O ponto de encontro com José Raposo foi o Teatro Maria Vitória, onde decorria uma tertúlia moderada por Vasco Morgado, presidente da Junta de Freguesia de Santo António e neto da atriz Laura Alves, e foram as suas palavras sobre o Parque Mayer, que agora celebra 100 anos, que deram o mote para a conversa. "Os políticos querem lá saber do teatro", diz o actor.
José Raposo conhece de cor o Parque Mayer, onde começou a ir ainda pela mão do pai e onde depois levou pela mão os seus filhos, agora também eles atores - Miguel formou-se no Conservatório, Ricardo fez escola no Chapitô. Assistiu a tudo: a fase ainda vibrante, a decadência, o fecho, as obras e a reabertura. E o abandono a que está votado.
"Houve neste processo grandes interesses económico-políticos. A câmara adquiriu isto, mas depois vendeu a uma empresa de estacionamentos, a Bragaparques, entraram em litígio na justiça e ainda hoje está por resolver. Uma confusão", explica o ator, que nos anos 2000 chegou a fazer parte de uma comissão, "uma espécie de amigos do Parque Mayer", encabeçada por Raúl Solnado.
Com a câmara de Lisboa ninguém fala, porque "eles não conversam connosco", garante. "O que faço é dizer o que penso nas entrevistas e nas redes sociais: que isto é uma vergonha. Se fosse em Espanha, isto não acontecia. Para mim isto é o espelho de como o Estado trata a Cultura em Portugal - o Orçamento nem sequer lhe dedica 1% do total", diz José Raposo. "Quando há eleições, os políticos vêm todos ver uma revista ao Parque Mayer, tem muito elã, trazem os fotógrafos atrás, mas depois nunca mais cá voltam".
A última tentativa para reabilitar o Parque Mayer - "que a nova geração não conhece nem faz ideia onde fica, e não a culpo" -, foi exactamente no início dos anos 2000, quando a tal comissão foi à Assembleia da República reunir com os vários partidos. "Isso é muito giro, temos de ir para a frente", diziam, "mas acabou por ficar tudo em águas de bacalhau quando o próprio Raúl descobriu, porque conhecia muita gente importante, que estava a haver um aproveitamento político da situação e que um partido se estava a apoderar da causa para se promover", conta. "Desistiu ele e desistimos todos".
Desistir talvez seja um exagero, porque muitos, como José Raposo, continuar a tentar. "A minha relação com este espaço é de amor. O meu pai vinha muito à revista e trazia-me, era eu miúdo. Estreei-me como ator no Teatro Ádóque, no Martim Moniz, em 1981. Em 1982 o Francisco Nicholson, que era quem estava à frente do projeto, trouxe-me para aqui quando o Ádóque acabou. E fiquei uns anos no Parque Mayer a fazer pequenos papéis", recorda.
Conheceu o Parque Mayer ainda com três teatros a funcionar: o ABC, o Maria Vitória e o Variedades. "O Capitólio passava filmes pornográficos, a decadência já estava aí instituída [ri]. Os mais velhos dessa altura já me diziam: "Oh pá, isto é a decadência total. Tu sabes lá como isto era há uns anos...".
Mas José Raposo sempre soube. "De facto, era outra história. Mesmo a decadência de que falo, nos anos 80, era uma festa. Meu Deus", suspira. "Três teatros a funcionar, 60 a 70 pessoas a trabalhar em cada teatro, entre atores, técnicos, bailarinos, produtores. Isto era uma autêntica comunidade, porque é um sítio fechado dentro de Lisboa, como se fosse um condomínio. Era um pátio alfacinha com quatro teatros, como não há em mais lado nenhum no mundo, nenhuma capital europeia tem esta pérola".
Depois deitaram abaixo o ABC, fecharam o Variedades e o Capitólio ficou anos sem trabalhar. "Uma decadência promovida, como se faz hoje nos prédios antigos, até morrer o velhinho que é para depois se deitar abaixo. Tudo por causa de dinheiro, até pensaram trazer bancos e hotéis. Mas a história tem mais força, e o Capitólio, do grande arquiteto Cristino da Silva, não se pode deitar abaixo", está classificado como Imóvel de Interesse Público desde 1983. "O que é uma chatice para os senhores dos parques de estacionamento e para os patos bravos que já tinham negociatas com a câmara", remata o ator.
