Era uma no meio de mais de 67 mil espectadores e Springsteen escolheu-a para subir ao palco e dançar "Dancing in the Dark". É difícil saber quem ficou mais feliz, se Andreia Friaças, 20 anos, se o seu pai, um fã incondicional que segue The Boss para onde quer que ele vá.

As surpresas não acabaram aqui. Dois dias depois daquela que parecia a melhor noite de todos os tempos, Bruce Springsteen parou de tocar quando reconheceu Andreia no meio da multidão, desta vez no Estádio Santiago de Bernabéu, em Madrid, Espanha.

«Até me disse qualquer coisa, mas não percebi o quê. A verdade é que isso tornou o concerto memorável. Penso que achou piada a ver uma miúda em Lisboa na quinta-feira e, no sábado, voltar a encontrá-la em Madrid», conta. Estava do lado direito do palco, onde Springsteen vai menos, mas a partir daí Bruce regressou tantas vezes que as pessoas começaram a colar-se a ela: «eu não saio daqui, diziam».

No Rock in Rio foi tudo uma questão de sorte. Andreia não levava os cartazes da praxe a pedir para dançar com Bruce Springsteen, mas estava num bom lugar, o corredor que atravessa o recinto. «Quando ele passou, apontei para mim mesma para ir para o palco dançar, porque ele costuma dançar com alguém - lembra. Olhou para mim e fez sinal com a mão para eu subir e fui puxada por um segurança que, no final, voltou a colocar-me no a sítio onde eu estava, literamente. Nem sei o que lhe disse, agradeci o momento e penso que disse que o veria em Madrid».

«Foi giro, muito giro, e um pouco assustador quando olhei e vi milhares de pessoas. Mas não era uma coisa em que eu pensasse, não estava na minha lista de coisas a fazer. Vou aos concertos, porque gosto, para dançar, para curtir a música. O resto não me passava pela cabeça», garante. E quando diz vou aos concertos, Andreia quer dizer que já foi a «uns dez», só de Bruce Springsteen, o primeiro quando tinha apenas 13 anos.

É estudante do segundo ano de Jornalismo, na Escola Superior de Comunicação Social, onde pertence a alguns núcleos, como a rádio da escola, a ESCS FM, onde faz os noticiários das 19h e onde tem também um programa: "A voz dos ismos".

Gosta de Springsteen por influência do pai, um informático fã incondicional de Bruce. Mas rock nem é o estilo preferido de Andreia, que se lembra de, ainda muito pequena, ter sido arrastada para um concerto dos Guns N" Roses e de não ter gostado. Até hoje. Prefere blues e jazz. Adora Miles Davis.

O seu encanto pela rádio não tem nada a ver com a música. «Sou até um pouco hostil à ideia de passar música na rádio, de a rádio ser dominada por música. Mas é lá que oiço os noticiários». Isso e reportagem é o que gosta e gostaria de fazer profissionalmente. A Antena 1 é a sua estação preferida e na TSF ouve "Sinais", de Fernando Alves.

Escolheu jornalismo apesar de todas as mensagens dissuasoras que foi recebendo e hoje não trocava de curso por nada. E recorda o optimismo do falecido Óscar Mascarenhas, que foi seu professor. Fala nele várias vezes, uma delas quando conversamos sobre livros: «O professor Oscar Mascarenhas dizia que tínhamos de ter três livros: um na casa de banho, um para ler nos transportes e outro na mesa de cabeceira. Não cheguei ao ponto da casa de banho, mas gosto de ler dois livros ao mesmo tempo», confessa. Acabou agora de ler O Arranca-Corações, de Boris Vian e tem a ideia de que o último livro que leu é sempre o favorito.

Atenta, diz que «estamos rodeados de uma realidade que não inspira confiança e não é apelativa. Todos os dias somos [os jovens] bombardeados com mensagens negativas: sai daqui, sai daqui. Pessoalmente, adoro viajar – este Verão vou fazer o Interrail -, mas não queria sair de Portugal. Não sou nada nacionalista, mas gosto do meu país. E estranho que estejam o tempo todo e dizer-me que devo sair».

Andreia é uma optimista. Mesmo vivendo em Portugal, na União Europeia, onde «o panorama não é o mais iluminado. A Europa está completamente fragmentada, precisa de uma reforma gigante, considera. Mas a minha ideia é tentar resistir às dificuldades».

Que dificuldades pode ter uma miúda de 20 anos? «A minha mãe é enfermeira e agora trabalha em dois hospitais. Sente-se o esforço acrescido. Ganha tanto agora com quando tinha um só emprego e trabalha o dobro. Coloco-me no lugar dela: às vezes sai de casa às sete da manhã para começar a trabalhar às oito e chega às dez, dez e meia da noite. É brutal. E não temos luxos por aí além; se calhar, um concerto do Bruce aqui e ali».

Foto: Carlos do Carmo