«Se não conseguires entrar na América, não serás verdadeiramente grande». É um chavão da indústria musical, mas tem razão de ser; sendo os Estados Unidos o maior mercado do mundo para a música pop, tanto a nível de consumo como de produção, faz sentido que os aspirantes a estrelas procurem conquistá-lo tão cedo quanto antes. É Nova Iorque adaptada a um país inteiro: if you can make it there, you can make it anywhere. Os ingleses sabiam-no, e “invadiram” a América por duas vezes: primeiro com os Beatles, os Kinks e os Rolling Stones, nos anos 60, e depois com a “nova vaga” (Duran Duran, Human League, Billy Idol et al) nos anos 80. Singrar no mundo do espetáculo é uma coisa, fazê-lo na nação que praticamente inventou o conceito de espetáculo é algo bastante diferente.

Recuemos até 1997. A Inglaterra é, por estas alturas, o centro do mundo. A cena madchester, com os Stone Roses e a Factory à cabeça, criou as bases. A britpop, via Blur e Oasis, fincou-as na terra. O crescimento da economia britânica, a organização do Campeonato Europeu de Futebol em 1996 e a eleição de Tony Blair ajudaram ao sentimento generalizado de que era em Londres que estava a ação, a cultura, a festa. Um nome ficou para sempre nos anais da pop: Cool Britannia. A Union Jack, bandeira do Reino Unido, voltava a voar majestosamente nos céus depois do negativismo da era Thatcher. E as Spice Girls, formadas pouco tempo antes, em 1994, tornaram-se rapidamente um dos símbolos desta nova era cultural – com Geri Halliwell, ou Ginger Spice, a envergar de forma orgulhosa a bandeira do seu país enquanto vestido, na cerimónia de 1997 dos Brit Awards, num momento que ficou definitivamente para a história.

Nem a América poderia escapar a esta onda britânica. E, especialmente, não poderia ficar indiferente à febre Spice Girls. Se o Reino Unido e a Europa cederam rapidamente ao fenómeno pouco tempo após a edição de "Spice", o primeiro álbum do grupo, ainda em 1996, os Estados Unidos teriam de esperar até janeiro de 1997 para que “Wannabe” chegasse, em forma de single, às lojas.A 7 de janeiro desse ano, Mel B, Melanie C, Emma Bunton, Geri Halliwell e Victoria Adams, hoje mais conhecida como Beckham, chegavam em larga escala ao mainstream norte-americano, apenas ano e meio depois de terem feito uma digressão pela costa oeste, à procura de uma editora capaz de apostar no seu trabalho.

A espera compensou: “Wannabe” chegou, logo na primeira semana, ao 11º lugar do "Hot 100" – a primeira vez que tal acontecia na estreia de um grupo não-americano desde os Beatles. E não foi preciso esperar muito para que “Wannabe” escalasse a tabela, mantendo-se na primeira posição durante quatro semanas, e ajudando "Spice" a conquistar sete platinas num mercado tradicionalmente difícil para alguém não nativo. Era a terceira invasão britânica ao campo pop norte-americano.

Mas que há por detrás de “Wannabe”, para além de uma excelente e dançável canção pop? Há um feminismo carregado, na sua letra aparentemente simples: if you wanna be my lover, you gotta get rid of my friends... A mulher aqui não é um mero objeto sexual ou de romance, detém o poder necessário para controlar a sua própria vida. Subitamente, um novo conceito entrava não só no léxico pop mas também no da filosofia e dos estudos sociais: o Girl Power. Aquilo que as riot grrls da era grunge (Bikini Kill, L7...) não conseguiram fazer – levar a ideia de feminismo às massas -, as Spice Girls cumpriram em apenas dois minutos e cinquenta e três segundos. Era (e é) uma bofetada no patriarcado. Mas também no feminismo de esquerda, a maior influência das Spice Girls ao criarem “Wannabe” foi, palavras das próprias, Margaret Thatcher...

“Wannabe” foi um sucesso estrondoso, e ainda hoje é utilizada como exemplo em várias aulas de estudos feministas – assim como o seria em aulas de “criação pop”, a existirem. Foi escrita em apenas uma hora e alcançou o primeiro lugar em 22 países diferentes. Não sem dúvidas: as suas primeiras versões soavam mais a r&b e a hip-hop por oposição à dance pop sem rodriguinhos que lhe conhecemos, e a Virgin recusou-se inicialmente a lançá-la como primeiro single – a fúria de Halliwell fê-los voltar atrás, em novo exemplo do Girl Power.

A crítica também não foi simpática, com o Chicago Tribune a compará-la à ignóbil “Macarena”. Mas o público em geral, o alvo principal da pop, deu as boas-vindas ao quinteto, que começou aqui uma história efémera, separando-se no ano 2000, mas deixando um legado de ouro. Em 2014, a Universidade de Amesterdão declarou “Wannabe” como a canção mais facilmente reconhecida e orelhuda dos últimos 60 anos. Quantos temas conhecemos que o sejam?