O Capitólio - onde The Black Mamba já ensaiavam para o espectáculo dessa noite - e o Teatro Variedades foram recuperados, "mas a reconstrução ficou a cargo de arquitetos da câmara, pessoas que não têm nada a ver com o teatro. O Variedades passou de 800 para 300 lugares e o Capitólio nem cadeiras tem, tem bancos corridos porque é para concertos". Só o Teatro Maria Vitória se mantém como antes, "muito porque o Hélder Freire Costa, que foi o empresário que sempre manteve a Revista Portuguesa", tem feito esse esforço, diz.
Quando Luís Galhardo fundou o Parque Mayer "abriu isto como uma espécie de feira, com restaurantes, barraca de tiros, carrosséis, um barbeiro, um fotógrafo, um quiosque de jornais logo à entrada, da dona Rosa... Tinha coisas muito pitorescas", lembra o ator. "O que era engraçado é que as pessoas vinham para ver os artistas. Sentavam-se a tomar alguma coisa e "Olha, vai ali a Ivone. Como está, dona Ivone?" Isso agora não acontece em teatro nenhum. Por acaso, ainda acontece no Porto, que é mais provinciano, mais bairrista", emenda José Raposo. "No Sá da Bandeira, as pessoas esperam por nós, querem tocar-nos, falar... Eu adoro o Porto, adoro! As pessoas são muito mais genuínas, mais verdadeiras".
"O meu filho Miguel fez um retrato do Parque Mayer na perspetiva dele de quando era miúdo, quando vinham para cá comigo e com a mãe [Maria João Abreu] - nós co-produzimos com o Hélder Costa cinco espectáculos nos Maria Vitória, quatro revistas e um musical, entre 2000 e 2002, primeiro, e depois de 2005 a 2007", explica.
E é assim a memória de Miguel: "Houve um tempo bem bonito, tinha muito poucos anos [12], andava no Parque Mayer a curtir a comunidade. Um cenógrafo tomava café enquanto esperava que o espetáculo acabasse e eu pedia um bife ao Russo. Via os desenhos que o senhor fazia no papel da mesa e achava-os a coisa mais bonita de sempre. Os meus pais também saíam para tomar café nas pausas entre cenas, brincava com os filhos do atores, dos técnicos, dos cozinheiros, filhos de uma comunidade que era o Parque Mayer. Pessoas que vinham aos bares e restaurantes, que serviam até tarde para poderem conviver com os que finalizavam o seu ofício. Beber um copo com o actor, comer um bolo com a bailarina, trocar ideias políticas com o empresário, mostrar um rascunho ao figurinista, que apesar de ter terminado o seu trabalho há meio ano, altura em que os seus tecidos se estrearam, ainda continuava por cá, pois era esta a sua casa. Os cheiros dos camarins tão diferentes, tal era o tempo que cada um lá perdurava. Em uns batia antes de entrar, noutros tinha a liberdade para assustar o inquilino. Outra liberdade era subir aos camarotes e espreitar aquele número bonito, só aquele, e depois ir buscar um chocolate ao bar do teatro, que a senhora punha na conta dos meus pais. Namorei no sub-palco sem saber que namorava ao som das cantigas abafadas pelas paredes que me separavam da banda que tocava ao vivo [...]".
"O Pai Tirano" é "o teatro dentro do cinema"
O Teatro Maria Vitória também precisava de uma renovação, admite José Raposo. Falta-lhe espaço de pernas entre cadeiras, por exemplo, e alguma modernidade, sobretudo no que toca a tecnologia. "Mas temos receio que, em vez disso, venha para ali mais um mamarracho".
Para José Raposo, não há espetáculo como a revista. Prefere teatro a cinema, cinema a televisão. Telenovelas? [Risos] "Entro em novelas de vez em quando, agora numa da SIC, "Por ti". É um mercado de trabalho. Fazemos as novelas porque nos dão dinheiro, e ainda bem, é um mercado que emprega muita gente. A publicidade é que paga essa indústria. Vou responder-lhe o quê? Não é o produto que mais aprecio, claro que não. Se o teatro me pagasse as contas todas, não saía daqui, ai isso não".
No teatro, diz o actor, "os textos são mais profundos e há mais tempo para se trabalhar, estamos ali um mês a insistir na mesma peça, que dura duas horas. Na novela fazemos 22 cenas num dia, sem ensaios profundos, sem pesquisa, sem encenador a dirigir. É um produto assumidamente assim: um momento para ensaiar e outro para gravar. Não há tempo para apurar, que é o que se faz no teatro".
