Escrevemos, em 2018, que o hip-hop era o novo rock e que A$AP Rocky, enquanto nome cimeiro do rap da última década, era uma verdadeira rockstar. Ao longo do último ano, o nova-iorquino provou-o, com manchetes atrás de manchetes: andou em digressão com os Red Hot Chili Peppers, teve um filho com Rihanna, foi detido por agressão. O género de coisas, portanto, que só se noticiam quando um músico se torna figura pública, quando a sua arte tem um impacto tão grande em tanta gente que cada passo que dá é merecedor das mais diversas parangonas. Foi assim com os ídolos rock dos anos 60, foi assim com os da new wave dos anos 80, foi assim com as boy e girlbands que coloriram os finais de anos 90 e inícios do novo milénio. Assim é com A$AP Rocky, que voltou a Portugal pela segunda vez no espaço de semana e meia (atuou no Rolling Loud, em Portimão, a 7 de julho), acompanhado por jatos de fumo, chamas, um hypeman e milhares de fãs.

De fora ficou Rihanna, que em Portimão foi vislumbrada no areal da Praia da Rocha. De fora ficou, também, a saúde: o rapper começou desde logo por dizer, esta noite, que não estava nas melhores condições para dar um concerto. E – o que seria mais importante num evento deste género, seja ele de quem for – de foram ficaram também as canções. Não somou uma hora a aparição de A$AP Rocky no Super Bock Super Rock, e escrevemos “aparição” porque não existe outra forma de descrever aquilo que aqui se passou. Concerto? Não, faltou música. Espetáculo? Não, faltou-lhe a energia e o ataque sensorial que costuma pautar os espetáculos das grandes estrelas. Happening? Não, faltou ser memorável. Fiquemos por “aparição”, e pela ideia de que tudo quanto se passou aqui foi tão bizarro que não pode, ou consegue, existir dentro dos padrões gerais de avaliação.

Começou desde logo com o atraso, e com o atraso por cima do atraso. Um grupo de 'trolhas' surgiu em palco, ao som de um martelo pneumático, para (des)montar um cenário composto por um gigantesco boneco de testes insuflável, roubando nesta empreitada cerca de seis minutos ao tempo alocado. Pouco depois, viram-se imagens de várias tragédias a percorrer o ecrã de fundo, desde o 11 de setembro à Palestina, passando pela invasão ao Capitólio e pelos mais variados confrontos sangrentos com agentes de autoridade. Até que se escutou uma voz robótica, indicando as regras a cumprir para o que seguiria: 1) façam mosh, 2) divirtam-se, 3) mantenham-se seguros.

Foi preciso passar por tudo isto para que A$AP Rocky, vestido de velhinha, entrasse finalmente em palco. E para quê? Para atirar algumas t-shirts ao público, saltitar de um lado a outro, disparar uns quantos versos no microfone enquanto as backtracks e a batida o iam auxiliando. Neste último campo, o melhor foi mesmo o momento em que interpretou uma versão a cappella de 'A$AP Forever'. O público, sobretudo juvenil, ficou agradado com a mera presença de A$AP Rocky no festival (um rapaz adolescente, que o venceu num improvável jogo de pedra-papel-tesoura, parecia estar extremamente emocionado quando o rapper o levou para o palco). De resto, e por entre garantias de que «não há festa como a do A$AP», o que se viu e ouviu não chegou para encher a cova de um dente metafórico.

Por entre moshpits que não sobreviveriam dois segundos num festival de metal, soutiens atirados para o palco, uma quantidade interminável de pausas entre temas e perguntas claramente inconvenientes («quem é que já experimentou cogumelos mágicos?»), A$AP Rocky revelou-se uma desilusão para quem não esconde o seu fanatismo por temas como 'PMW' ou a fabulosa 'Everyday'. «Obrigado por esta oportunidade e pelo amor», afirmou ainda, antes de atirar para as filas da frente uma garrafa cheia de um qualquer líquido, imediatamente tragada por uma fã que muito provavelmente não percebeu a parte em que A$AP disse que estava doente. Esperemos que não lhe aconteça nada, assim como ao rapper desejamos as melhoras.

