O filme, uma coprodução entre Portugal, França, Brasil, China e Grécia, é uma adaptação livre da obra literária brasileira “Os Sertões” (1902), de Euclides da Cunha, “dando conta da obscura guerra que teve lugar na Bahia no ano de 1897”, refere a produtora O Som e a Fúria.

O júri, que atribuiu esta distinção no valor de 50 mil francos suíços (46.511 euros), foi composto por Nadav Lapid, Lemohang Jeremiah Mosese e Kelly Reichardt.

O programa “The Films After Tomorrow” (“Os Filmes Depois de Amanhã”) pretendeu apoiar “realizadores que foram forçados a parar de trabalhar por causa da pandemia”, com um júri a atribuir prémios aos melhores projetos.

O projeto, cujas filmagens foram interrompidas pelo impacto da pandemia de covid-19, foi recentemente contemplado com um apoio de 310 mil euros do fundo Eurimages, criado pelo Conselho da Europa.

Com argumento de Mariana Ricardo, Maureen Fazendeiro, Miguel Gomes e Telmo Churro, “Selvajaria” sucede ao tríptico do realizador “As mil e uma noites” (2015).

No verão do ano passado, Miguel Gomes disse à Lusa acreditar que o ressurgimento de um sentimento de polarização no mundo tornou "Selvajaria" um reflexo da atualidade.

O projeto nasceu entre 2015 e 2016, quando o cineasta leu pela primeira vez a obra do brasileiro Euclides da Cunha, que narra um conflito violento entre o governo e moradores de uma pequena comunidade chamada Canudos, fundada por um líder religioso numa região pobre e semiárida do Brasil no final do século XIX, que terminou com o massacre de milhares de pessoas.

"O mundo está cada vez mais polarizado, há fações no Norte e no Sul, [existem divisões entre] os ricos e os pobres. [...] Tudo está em efervescência, parece que tudo está prestes a explodir", disse Miguel Gomes à Lusa, em 2019, durante a Festa Internacional Literária de Paraty (Flip), no Brasil.

"Esta atualidade [do romance ‘Os Sertões’] é percebida no mundo, na história de agora, por exemplo, quando se quer fazer crer que há uma espécie de guerras de religiões entre os islâmicos e o mundo ocidental judaico-cristão com barbaridades [que são cometidas] dos dois lados. Isto me trouxe a memória da Guerra de Canudos", frisou.

O cineasta também contou que andava a questionar-se sobre que tipo de filme é possível fazer a partir de um romance com mais de 100 anos hoje, um tempo marcado por incertezas e recuos.

"No continente americano, no continente europeu, há uma série de coisas que pensávamos serem já estabelecidas como os direitos humanos e os mecanismos democráticos, que pensávamos estarem garantidos porque todo o mundo tinha assimilado e hoje estão em falência", argumentou.

"Portanto, é um bocado triste dizer isto, mas […] de repente [descobri que] é um filme de guerra. Canudos é uma tragédia nacional [do Brasil], mas eu acho que é uma tragédia que se pode desenhar num microcosmos e que ecoa o resto do mundo", completou.

Além de “Selvajaria”, também o novo filme do argentino Lisandro Alonso, que conta com coprodução portuguesa, recebeu um prémio de 3.000 francos suíços (2.790 euros) em Locarno.

O principal prémio do programa "The Films After Tomorrow" foi atribuído ao novo projeto da argentina Lucrecia Martel, de título "Chocobar".