A obra "Direitos Humanos - o que está por fazer no século XXI" reúne uma série de casos que Teresa Pina acompanhou enquanto jornalista e como diretora-geral da secção portuguesa da organização Amnistia Internacional (2012-2016).

"Os retrocessos a que assistimos na Europa, mas também fora da Europa, ilustram que [os direitos humanos] não são adquiridos, que os progressos que conquistamos em outras fases da História podem ser facilmente revertidos", alertou Teresa Pina em entrevista à agência Lusa.

"Se houve progressos que muitas minorias considerariam impensáveis, noutras matérias houve sérios retrocessos. Não se pode baixar os braços porque, do dia para a noite, estas coisas podem ser revertidas de uma maneira muito fácil", prosseguiu.

E, para Teresa Pina, exemplos de ameaças atuais aos direitos humanos não faltam e vão desde questões "mais fraturantes" como os direitos reprodutivos ou das comunidades LGBT [Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgénero] até "violações inimagináveis" da ordem internacional, como a invasão do Iraque no pós-11 de setembro.

"A invasão do Iraque pôs a nu como é possível, rapidamente, violar os tratados e dar uma 'machadada' na ordem internacional. A própria prisão de Guantanamo, que se mantém e que nos pareceria certamente impossível nas últimas décadas do século XX, em que havia algum progresso e consenso internacional, põe também a nu a arbitrariedade com que as normas internacionais são violadas", apontou.

Outro exemplo desta realidade, que Teresa Pina considera "grosseira", é o da "verdadeira crise humanitária" que se "continua a viver nas águas do Mediterrâneo", às portas da União Europeia, que em 2012 foi distinguida com o Prémio Nobel da Paz, entre outros motivos, por promover os direitos humanos.

"Há uma série de situações que me levam a questionar se estaremos preparados para evitar que os mais vulneráveis se tornem os mais atingidos, que a xenofobia, os nacionalismos e o populismo não voltem a afirmar-se como uma coisa aceitável e legítima", disse.

Teresa Pina assinala, por outro lado, a erosão dos direitos económicos e sociais em tempos de crises financeiras.

"A resposta da UE à crise não foi centrada com os direitos humanos, não houve a preocupação de proteger os mais vulneráveis e expostos, as minorias e os mais fragilizados. O facto de se ter gerado um ambiente de escassez, de falta de recursos, de desproteção social pode contribuir para alimentar estes sentimentos antiestrangeiro", disse.

A antiga responsável da Amnistia Internacional entende que não há respostas "milagrosas" ou "únicas" para estas questões e apresenta, no livro, um conjunto de medidas para "prevenir" novos retrocessos.

O livro, lançado quando se assinalam o 70.º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos e os 40 anos da adesão de Portugal à Convenção Europeia dos Direitos Humanos, servirá também para sublinhar a "importância da pressão social sobre os governos".

"É sobretudo em tempo de crise, quando os direitos humanos estão mais fragilizados e mais ameaçados, que as proteções devem ser reforçadas. É precisamente para destacar, mais uma vez, a importância que tem a pressão social sobre os governos e na consciencialização para a existência dos tratados de direitos humanos que este livro pretende chamar à atenção", reforçou.

O caminho passa por adotar uma agenda nacional de Direitos Humanos

A ex-diretora da Amnistia Internacional, Teresa Pina, propõe a adoção em Portugal de uma agenda nacional que sistematize a proteção existente e inclua a globalidade das questões de direitos humanos.

Partindo de uma série de casos portugueses e estrangeiros que Teresa Pina acompanhou enquanto jornalista e como diretora-geral da secção portuguesa da organização Amnistia Internacional (2012-2016), o livro analisa várias matérias de direitos humanos, que vão desde a liberdade de expressão na era digital, aos direitos económicos e sociais, à crise económica mundial, à discriminação racial e aos refugiados.

A parte final da obra inclui o esboço de uma agenda nacional de direitos humanos que reflete as conclusões a que conduziu a investigação da autora.

"O plano visa dar mais eficácia às proteções que já existem. Portugal é um bom aluno no que toca a adesão aos tratados internacionais de direitos humanos, mas depois, na prática, a aplicação nem sempre corresponde ao que desejaríamos", disse Teresa Pina em entrevista à agência Lusa.

Por isso, espera-se que, com o plano, se possa "acautelar ou recomendar uma certa ponderação em direitos humanos aquando da tomada de decisões", sobretudo se tiverem implicações na vida dos mais vulneráveis.

"A ideia é sistematizar todas as proteções setoriais que já existem e fazer um plano que se aplique a todas as instituições e que seja sobre todas as matérias de direitos humanos, inclusive dos refugiados e migrantes", acrescentou.

A proposta de agenda é para Portugal, mas, de acordo com Teresa Pina, pode ser transposta para outros países ou mesmo para o conjunto da União Europeia.

Relativamente ao caso dos refugiados, Teresa Pina entende que as soluções da União Europeia não estão a resultar.

"Em 2018 já temos dados suficientes para perceber que o número de mortes no mar é superior, embora possa haver menos pessoas a tentar fazer a travessia do Mediterrâneo, que continua a ser a mais mortífera do mundo. É de facto uma questão humanitária e as soluções 'ad hoc' que a União Europeia tem tomado para afastar as pessoas e externalizar o controlo das entradas, não só não resolvem, como agravam a situação, fazem nascer e alimentam sentimentos antiestrangeiro, nacionalistas e populistas", reforçou.

Em Portugal, é abordado o racismo, nomeadamente através do caso dos 18 agentes da PSP acusados, pelo Ministério Público, de racismo e tortura em relação a um grupo de jovens da Cova da Moura.

"É uma questão de que se fala pouco. Não se conhece a verdadeira extensão do racismo em Portugal porque não há um estudo sobre a dimensão das populações minoritárias. Não se conhece o que fazem, qual o grau de riqueza, qual a formação em termos escolares", adiantou a autora.

Para Teresa Pina, quando as Nações Unidas promovem, até 2025, a década dos afrodescendentes "era uma boa oportunidade para o Estado português contemplar o tema nas suas prioridades nacionais".

"O Governo disse que, no próximo censo nacional, tentará perceber a dimensão das pessoas de outras 'etnias'. É uma proposta que as organizações internacionais sempre fizeram e esperemos que isso aconteça e seja o primeiro passo de muitas mudanças", reforçou.