Para uma certa geração, hoje entre os 40 e os 50 anos, Nik Kershaw confunde-se com uma década. Nascido em Bristol, sudoeste de Inglaterra, cresceu em Ipswich, cidade localizada no leste do país, e é uma das vozes eloquentes dos anos 1980. É, seguramente, dessa época, um dos artistas a solo com mais destaque.

Três singles intemporais - “I Won't Let the Sun Go Down on Me”, “Wouldn't It Be Good” e “The Riddle” - atingiram os tops, as pistas de dança e rádios de todo o mundo. Saltou para a fama após a passagem, em 1984, pelo programa “Top of the Pops” , e pelo Live AID, em 1985.

Elton John, com quem andou em tour, considerou-o o melhor compositor de uma geração. No maior sucesso musical – “The One And Only” - não é a sua voz que se escuta, mas está omnipresente na letra. Quem o cantou foi Chesney Hawkes, e foi single número 1 em Inglaterra, em 1991. A composição para os outros não é nada que o incomode, nem lhe tira o sono. Antes pelo contrário. Porque esta música, como as outras três, são e têm sido o seu suporte financeiro (royalties), juntando-se ao revivalismo pelos anos 1980, que se traduz em concertos em todo o lado.

Cantor e compositor, ídolo teenager de outro tempo, o seu som e voz é hoje tão ou mais escutado do que quando se ouviu pela primeira vez. Por pais e filhos.

Entre a agenda de concertos no Reino Unido — “Icons Of The 80s tour" com Go West e Cutting Crew —, antes da vinda a Portugal, Coliseus de Lisboa e Porto, a 8 e 9 de março, respetivamente, Nik Kershaw falou durante 20 minutos com o SAPO24. Conversou sobre a sua música e a música de outros. Com o desejo de ter um novo trabalho discográfico em mãos, deixou pistas e dicas para quem se quer aventurar nos acordes. E agradece às músicas que o levaram ao passeio da fama.

Olá Nik. Obrigado por nos ter concedido esta entrevista, sei que está entre concertos.

Olá.

Deixe-me que lhe diga, não será provavelmente novidade para si esta introdução, eu costumava ouvir as suas canções na minha adolescência. E ao ouvi-las hoje viajo no tempo até ao meu quarto, onde cantava e via os videoclipes.

(Risos)

Podemos dizer que é um artista de uma era e uma das vozes singulares dos anos 1980, anos que marcaram a música, em geral. Porque é que continuamos a ouvir essa música e porque é que temos concertos com as bandas de então (Nik Kershaw está atualmente em tour - “Icons of the 80s, com Go West e Cutting Crew”).

Eu sou mais um rapaz dos anos 70. Os anos 1980 foram anos experimentais a nível da tecnologia, que na altura estava a acontecer muito rápido no que diz respeito à gravação musical. E muita gente divertia-se com toda aquela tecnologia. Dos anos 1980 podemos ouvir tudo na rádio, do jazz ao pop, passando pelo rock e blues. Tudo o que nos possamos lembrar.

Aos seus concertos vão pais e filhos. Os pais ouviram quando eram adolescentes e os filhos recuperam os seus êxitos na Internet, não é verdade?

Yeah… Quem vai aos meus concertos são pessoas que ouviam nos anos 1980 as minhas músicas, eram rapazes então. E agora vão os filhos. Questiono-me, às vezes, como e porque é que as ouvem.

Trabalhou com inúmeros artistas. Com Cliff Richard, Bonnie Tyler, Jason Donovan, Nick Carter, os Hollies ou Gary Barlow (Take That). Com quem deu mais prazer trabalhar?

Com Elton John. Parei de gravar em 1992 e ele chamou-me. Andei uns anos em estúdio, a escrever e produzir para Elton. Foi especial.

Sir Elton John descreve-o como o melhor compositor de uma geração. É o elogio de uma vida, vindo de alguém com quem andou em tour?

É um enorme elogio. Recordo-me de ele ter dito isso, sim. Elton John gosta de gente nova, gosta de música nova. Fiz um concerto com o Elton em 1984 no Estádio do Wembley. Convidou-me para um concerto em Paris.

"Trabalhei durante quase dois anos seguidos. Sem um dia de folga. Tive os hits nos anos 1980 e depois acalmei. É algo natural de acontecer."

Vamos viajar no tempo. Em 1984 foi o ano da música pop, de Frankie Goes To Hollywood, Duran Duran ou de Wham!, por exemplo. Como é que foi fazer parte desse furacão?

Era como estar numa bolha. Eu não era parte de nada, era um rapaz do campo, vinha de lado nenhum. Não perdia muito tempo a pensar em ninguém em particular. Estávamos todos focados e tão ocupados. Foram tempos fantásticos para mim.

Num dia escrevia música, editou o primeiro trabalho discográfico, depois foi um ídolo dos adolescentes no programa Top of the Pops, apareceu no Live AID e editou três álbuns. Do início de 1984 ao fim do ano de 1985 a sua aparição assemelha-se à passagem de um comboio de alta velocidade, e de repente desaparece. Porquê?

Trabalhei durante quase dois anos seguidos. Sem um dia de folga. Tive os hits nos anos 1980 e depois acalmei. É algo natural de acontecer. Produzi mais um álbum em 1988 ou 1989, acho. Depois estava em tour com Elton John pela Europa ...

