A informação foi divulgada após o funeral do regente, que contou apenas com a presença de familiares próximos, por ser desejada “uma despedida tranquila”.
A carreira de Seiji Ozawa estende-se por mais de 60 anos, 29 dos quais como diretor da Sinfónica de Boston (1973-2002), a mais longa missão na história da orquestra, superando os 25 anos de Serge Koussevitzky (1924-1949), que a afirmou entre as principais orquestras dos Estados Unidos.
O ensino e a divulgação da música, com a criação de academias no Japão e na Suíça, estiveram sempre entre as prioridades de Ozawa e dominaram os seus últimos anos.
Seiji Ozawa nasceu a 1 de setembro de 1935, em Shenyang, província da Manchúria, na China, então sob administração japonesa. Estudou piano, desde a infância e aos 16 anos entrou para a Toho School of Music, onde estudou direção de orquestra com Hideo Saito, o mestre da música no Japão, que viria a homenagear anos mais tarde, na sua carreira.
Em 1959, venceu o Concurso Internacional de Direção de Orquestra de Besançon, em França, e foi convidado pelo então maestro titular da Sinfónica de Boston, Charles Munch, para participar nos cursos de verão de Tanglewood, no Massachusetts, Estados Unidos.
Na altura, Ozawa já tinha dirigido a Orquestra Sinfónica NHK, no seu país natal, e a Filarmónica do Japão. Chegado aos Estados Unidos em 1960, conquistou desde logo o Prémio Koussevitzky de melhor regente. A partir de então o seu percurso não pára.
Trabalhou com Leonard Bernstein e Herbert von Karajan. Foi maestro assistente da Filarmónica de Nova Iorque, diretor do Festival Ravinia, promovido pela Sinfónica de Chicago, diretor musical da Sinfónica de Toronto e da Sinfónica de São Francisco, antes de se fixar em Boston, em 1973.
Seiji Ozawa “construiu a reputação” da Sinfónica de Boston “nacional e internacionalmente”, lê-se na página da orquestra, que recorda os seus primeiros concertos na Europa e no Japão, nos anos de 1970, a estreia na China, em 1979, e as digressões nos Estados Unidos e na Europa, no início dos anos de 1980, quando a circulação de orquestra sinfónica era ainda novidade por si mesma.
Durante a sua direção, a Sinfónica de Boston transformou-se na orquestra com o maior orçamento do mundo, conseguindo reunir doações de cerca de dez milhões de dólares (cerca de 10,77 milhões de euros ao atual câmbio), no início da década de 1970, para mais de 200 milhões (200,46 milhões de euros), em 2002, como hoje recorda a agência Associated Press.
Quando Ozawa regressou ao grande auditório de Boston em 2006, quatro anos após a sua partida, foi recebido com uma ovação de seis minutos, uma das mais longas daquela sala, deixando para trás críticas menos favoráveis dos seus últimos tempos na orquestra, e o esgotamento do seu modelo de direção, então apontado por alguns músicos.
No outono de 2002, Ozawa assumiu o posto de diretor musical da Ópera Estatal de Viena, que ocupou até à primavera de 2010, quando se afastou na sequência de um cancro no esófago. Nos anos seguintes, o seu trabalho centrou-se sobretudo no Japão e por diversas vezes cancelou atuações.
Ao longo da carreira, Seiji Ozawa continuou a trabalhar com as maiores orquestras mundiais, como a Filarmónica de Berlim, a Sinfónica de Londres, a Filarmónica de Nova Iorque, a Nova Filarmonia e a Orquestra Nacional de França, entre muitas outras, sem esquecer a Filarmónica de Viena, com que entrou na programação do ciclo das Grandes Orquestra Mundiais da Fundação Calouste Gulbenkian, em 2001.
Além da Ópera Estatal de Viena, trabalhou com os principais teatros líricos como o teatro Scala de Milão, a Ópera de Florença, a Metropolitan de Nova Iorque e a Ópera de Paris, onde dirigiu a estreia de “São Francisco de Assis”, de Olivier Messiaen, em 1983.