Rita Sousa Vieira / MadreMedia

Fica fácil não apreciar o que quer que A$AP Rocky tenha feito aqui quando, uma hora antes, vimos os londrinos Sports Team a partir o Palco EDP/Somersby de uma forma que não julgávamos ser possível neste ano de 2022. Quem acha que o rock está morto, claramente nunca os viu ao vivo. Em palco, uma equipa de seis, como no liceu: o vocalista endiabrado que era o gajo mais fixe da escola, o teclista tímido e estático, a baterista que dançava hip-hop, o guitarrista ritmo meio nerdy, o guitarrista principal que safava umas substâncias e o baixista tranquilo e porreiraço. Foi, no entanto, o primeiro desta lista a fazer toda a festa. Alex Rice, homem de braço atrás nas costas a fazer lembrar Liam Gallagher, voz projetada rumo ao infinito, mais energia que numa fissão nuclear.

Com o seu segundo álbum, “Gulp!”, prestes a ser lançado (é já no próximo dia 22), os Sports Team vieram mostrar o seu indie rock dançável e cantarolável, mas há ali toda uma atitude que vem do punk. Se o vislumbre de um moshpit e a promessa de Rice de que o grupo irá «gravar o terceiro álbum em Lisboa» permitiram um ou outro esgar de aprovação, o que se passou a seguir foi algo que, infelizmente, já poucas vezes se vê em concertos – sobretudo em concertos de festival. Rice pega no microfone e respetivo suporte, galga as grades de proteção e assenta arraiais no meio dos presentes, que depois das palmas e dos gritos optaram por não mais largar o vocalista, em jeito de aeróbica suada ao som da eletricidade. 

Uns trechos de 'Smoke On the Water', e pimba!, já estava uma criança às cavalitas de Rice. O anúncio de que se seguiria 'Fishing', e pumba!, vemos o vocalista a tentar fazer com que o segurança também cantasse (para gargalhada geral). De regresso ao palco, depois da melhor meia hora de um concerto deste ano pós-pandemia, ainda o ouvimos cantar 'Walk Like An Egyptian', das Bangles, deitado e a ler a letra nas cábulas que trouxe. Foi como se os Sports Team tivessem visto a linha que separa os bons concertos dos concertos históricos, e a tivessem atravessado a correr, como quem corta a fita de uma meta. «Vão ver bandas melhores que nós, vão ver bandas piores, nós estamos no meio», afirmou. Estava enganado. Dificilmente veremos algo melhor que eles neste Super Bock Super Rock.

Rita Sousa Vieira / MadreMedia

Antes, foi de Leon Bridges o palco principal montado na Altice Arena, o lugar escolhido para acolher os destaques desta edição do festival, forçado a mudar-se do Meco para o Parque das Nações devido ao risco de incêndio. Essa mudança poderá ter levado alguns a ponderar marcar presença - é mais fácil ver festivais em Lisboa que em Sesimbra -, mas a Arena não se mostrou espetacularmente cheia, especialmente nas bancadas. Um baixo pulsante, um teclado cósmico, e eis que o norte-americano entra em palco, impecavelmente vestido de branco e pronto para fazer a sua própria festa privada, com uma boa dose de sensualidade ali pelo meio. Bridges arriscou tocar um pouco de rock, mas foi na soul – sobretudo na soul da mesma escola de D'Angelo – que se deu melhor. 'Coming Home' foi exemplo disso, uma rosa no ecrã de fundo assinalando o romantismo da canção. E, logo a seguir, 'Steam', toda ela anos 80: sintetizadores, riffs de guitarra a soar a veludo, instrumentos de sopro. «Estou a tocar slow jams mas vocês querem dançar...», brincou a certa altura, acrescentando algum funk à sua música.

As Los Bitchos, quatro mulheres e um extra na guitarra, entraram em palco ao som do chá-chá-chá, perante algumas dezenas de pessoas que se aninharam na Sala Tejo – local onde se situam os Palcos EDP e Somersby – para testemunhar in loco a força que o rock pode ter quando se cruza com linguagens musicais mais exóticas. No caso das britânicas, com os ritmos latinos e a folk sul-americana, tanto que do alinhamento constou uma versão de 'Yulele', do cantor uruguaio Eduardo Mateo. Num espetáculo com pouco palavreado (já que boa parte das suas canções são instrumentais), as Los Bitchos fizeram dançar quanto baste, destacando-se 'Lindsay Goes to Mykonos', que podia ser uma canção dos Cramps caso estes tivessem nascido no Equador. Somaram pontos e mal podemos esperar para as rever, sobretudo em nome próprio.

O Super Bock Super Rock continua esta sexta-feira, com concertos de C. Tangana, Nathy Peluso, Hot Chip, DaBaby, Capicua e Silva, entre outros.