No momento em que falamos José Raposo ainda não viu "O Pai Tirano", que protagoniza e que já estreou no cinema. Como foi aceitar o desafio? "É um produto fantástico, porque o realizador, o João Gomes, deu uma liberdade incrível aos atores para proporem as suas ideias, e isso correu muito bem. Ainda por cima, correu bem os atores. Foi um trabalho de jogo incrível, maravilhoso".
Note-se que "O Pai Tirano" é o filme da vida de José Raposo. "Quando o João [Gomes] me ligou a perguntar se eu queria fazer "O Pai Tirano", respondi: "Meu Deus, isso é um milagre. Ainda por cima o papel do Vasco Santana, que é um ídolo de sempre", recorda. "Tenho paixão por este filme desde pequenino, que via com o meu pai em Angola, e depois continuei a ver".
"Ao mesmo tempo", continua, "é uma grande responsabilidade, porque o filme é um ícone, é dos filmes mais conceituados da história do cinema português. E é considerado talvez o mais bem elaborado dos clássicos da fase dourada das comédias portuguesas. Porque o argumento é fantástico, aquilo é a magia do teatro dentro do cinema".
"O Pai Tirano" é mais recente adaptação de um clássico português, depois de "O Leão da Estrela", "O Pátio das Cantigas" e "A Canção de Lisboa". Com uma diferença: os outros filmes foram adaptados aos dias de hoje. Este não.
E isso, considera José Raposo, "é uma mais-valia, porque aquela linguagem é muito datada. E é genial, mas se for feita naquela época faz muito mais sentido. Agora continua a ser um filme de época, com aqueles trocadilhos que resultavam tão bem. É engraçado, vejo o filme original 500 vezes - já vi milhentas -, e vejo o Fernando Mendes a fazer coisas assim, vejo o Carlos Areia a fazer coisas assim, vejo o Carlos Cunha a fazer coisas assim. Como via o Nicolau [Breyner] ou o Armando Cortez, pessoas principalmente ligadas à revista. Isso já era para eles uma vantagem. Num programa que gravou há muitos anos, Lauro António perguntava ao Nicolau: "Porque é que a revista está em crise?" E ele respondia: "Porque não estamos a tratar bem o nosso humor". E é isso; os franceses têm o seu humor, os ingleses têm o seu humor, nós temos o nosso humor. Mas temos vergonha dele. Aliás, temos vergonha de tudo o que é nosso, temos vergonha de nós. É um estigma do povo português", observa.
E que humor é o português? "É o humor do calembur, do trocadilho, da comédia à portuguesa. Um diz uma coisa, outro pega no fim da frase para dizer outra, para brincar. Vamos a uma tasca e ouvimos dois velhotes, dois cromos, e há uma anedota, uma boca. É assim. Sou fã do humor português. Depois, começaram a importar o humor anglo-saxónico. O meus colegas de profissão matam-me, mas eu vou dar este exemplo: Monty Python, é fabuloso, é british, é único. Mas de uma época muito específica. Vi muitos colegas, desde há 30 anos para cá que, a dizer que é deste humor que precisamos na Revista à portuguesa, é este humor que devíamos fazer. Mas devíamos porquê? É genial, mas não é o nosso. Vamos rir-nos com isso - eu rio -, mas, não tem nada a ver com Portugal. O nosso humor é popularucho? É, mas com bons argumentistas, com bons autores, inteligentes, podem fazer-se coisas muito boas", acredita José Raposo.
"Mas é o preconceito, esta coisa da vergonha. O grande preconceito à portuguesa. Que também existe em relação à escrita. Conheço pessoas que escrevem muito bem, mas que não são contratadas, porque está tudo formatado por nichos, é difícil entrar", explica o actor. "Conheço, mesmo nas novelas, argumentistas que são bons. O que acontece é que quando se constituem as equipas é uma coisa lá muito fechada".
E lá volta a Revista à baila. "A Revista tinha parcerias, sempre foi assim, quatro, cinco autores, cada um com o seu estilo. Juntavam-se todos na casa de um e aquilo era tudo cozinhado. Havia tempo, não tinham de se levantar às seis da manhã para ir para a novela ou para a dobragem. Às sete da manhã ainda estava a escrever e a beber copos. Acabavam bêbados, mas não interessa, saía dali um trabalho de equipa fantástico".