Trabalhou também com gerações de grandes intérpretes, como os pianistas Rudolf Serkin, Nelson Freire, Krystian Zimerman, Mitsuko Ushida e Katia e Marielle Labèque, os violinistas Itzhak Perlman e Anne-Sophie Mutter, o violoncelista Yo-Yo Ma e cantores como Kathleen Battle, Jessye Norman, Kiri te Kanawa e Anne Sophie von Otter.
Entre outros encontros, contou com Maria João Pires, em 1994, em Boston, para a interpretação do 9.º Concerto para piano, “Jeunehomme”, de Mozart, numa atuação que ainda hoje a orquestra inclui na sua história. Osawa é igualmente um nome no percurso do barítono português Jorge Chaminé, nos Estados Unidos.
Para Ozawa, o ensino era essencial. “Adoro trabalhar com jovens músicos. Não tenho de os pressionar. Só temos de encontrar o mesmo fôlego”, disse quando fundou a Academia Internacional Seiji Ozawa, na Suíça.
No Japão, formou a Orquestra Saito Kinen, em 1984 para homenagear o seu mentor, Hideo Saito, que mais tarde deu origem a um dos seus mais amados projetos, o Festival Saito Kinen – Matsumoto, de que foi diretor artístico. Criou também a Academia de Música de Câmara Okushiga, que viria a inspirar a academia suíça, assim como projetos similares dedicados à ópera e à orquestra, a maioria em regime não lucrativo, tendo em vista jovens valores.
A sua discografia estende-se por mais de 60 anos e mais de 500 títulos, muitos deles premiados.
Em 2016 venceu o Grammy de Melhor Gravação de Ópera pela interpretação de “L’enfant et les sortileges”, de Maurice Ravel, com a Orquestra Saito Kinen. Para trás tinham ficado perto de dezena e meia de nomeações, que incluem alguns dos seus discos mais celebrados pela crítica mundial: a gravação de “Elektra”, de Richard Strauss, com a meio-soprano Christa Ludwig, o “Concerto à Memória de Um Anjo”, de Alban Berg, com Itzhak Perlman, as gravações da 9.ª Sinfonia de Beethoven, e as grandes obras sinfónicas de Hector Berlioz, como “Sinfonia Fantástica” e a “Danação de Fausto”, com a Sinfónica de Boston, e “Turangalila”, de Messiaen, com a Sinfónica de Toronto.
A produção televisiva da sua “Celebração Dvorak”, em Praga, e a emissão do seu concerto dedicado à obra de Charles Ives, no Central Park, em Nova Iorque, ambas emitidas pela cadeia pública norte-americana PBS, deram-lhe, em 1994 e 1976, respetivamente, os prémios Emmy de Melhor Programa Cultural.
Entre as muitas distinções, Ozawa recebeu doutoramentos ‘honoris causa’ da Sorbonne e de Harvard, era membro honorário das filarmónicas de Viena e Berlim, da Ópera de Viena e da Sinfónica de Boston, recebeu ainda o Prémio Imperial da Associação de Arte do Japão e a Ordem da Cultura, uma das mais altas condecorações do seu país.
Em 2017, publicou “Música, só música”, um conjunto de seis conversas entre si e o escritor japonês Haruki Murakmi (Casa das Letras, Portugal, 2021), que aborda, entre outros temas, o poder da música e o seu impacto, transpondo fronteiras e barreiras sociais, a escuta e processos de descoberta e interpretação.
Uma das últimas atuações em público de Seiji Osawa aconteceu em dezembro de 2022, no Japão, quando dirigiu a Orquestra Saito Kinen na abertura “Egmont”, de Beethoven, para uma emissão partilhada com a Estação Espacial Internacional.
Era convicção de Seiji Ozawa de que “tocar uma nota errada é insignificante, mas indesculpável interpretar sem paixão.”
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