Mia Couto, autor de vários romances, que recebeu o Prémio Camões em 2013, falava na sede do Instituto Camões, em Lisboa, no âmbito do ciclo “Camões dá que falar”, que lotou o auditório desta instituição.
O autor de “Terra Sonâmbula” enquadrou as suas declarações, afirmando que o Prémio Camões “é uma grande iniciativa”, que se sentiu feliz por ter recebido o galardão, e que “faz sentido ter sido [este ano] entregue a Manuel Alegre”. Todavia considerou que “falta fazer qualquer coisa em conjunto, para o prémio ter prestígio e reconhecimento internacional que ainda não tem, até no seu próprio espaço”, o da lusofonia.
Couto afirmou que é “o momento de fazer um balanço em conjunto - quem organiza, os premiados e quem pertenceu aos júris” -, e defendeu uma maior participação, nomeadamente financeira, dos países africanos de língua oficial portuguesa, pois o galardão é suportado em partes iguais pelos Governos do Brasil e de Portugal.
“Há que investir para o Prémio Camões ter outra visibilidade, os africanos têm de ter outra atitude e participar no seu financiamento”, argumentou.
O autor da trilogia “As Areias do Imperador” afirmou que a notícia do vencedor do Prémio Camões “praticamente não existe no Brasil, onde não tem reconhecimento”, e, nos países africanos, prosseguiu, ganha destaque se for um africano o distinguido.
Mia Couto afirmou que o escritor Miguel Torga (1907-1995) “não ficou mais conhecido, por exemplo, no Brasil”, depois de ter recebido o Prémio Camões, “e o Brasil está presente na sua vida - pois viveu lá - e na sua obra”.
O autor d’”Os Bichos” foi o primeiro laureado com o Prémio Camões, em 1989. A distinção, disse Mia Couto, “não o fez vender mais livros”, ao contrário do que se passa com outros prémios como o Goncourt, atribuído pela Academia Goncourt, criado em 1903 pelos editores Edmond e Jules de Goncourt.
Na “conversa” de hoje, em Lisboa, Mia Couto abordou o universo da lusofonia e a importância do português, defendendo que os “africanos deviam unir-se afetivamente no projeto da lusofonia”, mas chamou à atenção para o facto de o português não ser a língua materna de uma “grande maioria” de africanos.
Referindo-se a Moçambique, o autor de “Um Rio Chamado Tempo, Uma Casa Chamada Terra” disse que, em 1975, apenas 20% da população do país falava português e, desta fatia, somente um por cento referia o português como sua língua materna.
O escritor lembrou que, em 1962, na Tanzânia, no I Congresso da Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique), decidiu-se que Moçambique seria um país de língua portuguesa. E, embora “não se tendo a certeza", acrescentou o escritor, é muito provável que "a maior parte das atas" tenham sido "escritas em inglês, pois os quadros nacionalistas tinham sido educados nos países limítrofes” do território então sob administração portuguesa.
Continuando a citar dados estatísticos, Mia Couto referiu que, de 1975 até 2016, se registou um aumento dos falantes da língua portuguesa.
Em 2016, 52% dos moçambicanos falavam português e destes, 13% referia-se ao português como língua materna.
“Estamos perante uma nação que tem mais de 25 línguas diversas, de origem bantu, e o Moçambique lusófono é uma dessas nações”, disse.
O escritor alertou para o facto de “certo tipo de discurso" provocar, "da parte de quem o recebe em Moçambique, uma atitude que não é a mais favorável para que haja diálogos produtivos, pois estas pessoas dizem, ‘mas nós fizemos mais pela língua portuguesa em 40 anos que os portugueses em 400”, de domínio colonial.
“Se Moçambique fez isto, foi porque tinha de fazer”, disse Mia Couto, acrescentando que “é preciso dar tempo”.
“Moçambique está a construir a sua própria lusofonia, antes de a partilhar com os outros”, afirmou o escritor.
Mia Couto defendeu que o ensino do português em Moçambique deve ser levado a cabo “respeitando as outras culturas” e que um projeto de ensino, que está a ser ensaiado, propõe começar a ensinar as línguas locais, de raiz bantu, “e só depois transitar para a língua portuguesa”.
“Um jovem moçambicano que olha para o mundo, pergunta: 'Se eu sou da comunidade da língua portuguesa, o que é que eu tenho [nesta comunidade], para me trazer vaidade, orgulho?'”, disse o escritor. E lamentou, por isso, que os “grandes nomes da ciência” e de outras áreas, como António Damásio, o arquiteto Álvaro Siza Vieira ou o músico João Gil, entre outros, não sejam conhecidos em todo o universo lusófono.
“Quem os conhece? Se não, fica tudo no futebol”, disse Mia Couto, argumentando que os jovens devem querer falar o português como quem afirma: “Quero ser dessa família que tem gente boa”.
O autor, problematizou hoje estas questões em torno do conceito da lusofonia, afirmando que os moçambicanos se sentem mais ligados à África do Sul, que à Guiné-Bissau, por condicionalismos históricos, como Angola se liga mais ao Brasil, que este ao país vizinho, Paraguai.
“Os falantes da língua portuguesa conhecem-se pouco”, rematou o escritor.
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