Tiago Torres da Silva acusa ainda o subfinanciamento do setor, com as suas múltiplas consequências, alertando “os poderes” da necessidade de “olharem para estes problemas com mais atenção.”
Nos 50 anos do 25 de Abril, escreve Torres da Silva, “é preciso reclamar para o Teatro essa possibilidade de criar pensamento, de inventar questões, de não seguir a agenda dos governos nem dos partidos da oposição, de ser milagrosamente livre para questionar, para entreter, para emocionar e inclusivamente para não fazer nenhuma destas coisas.”
No início da mensagem, Torres da Silva agradece a Carlos Avilez, “um exemplo de amor ao teatro como poucos”, referindo-se àquele que foi, durante quase 60 anos, diretor artístico do Teatro Experimental de Cascais (TEC), e a quem se dirige sempre no tempo presente, porque entende ser impossível esquecer o seu trabalho.
“Como esquecer os seus Ibsens, os seus Genets?”, interroga-se o poeta, dramaturgo e também encenador, afirmando que Avilez “está presente nas muitas memórias que temos de grandes espectáculos que encenou”.
O antigo diretor do TEC “está presente na generosidade com que abriu portas aos mais novos num tempo em que não era muito simples falar com os directores dos teatros”, escreve; “está presente nos atores de tantas gerações que passaram pela Escola de Teatro de Cascais e que se afirmaram ou ainda buscam a afirmação de tão jovens, de tão curiosos por este estranho e maravilhoso ofício que é o teatro”, sublinha, lembrando a Escola Profissional de Teatro de Cascais, fundada por Avilez em 1992.
Essa diversidade “é que importa”, lembra o autor de peças de teatro como “A tia”, acrescentando: “O que importa é que o Teatro está vivo e, no frenesim das vidas instagramáveis, continua a ser o lugar onde o artista nos olha nos olhos e fala, sem filtros, sem ‘photoshop’, sem inteligência artificial”.
“Só o actor. A palavra. O silêncio. O público”, enfatiza Torres da Silva, admitindo estar preocupado com as “novas gerações de atores”, já que “com os orçamentos exíguos das companhias, tem de se programar peças com poucas personagens”.
Muito “poucas vezes há orçamento para um elenco grande”, o que faz com que se “eliminem personagens secundárias que tão enriquecedoras são para um espectáculo e tão importantes são para quem está a dar os primeiros passos no teatro”.
Por isso, Tiago Torres da Silva, que começou no teatro como assistente de encenação de João Lourenço, do Teatro Aberto, afirma estar “na hora de os poderes olharem para estes problemas com mais atenção”.
Para Torres da Silva, há que “parar com esta lógica de programador”, com peças em cena três ou quatro dias, inviabilizando que um espectáculo cresça, sem se deixar que a publicidade ‘boca a orelha’ funcione, que “sempre foi a melhor publicidade para um espectáculo de teatro”, sendo-o “ainda mais nestes tempos de redes sociais”, frisa.
O autor de “Simone” alerta para o risco de se estar “a matar a hipótese de criar novos públicos”, com estas estratégias de programação. E acrescenta: “No entanto, viveremos muito contentinhos connosco mesmos porque tivemos sempre casa cheia, sempre com os mesmos rostos sentados na plateia, sem nunca chegarmos a um rosto novo, a uma vida diferente.”
Torres da Silva afirma: “Em cima do palco é sempre Abril. Somos livres, somos levados por uma paixão inquebrantável, uma súbita e constante curiosidade por tudo e por todos”. E, por isso mesmo, só vê “um mundo possível através do Teatro”.
“Ao olharmos com receio para o que vem acontecendo no mundo, reclamo para as tábuas do palco uma dimensão política de que ele talvez tenha andado afastado nos últimos anos”.
Haver “uma criança a ser morta em Gaza a cada 15 minutos”, “as violações dos direitos humanos” que ultrapassam “fronteiras impensáveis”, e o crescimento de partidos de extrema-direita “em todo o mundo” põem em risco direitos “que julgávamos adquiridos”, escreve.
Não “se pode fazer teatro como se tudo isto não existisse”, sublinha, argumentando que, tal como após o 25 de Abril de 1974 “foi necessário um Teatro de intervenção”, nos dias de hoje “está na hora de voltarmos a usar o Teatro como instrumento de mudança do mundo”, sem “cedermos às lógicas capitalistas pela vaidade de termos ‘sucessos de público'”, que levam “a um esvaziamento completo dos palcos.”
Nascido em dezembro de 1969, Tiago Torres da Silva recorda que, em jovem, assistiu a espectáculos em teatros quase vazios que “mudaram para sempre” a sua vida. Sem ter “nada contra o sucesso”, mas “contra a lógica capitalista do sucesso”, o dramaturgo e encenador defende que é “preciso reencontrar essa inquietação e fazer um Teatro que procure ser Teatro mais do que ser um grande sucesso.”
Torres da Silva pede ainda aos poderes municipais “para que encontrem um espaço à altura dos Artistas Unidos”, companhia fundada, em 1995, por Jorge Silva Melo, “que está prestes” a ficar sem casa.
“O tecido teatral português não se pode dar ao luxo de perder” esta companhia, assegura.
Tiago Torres da Silva encerra a mensagem com “vivas ao teatro”, numa celebração de todos os obreiros “deste ofício tão necessário ao mundo”.
As comemorações do Dia Mundial do Teatro mobilizam hoje centenas de iniciativas por todo o país. “Condições atmosféricas adversas”, que se traduzem sobretudo em chuva, vento e granizo, levaram, no entanto, ao cancelamento de algumas delas.
Em Lisboa, na Freguesia de Santo António, a inscrição do nome de mais 33 personalidades do teatro na calçada da Praça da Alegria, foi adiada para 6 de abril. Entre os novos homenageados está o ator Rui Mendes, 87 anos, mais de 60 de carreira.
Em Montemor-o-Novo, o percurso “Vendedor de recordações”, pela Trimagisto, foi adiado para 11, 12 e 13 de abril.
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