em 1878, na Irlanda, em 1898 entrou na Slade School of Arts, em Londres, para estudar pintura, e em 1902, mudou-se para Paris.
Ao longo da sua vida, continuou a desenvolver diversos projetos que nunca chegaram a ser construídos. Morreu aos 98 anos, em Paris.
A exposição “Eileen Gray. E.1027, Arte Total” é inaugurada no sábado, às 17:00, e o MNAC vai organizar, a partir das 15:30, uma mesa-redonda com especialistas portugueses e estrangeiros, nomeadamente Wilfried Wang, Rosamund Diamond, Carlos Machado e Moura e Ana Tostões.
Também para o encerramento da exposição, a 27 de fevereiro de 2022, terão lugar no museu um conjunto de conversas com convidados nacionais e internacionais, sob o tema “Building Views on Eileen Gray”.
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