Como nasce um espanhol? Foi com esta dúvida que terminou na passada quinta-feira mais uma edição do clube de leitura do SAPO24, “É desta que leio isto”. Em causa, o desenlace do livro ‘a máquina de fazer espanhóis’, de Valter Hugo Mãe, cuja escuta já está disponível.
O livro abre com um velho, e mergulha no mundo dele, enquanto navega pela velhice num lar construído à beira de um jardim e de um cemitério — sendo o percurso, das personagens e da vida, o caminho que leva as pessoas da alegria pueril à mortandade cemiterial.
“Ser assim era bom demais”, provoca uma participante, pensando nas descrições da vida num lar de idosos — e olhando para a riqueza e profundidade de um barbeiro de 84 anos, que guarda em si a mística dum mundo velho, entre crimes e pobreza suficientes para um país do outro tempo, de antes da revolução de 25 de abril, que inaugurou a vida nova desta gente usada.
“Será que todos nós temos um mundo interior assim tão rico como aquelas personagens? Será que refletimos assim?”, questiona outra participante — “se calhar sim. Se calhar todas as pessoas têm um mundo interior rico, mas nem todos o sabem expressar, ou, até, viver”, completa.
Mas… E a efetiva máquina de fazer espanhóis? Que caranguejola é essa, para que serve e o que faz? Ninguém sabe. Ninguém concorda. Poderá ser um ventre; um muro; uma passagem. Um efetivo engenho mecânico de produção dalguma coisa que a gente nem chega a saber se é realidade ou delírio.
“É a máquina social, a máquina política: a carneirada”, aponta uma leitora. Mas porquê espanhóis? “Porque isto era de tal maneira que qualquer um tinha vontade de ter outra nacionalidade”, diz. A máquina “é o regime, que faz com que as pessoas não queiram ser portuguesas” completa uma outra participante.
“O sistema é tão mau que eu quero ser outra coisa”, diz ainda uma outra, lembrando que, “se o Valter Hugo Mãe fosse espanhol, seria a máquina de fazer portugueses”, já que, na mesma altura, também Espanha tinha uma ditadura.
Mas a máquina também pode ser uma passagem, o caminho para o ponto a partir do qual “não há mais, é mesmo vegetar”, afirma outra participante.
O livro vem expiar, espiar os sentimentos das pessoas de bem, que cumpriam a vida serena e pacata da ditadura portuguesa no século XX — ou a subvertiam, a ela fugiam.
“Estou muito contente por ter assistido a esta discussão, porque agora vou comer livro todo”, diz um participante que, mesmo sem ter lido a obra, quis participar para perceber se o devia ler — e prometeu fazê-lo, afinal, é desta que vai ler isto.
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Esta sessão foi moderada por Elisa Baltazar, do clube de escrita “O Primeiro Capítulo”, na companhia de Pedro Soares Botelho, do SAPO24, numa edição que se estendeu de Évora ao Porto, com uma particular concentração em Coimbra.
O próximo encontro, no próximo dia 27 de agosto, vai discutir o Cem anos de solidão, de Gabriel García Márquez. Pode já inscrever-se aqui. Para esta e outras discussões, pode juntar-se ao clube no Facebook.
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