Agora não há tempo. "Há os escritórios, onde tem de se entregar o trabalho, é tudo por encomenda e tem de ser rápido, para ontem", continua José Raposo. "Os argumentistas não têm culpa de ter prazos muito curtos para criar, um criativo precisa do um mínimo de tempo. É difícil trabalhar-se bem quando as condições são essas. Nas parcerias da Revista estavam incluídos lá escritores, não era só "deixa ver se arranjo aqui uma rabulazinha, uma coisa cómica. Éram atores, jornalistas - o Mário Zambujal, por exemplo, escreveu um dos últimos grandes êxitos, "Não Batam Mais no Zezinho", com a Ivone Silva, a Marina Mota, o Fernando Mendes. Tinha um humor muito próprio, era um conhecedor da Lisboa boémia, e a Revista tem muito esse picante".
Mas as pessoas confundiram tudo. "A classe intelectual e a classe artística, principalmente depois da revolução, o que é uma contradição incrível - a contradição das contradições, porque se a Revista é o espectáculo mais progressista do tempo do fascismo, era lá que se mandavam as bocas, que se dizia mal do regime, que se fazia oposição -, passou a considerar a Revista um estilo de teatro menor. Quando a Revista é um espectáculo contra-poder, de crítica política e social, faz sentido existir sempre. A questão é só a qualidade: bons atores, bons autores, boa luz, bom som, bom encenador, bons bailarinos, bons músicos, bons figurinistas. Se tudo isto tiver qualidade, é um espetáculo fantástico".
Teatro de Revista candidato a Património Cultural Imaterial da Humanidade
A Revista é um espectáculo de grande dimensão e, por isso, caro. Fazer Revista exige muito dinheiro e "as novas gerações nem sabem o que é". Hoje, o teatro de Revista é candidato a Património Cultural Imaterial da Humanidade, a proposta já está na UNESCO.
Se os mais novos não sabem o que é, "nas gerações mais velhas ainda há muita gente que vai ao Maria Vitória por ser o único teatro que ainda faz Revista".
Mas se é assim como explica José Raposo o êxito de Filipe La Féria e do Politeama? "O La Féria fez o "Passa por mim no Rossio", felizmente para ele e ainda bem. Tiro-lhe o chapéu. É um homem fantástico, não é só um grande encenador, é também um grande empresário. Mas foi o Pedro Santana Lopes que o convidou para isso, foi feito com dinheiro do Estado. E com o elenco residente do Teatro Nacional [D. Maria II], que incluía Eunice Munoz, Ruy de Carvalho e Lurdes Norberto, entre outros, além de atores convidados por ele, como a Rita Ribeiro, o Carlos Quintas ou a Simone de Oliveira. Aquilo era uma Revista que nenhum empresário tinha dinheiro para pagar. O espectáculo esteve três anos em cena e o Filipe ganhou muito dinheiro. Nessa onda, aproveitou para ficar com o Politeama. É um visionário, sem dúvida, o teatro estava a cair e restaurou-o, apetrechou-o com o melhor. E fez o "Maldita Cocaína", também subsidiado. Depois conseguiu, e essa é a sua maior vitória, que o público regressasse e hoje vive da bilheteira. No fundo, o público que ia ao Parque Mayer passou a ir ao Politeama. É como ele dizia: "Caminetas e caminetas e caminetas" [imita a voz de Filipe La Féria]. Mas essas eram as camionetas que paravam na Avenida [da Liberdade] e vinham para o Parque Mayer. Passaram a parar lá, para ver não revista, mas sobretudo musicais".
E, mais uma vez, a promiscuidade entre política e negócios. "Eu, embora apartidário, sou um homem de esquerda. Mas digo que a única pessoa que se interessou pelo Parque Mayer foi Pedro Santana Lopes, que enquanto presidente da câmara de Lisboa apresentou um projecto do arquitecto Frank Gehry, que só não foi para a frente por uma questão política. Como ele era de direita, os senhores da esquerda disseram não".
Atualmente continua a haver ideias para o Parque Mayer. Vasco Morgado e Carlos Moedas, presidente da Câmara Municipal de Lisboa, têm uma proposta conjunta para passarem para ali todos os conservatórios: Música, Teatro e Dança. "Isso seria fantástico", considera José Raposo, "não só porque passaria a ser um polo de atração, mas porque os miúdos nasceriam aqui como artistas". A proposta existe, mas está em banho-maria.
Também existe a ideia de fazer acordos com as escolas públicas para que os alunos possam passar a assistir a peças e assim criem o hábito de ver teatro. "Há muito bom teatro", garante o actor. "O que não há é uma política escolar que incentive os miúdos. Desde logo, devia haver uma disciplina de Teatro nas escolas, porque o teatro é uma terapia fantástica, sobretudo para miúdos. E depois era educá-los a conhecerem o teatro e a irem ao teatro. Porque nos países normais, aqui do lado para lá, é normal os miúdos saberem o que é teatro".