É aí que se retira da luz da ribalta e, de repente, a sua voz deixa de se ouvir?

Sim. Em 1989 foi, então, o meu último álbum. Tinha contrato com a editora (MCA records) para quatro álbuns. Depois comecei a construir a família, queria ter tempo para eles e comecei a escrever para os outros. E foram 10 anos disso.

Escreveu “The One And Only” para Chesney Hawkes. Foi, digamos, o maior sucesso enquanto compositor. Chegou a número 1. Depois disso, nunca ficou tentado a ficar com as músicas que produz? Pensou que essa, em particular, tinha potencial ser uma música para os tops?

Não. Não pensei, não pensei muito nisso, admito. Escrevi na altura. Depois fiquei sentado. E tenho ganho dinheiro com a canção (em royalties) desde então.

Produz Ei8ht, em 2012. O que tem feito nos últimos tempos, para além de concertos em que os anos 1980 são a estrela da companhia?

Ei8ht foi o meu último álbum, sim. Agora estou a trabalhar noutro. Haverá um novo trabalho até ao final do ano, espero.

E tem dado concertos acústicos.

Resultam bem. Familiaridade com o público, muito íntimo. Converso muito. A tour, a experiência, é um trabalho árduo. Mas gosto de tocar com a banda no palco.

Vai estar em Portugal, em março, para dois concertos nos Coliseus de Lisboa e do Porto. O que poderemos esperar?

Os concertos são uma mistura de músicas velhas. Tenho feito isso quando atuo. Não tenho tido muitos hits ultimamente. As pessoas vão lá para isso e eu respeito. E respeito essas músicas que têm sido muito boas para mim. Mas farei igualmente uma mistura com músicas novas dos últimos álbuns.

Falemos de música. Nasceu no tempo da cassete. Depois apareceu o single, o LP. Já viu e sentiu enormes mudanças na indústria musical, certo?

A música mudou muito sim. Não a reconheço como um negócio, de todo. Mas não é necessariamente mau. A tecnologia... Se comprar um cd já não tem onde o colocar a tocar, não tenho nenhuma máquina, nem no computador consigo colocar o cd, não temos onde o meter, logo não compro nada físico. Subscrevo e ouço a música dessa forma. Temos de seguir esse caminho e saber lidar com ele. Não podemos lutar contra tal. É o que esta a acontecer agora. Não é bom para a música, não é bom para os músicos. As corporações estão a fazer dinheiro e não passam a quem de facto faz a música. Isso deverá ser resolvido.

Para quem produz, compõe ou canta, nunca como nos tempos que correm se mostra tanto trabalho ou há tanta oportunidade de mostrar o que se vale. Para os ‘Nik Kershaws’ que possam surgir todos os dias metendo música no YouTube é mais fácil ou mais difícil cumprir o sonho?

É mais fácil serem escutados. Ouvir os mesmos álbuns ou músicas 8 ou 9 vezes por dia é um pouco aborrecido. Há muita boa música por aí. Está disponível e sabemos onde escutá-la. E muitos podem subir as escadas.

Por falar em subir as escadas, seja pela internet ou de outra forma, o que é que pensa dos programas de televisão como o X-Factor e o Got Talent. Entretenimento ou oportunidade?

Não creio que sejam particularmente saudáveis. Esses programas manipulam os media disponíveis, o que os leva a aceitar os concorrentes. Não encoraja a criatividade. Há bons artistas ao longo destes anos, mas acho que usam desproporcionalmente os media para os mostrar... é pena.

Alguma dica a quem se lança neste mundo ou para quem está no ativo?

Ser tu mesmo. Se não acreditas em ti, no que estás a fazer e se não és absolutamente honesto contigo mesmo, no que estás a fazer, ninguém te aprecia. Temos que ser honestos.

Olhemos para trás e para a sua carreira. Se tivesse que escolher um momento, qual seria o ponto mais alto até à data?

Tenho muitos momentos mágicos, em concertos e em estúdio. E felizmente acho que tenho ainda uns anos pela frente. O melhor está para vir.

Algo que ficou por concretizar?

Claro. Ainda não fechei o novo álbum (risos). Estamos sempre a procura do álbum perfeito.

"Sou um privilegiado. Posso tocar o que me apetecer. E gravar o que quero."

Hoje vivemos 24 horas sobre 24 horas. Consegue desligar do mundo e como?

Tenho família nova, um rapaz de 7 anos e uma rapariga de 14, passo tempo com eles e passo o tempo com amigos a beber uns copos.

O que o mantém ainda a cantar e a tocar? E porque canta as tais “músicas antigas”, não se cansa?

Sou um sortudo por causa das canções antigas. São boas para mim. Têm sido muito boas ao longo destes anos todos. Sou um privilegiado. Posso tocar o que me apetecer. E gravar o que quero.

Três desejos para este ano?

Álbum fechado, escrever canções e encontrar um lugar confortável. Tenho que encontrar esse álbum este ano (risos). Estou numa ótima posição. Estou muito feliz com a minha vida.

Espero vê-lo em Lisboa.

Yeah… Estou ansioso. Toquei uma vez, creio que em 2009. Obrigado e adeus.