Segundo o autor de “O General que começou o 25 de Abril Dois Meses Antes dos Capitães”, “o mais respeitado general das Forças Armadas portuguesas” evidenciou na obra “Portugal e o Futuro” que o regime do Estado Novo “era incapaz de apresentar soluções para o grave impasse político e militar em que o país estava mergulhado”, cansado de uma guerra em três frentes em África, desde 1961.
Na sua obra sobre a questão ultramarina, publicada em 22 de fevereiro de 1974, o general António de Spínola (1910-1996) declarou de forma inequívoca: “A vitória militar é inviável”.
“O efeito nacional de ‘Portugal e o Futuro’ foi tão devastador para o regime, abalando-o de alto a baixo e unindo militares desunidos, que deixou o sistema feito à medida de Salazar (1889-1970) e que Marcello Caetano (1906-1980) herdara totalmente exposto ao golpe militar de 25 de Abril de 1974”, escreveu o jornalista Céu e Silva.
Com a publicação de “Portugal e o Futuro”, Spínola “não pretendia ser o rastilho da revolução, mas sim uma forte chamada de atenção à letargia do regime” liderado por Marcello Caetano que se mostrava “incapaz de sair do impasse em que se encontrava”, refere João Céu e Silva, realçando que o general que comandava a guerra na Guiné-Bissau nunca quis desmantelar o império colonial, propondo antes uma “solução política para a guerra em curso no Ultramar e a própria sobrevivência do regime através de uma progressiva autonomia das colónias sob o chapéu de uma comunidade lusíada”.
A obra de Spínola convenceu os “militares renitentes em apoiar o Movimento dos Capitães” a aderirem ao golpe de Estado. “Bastou-lhes ler […] para mudarem de opinião”.
“A destabilização provocada pelo livro do general [foi] tão grande que dois meses depois de chegar às livrarias ninguém se surpreendeu com o pronunciamento militar que derrubou um Governo em poucas horas e sem reação por parte de quem o deveria defender”, escreveu o jornalista.
Para colocar “Portugal e o Futuro” nos escaparates das livrarias foi urdida uma “’operação’ que ludibriou o ministro da Defesa [Joaquim Moreira da Silva Cunha] e o presidente do Conselho [de Ministros, Marcello Caetano]”.
Foi necessário envolver várias gráficas para que os 50.000 exemplares da primeira edição “inundassem o país”. “Spínola conseguira que o livro ultrapassasse em toda a linha o crivo censório do Estado Novo através de uma teia de enganos com que iludira as altas autoridades de que dependia”.
Primeiro, o general escondeu o conteúdo do livro de todos os que poderiam impedir a sua publicação, “com grande cumplicidade de um parecer do Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, o general [Francisco da] Costa Gomes” e “em seguida assegurou, num contrato milionário, a colaboração de um editor [Paradela Abreu, da Arcádia] que teve a coragem de desafiar o regime, bem como de imprimir uma quantidade de exemplares nunca antes vista”.
O autor, João Céu e Silva, é jornalista desde 1989, tendo-se licenciado em História, no Rio de Janeiro, onde viveu.
Nascido em 1959, em Alpiarça, foi distinguido, em 2021, com o Prémio Carreira de Jornalismo do Festival literário Escritaria, de Penafiel, tendo nesse mesmo ano, publicado “Viagem com Vasco Pulido Valente”, volume de uma série que inclui José Saramago, António Lobo Antunes, Miguel Torga, Álvaro Cunhal, Maria Filomena Mónica e Manuel Alegre.
Céu e Silva é autor do ensaio “Álvaro Cunhal e as Mulheres que Tomaram Partido” (2006), “1961 - O Ano que Mudou Portugal” (2011) ou “Fátima -A Profecia que Assuste o Vaticano” (2017), entre outros.
Em 2022, venceu o Prémio Joaquim Mestre pelo romance “Guadiana”, e em 2013 o Prémio literário Alves Redol, com o romance “A Sereia Muçulmana”, tendo ainda na ficção publicado, entre outros, “A Segunda Vida de Fernando Pessoa” (2020), “Adeus África” (2018) ou “28 Dias em Agosto” (2003).
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