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1
Quando o meu irmão e eu éramos crianças, o meu pai fez‐nos prometer‐lhe que passaríamos com ele a véspera do Ano Novo de 2000. Recordou‐nos várias vezes esse compromisso ao longo da nossa adolescência e a sua insistência incomodava‐me. Com o tempo acabei por interpretá‐la como o seu desejo de estar vivo para essa data. Ele teria setenta e dois anos e eu quarenta, e o século XX estaria a chegar ao fim. Na minha adolescência esses marcos não podiam parecer mais distantes. Depois que o meu irmão e eu nos tornámos adultos, raras vezes se mencionava a promessa, embora com efeito estivéssemos todos juntos na noite do novo milénio na sua cidade favorita, Cartagena das Índias. «Tu e eu tínhamos um acordo», disse‐me o meu pai com timidez, porventura também pouco à vontade devido à sua insistência. «É verdade», disse‐lhe eu, e nunca mais voltámos a abordar o assunto. Viveu mais quinze anos.
Para o fim dos seus sessenta, perguntei‐lhe o que pensava de noite, depois de apagar a luz. «Penso que isto já está quase acabado.» Depois acrescentou, com um sorriso: «Mas ainda há tempo. Ainda não temos de nos preocupar demasiado.» O seu otimismo era sincero, e não apenas uma tentativa de me consolar. «Um dia acordamos e somos velhos. Assim sem mais nem menos, sem aviso. É avassalador», acrescentou. «Há anos ouvi dizer que chega um momento na vida do escritor em que já não consegue escrever uma extensa obra de ficção. A cabeça já não consegue conter a vasta arquitetura nem atravessar o terreno traiçoeiro de um romance comprido. É verdade. Já o sinto. Por isso, de agora em diante, serão textos mais curtos.»
Quando tinha oitenta anos, perguntei‐lhe o que se sentia.
– O panorama visto dos oitenta é impressionante. E o fim aproxima‐se.
– Tens medo?
– Dá‐me uma enorme tristeza.
Quando recordo esses momentos, comove‐me de verdade a sua franqueza, sobretudo dada a crueldade das perguntas.
2
Telefono à minha mãe num dia de semana, uma manhã de março de 2014, e ela diz‐me que o meu pai está há dois dias de cama devido a uma constipação. Não é raro nele, mas garante‐me que desta vez é diferente. «Não come e não se quer levantar. Já não é o mesmo. Está apático. Foi assim que o Álvaro começou», acrescenta, referindo‐se a um amigo da geração do meu pai que tinha morrido no ano anterior. «Desta não escapamos», é o seu prognóstico. Depois do telefonema não me preocupo, porque a previsão da minha mãe se pode atribuir à ansiedade. Há algum tempo que está numa etapa da vida em que os velhos amigos morrem com uma certa frequência. E atingiu‐a com muita força a recente perda de dois dos seus irmãos mais novos e mais queridos. No entanto, o telefonema faz a minha imaginação voar. É assim que começa o final?
A minha mãe, que sobreviveu duas vezes ao cancro, tem de ir a Los Angeles para fazer uns exames médicos, pelo que se decide que o meu irmão irá de avião de Paris, onde vive, até à Cidade do México para estar com o nosso pai. Eu estarei com a nossa mãe na Califórnia. Mal o meu irmão chega, o cardiologista e médico assistente do meu pai informa‐o de que o meu pai tem uma pneumonia e que as coisas seriam mais fáceis para a equipa se pudessem hospitalizá‐lo para fazer mais exames. Parece que tinha estado a sugerir isso à minha mãe pelo menos nos últimos dias, mas ela mostrara‐se reticente. Talvez tivesse medo daquilo que um exame a fundo viesse a descobrir.
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