Intuitivo, preguiçoso e comilão
José Raposo diz que ser ator é a sua maior extravagância. "É, antes de mais, uma grande irresponsabilidade. Mas é uma irresponsabilidade maravilhosa, a melhor que me aconteceu", diz. E não se via a fazer mais nada.
"Tenho uma profissão que é para gozar, a tal terapia, não é para estarmos ali a chatear-nos e com uma pessoa aos gritos", diz. Porque há encenadores que gritam. "Uma coisa é gritar, outra é chegar ao ponto da humilhação. Quando que está a dirigir-nos tem uma atitude muito autoritária, disso eu não gosto. E já declinei convites - cada vez mais aceitar um trabalho depende do projeto, claro, mas sobretudo de quem está à frente dele. O bom ambiente é uma coisa fundamental, porque somos criativos, estamos ali a fazer o que gostamos, somos crianças toda a vida".
Quanto ao seu processo criativo, afirma que não tem segredos. "Sou muito intuitivo e, como sou preguiçoso - as pessoas sabem, e muitas não gostam, acham que é o contrário do que deve ser um ator -, não faço exercícios nem aquelas coisas que os atores fazem. Sou muito normal", confessa. "E odeio trabalhar".
Hoje, tem a "felicidade" de já conseguir - e de poder - recusar trabalho. Sabe que ser ator não é fácil, e "os critérios não são os mais justos, sem dúvida alguma. Há pouco falei em nichos, mas era mais certo dizer lobbies. Existem, claro, e estão instituídos. Tem a ver também, acho, com as cores políticas em relação aos espaços culturais, as ligações das direcções a quem está no poder. E depois há uma organização obsoleta em relação a quem decide o quê, quem dá subsídios a quem, com que critérios", denuncia.
De resto, "sou um rapaz que se atrasa um bocado", assume o defeito, "e que não consegue dar tudo logo no primeiro ensaio... Só que aqueles que dão logo no primeiro ensaio, muitas vezes na estreia, depois, pfffff. É como o soufflé, vão abaixo. E depois, não sou um indivíduo muito paciente - sou paciente com a minha filha, que tem três anos, e com os meus netos".
Ri-se com aquilo que escandaliza tantos outros, como o facto de usar auricular. "Ponho aquilo no ouvido e tenho uma pessoa a pontar-me os textos. Adoro, dou-me lindamente com isso, não tenho preconceito nenhum. É uma questão de prática. Antes havia o ponto. "Ai, que horror, temos de saber os textos de cor..." Saber os textos de cor? Marrar, desculpe a expressão, era o que fazíamos na escola. Não gosto de marrar e decorar aqueles textos todos é uma chatice. Porque é que não havemos de assumir isso?"
O ator também não tem essa coisa de não gostar de se ver no trabalho que faz. É autocrítico, mas, "como dizia o Nicolau Breyner, a mim pagam-se para fazer, não é para ver. Por exemplo, raramente vejo as novelas onde entro. Estamos mais ou menos um ano a fazer e a dizer o mesmo". No teatro gosta de ver os outros, "gosto mais de ser espectador. E quando vou ver, vou para gostar. Se não gosto, ui Jesus, é muito complicado. Porque no fim faço sempre questão de ir cumprimentar os colegas".
Nenhum dos vícios acima é, para José Raposo, o seu pior defeito. O seu pior defeito, ri, é gostar de comer, "muito e mal", sem grandes preocupações com a saúde. "Sou muito inconsciente com a comida", admite. "E tenho várias comidas de conforto, mas posso falar na moamba de galinha. Nasci em Angola e ainda tenho esses resquícios muito bem enraizados. Nunca voltei lá, não por opção, mas porque não calhou. O meu filho mais velho, o Miguel, já lá foi, mesmo antes de eu os levar lá, como sempre disse que faria. Ainda não voltei, mas quero voltar lá".
Para já, e a partir de outubro, um novo projecto, a comédia "Trair e coçar é só começar", do ator brasileiro Marcus Caruso. "Escreveu esta peça há 50 anos e está em cena no Brasil há 40 anos, penso que é a segunda no mundo há mais tempo em cena. Vamos fazê-la cá e eu vou protagonizar a peça, encenada pelo Miguel Tirré, com actores portugueses. Ficamos até janeiro e é uma coisa que tenho a certeza que me vai dar imenso gozo.
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