O nome do disco remete para o espaço nas prisões onde os reclusos estão com os seus familiares, sendo o trabalho de Américo Rodrigues uma espécie de "um grande parlatório em que se ouvem as conversas todas" dos presos "a falarem das suas vidas" - desde o nascimento até à prisão -, explicou à agência Lusa o autor.
A obra, que vai ser apresentada no Salão Brazil, em Coimbra, no dia 13, começou com um outro intuito.
Américo Rodrigues realizou sete longas conversas de cerca de oito horas espaçadas com cada um dos reclusos (cinco homens e duas mulheres) com o objetivo de fazer "um pequeno livro", para contar a história daquelas pessoas.
Tentou reconstruir a história de vida dos reclusos - presos por crimes distintos, como tráfico de droga, homicídio ou burla -, mas não conseguiu.
"Reparei que há uma fronteira muito ténue. É tudo muito frágil. Não conseguia escrever o livro, porque assim que começava a escrever, aquilo perturbava-me. Estavam tão perto de mim, dos meus colegas e dos meus amigos de liceu. Pensava: ‘Eles estão aqui, mas podiam ser os meus amigos da adolescência’. Eram demasiado reais para mim", conta Américo Rodrigues.
A forma artística de ultrapassar o bloqueio foi transformar as conversas numa obra de poesia sonora - área que AméricoRodrigues explora há vários anos.
Em "Parlatório", a voz de Américo Rodrigues interpreta os fragmentos das histórias que apontou e multiplica-se num sem número de vozes que povoam o disco.
Com a voz, há paisagens sonoras, há coros, palavras inventadas e pedaços das conversas que foi tendo com os reclusos, que falam do porquê de estarem presos, do que é que fizeram, do que vão fazer depois, dos filhos, do reconhecimento ou não de justiça na sua condenação, da sexualidade dentro da cadeia.
É a voz de Américo Rodrigues que lê, que interpreta, que "grita, que chora, que faz tudo perante aquele material - esgares, respirações, ruídos, coros".
"Não há uma narrativa. Há variadíssimas narrativas. É como se o disco fosse um palco", em que surge à boca de cena alguém que grita, ao mesmo tempo que, noutro plano, alguém sussurra sobre "quando morreu uma pessoa às suas mãos" ou que chora "quando se lembra do filho", afirma o artista.
Parlatório "é como se fosse um grande teatro de vozes" e, por isso, contou com o ator e encenador José Neves para a "dramaturgia do som" que o disco pedia.
Apesar de ter sido a fronteira "muito ténue" que encontrou nas conversas que o fez desistir do livro, essa mesma "sensação de fronteira" acaba por estar presente no disco.
O disco são "55 minutos de vozes de pessoas que estão privadas de liberdade e que são tão reais, tão perto de nós, que não sabia onde estava a fronteira", frisa, referindo que houve reclusos que lhe contaram "confidências, possivelmente coisas que não terão contado à polícia".
"Sabia que eram pessoas como eu, mas a conversar comigo numa sala de prisão revelaram tantas coisas. Ao mesmo tempo, tanta fragilidade também", sublinha Américo Rodrigues.
A sessão de lançamento do disco de Américo Rodrigues, editado pela Bosq-íman:os, está marcada para as 15:00, no dia 13, no Salão Brazil, sendo que a entrada é gratuita.
Após o lançamento, vai decorrer uma mesa redonda intitulada "O que pode a arte? Ações artísticas em contexto prisional", com a participação do autor, bem como de Paulo Lameiro, coordenador do "Ópera na Prisão", do sociólogo António Andrade Dores e do antropólogo Daniel Maciel.
O disco também vai ser apresentado em Lisboa, na Galeria Zé dos Bois, em fevereiro, mas a data ainda não está definida, informou.
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