“Visões do Império” (editora Tinta da China), da autoria do historiador Miguel Bandeira Jerónimo e da realizadora e investigadora Joana Pontes, começou num jardim de Lisboa, a propósito de uma coleção de fotografias de família, com imagens das antigas colónias portuguesas.
Foi o ponto de partida para um documentário (Vende-se Filmes, 2020) e uma exposição coordenada por Joana Pontes e Miguel Bandeira Jerónimo e Joana Pontes, patente no Padrão dos Descobrimentos, em Lisboa.
Agora, ganhou a forma de livro e as fotografias são acompanhadas de textos de autores como o escritor Mia Couto, a historiadora Cláudia Castelo, o antropólogo Nuno Domingos, o historiador de arte Afonso Dias Ramos, entre outros.
As fotografias ilustram o uso da fotografia no período do colonialismo português e demonstra como não foi menor o seu papel.
“A produção e disseminação da fotografia, operadas por diferentes agentes e associadas a variadas instituições, com propósitos diversos em naturalmente, com um alcance e impacto muito desiguais, foram elementos constitutivos das formas de imaginação (geo)política, económica e sociocultural dos territórios coloniais, dos seus recursos e das suas populações”, escrevem os autores da obra, Miguel Bandeira Jerónimo e Joana Pontes, num capítulo onde são visíveis as várias faces do trabalho nas colónias, com recurso às populações locais.
Uma fotografia de 1927, em que se vê um colono a descansar numa rede suportada por dois homens negros, na sanzala do soba Cachima (Angola), outra com duas costureiras e alfaiates macuas (Moçambique) e ainda um retrato com escravos angolanos em São Tomé (1906) podem ser consultados na obra, que tem um denominador comum: a desigualdade.
“Na produção fotográfica colonial isso seria insuportável [estar de igual para igual]. Era necessário que os retratados fossem inferiormente diferentes e que se marcasse bem essa diferença, uma vez que a ´diferença` era a locomotiva certa para o rumo que se pretendia tomar: o da supremacia estrutural”, escreve Cármen Rosa, da Direção Geral do Património Cultural (DGPC), no capítulo sobre “O ´outro` arquivado”.
Na obra vê-se a “Apoteose” da viagem do ministro das Colónias à Guiné (1935) e o seu trajeto sobre os panos colocados pelos locais, ladeado de africanos a aplaudirem a passagem do militar de branco imaculado vestido.
O povoamento dos territórios, a educação dos mais novos, a beleza dos espaços naturais, o ordenamento, reordenamento e a labuta constante são outros temas ilustrados por fotografias que não ignoram a guerra.
Num capítulo dedicado ao “destino”, com texto de Mia Couto, uma fotografia ilustra “Populares mostrando a cápsula de uma bomba de nepalm” na Guiné-Bissau (1970).
“A folha metálica que esta família exibe (…) é o resto de uma bomba, de uma bomba de nepalm. É uma prova de um crime contra a humanidade que aquela família de camponeses exibiria se houvesse um tribunal internacional e se eles fossem chamados a depor contra uma entidade cuja crueldade corre o risco de ficar branqueada”, escreve Mia Couto.
E acrescenta: “Este crime existiu, este passado aconteceu, esta gente pertence ao grupo dos sobreviventes”.
As visões do império terminam nas da independência, com retratos como os de um desfile de crianças numa aldeia de Timor-Leste, de portugueses prestes a deixarem a Guiné-Bissau ou de armas belgas e americanas conquistadas/confiscadas pelo MPLA/FNLA no Caxito (Angola), no fim de novembro de 1975.
E de estátuas, as dos antigos colonos portugueses, retiradas dos seus pedestais, na cidade de Luanda.
Comentários