O nome é Pepe. Pepe Brix Elisabeth. Bom, na verdade, o verdadeiro nome é Rui. O restante mantém-se. Brix, da parte da mãe, alemã, Elisabeth, por parte do pai, de ascendência italiana. Só que Pepe, ou antes, Rui, é conhecido por Pepe.
O nome é herdado do avô que batizado como José Elisabeth Cardinali “ganhou” o título de Pepe atribuído com as constantes idas a Espanha, enquanto artista de circo.
Pepe, o nome, está eternizado no estúdio fotográfico na Ilha de Santa Maria, Açores: Foto Pepe. Datado de 1946, vai na terceira geração de gerência, um estúdio que passou do avô para pai e do pai para o filho. Todos Pepe. Os três registaram a história da ilha e de quem por lá passou, de Fidel Castro às Touradas à Corda.
Esta introdução saltitante, com nomes e terras à mistura, serve para apresentar o fotojornalista Pepe Brix. O tal que é Rui, que tem a assinatura que começa por Pepe e tem um vasto curriculum de alguém que conta histórias através da fotografia.
Um bacalhau que lhe deu um prémio
Pepe nasceu nos Açores, mas a itinerância corre-lhe no sangue. Herdou o espírito nómada dos avôs, artistas de circo de companhias e de países diferentes, que se conheceram nos anos 30 do século passado, no Porto, no Palácio de Cristal, e em que o amor à primeira vista ultrapassou as barreiras linguísticas.
Fotógrafo documental, é um contador de histórias nato. Histórias de pessoas. De proximidade, simples, que transbordam emoção e intensidade, profundidade e vida.
As grandes aventuras raramente moram no quintal de cada um. Por essa razão, Pepe, um ilhéu, procura no mundo aquilo que quer fotografar. Gosta de estar próximo do acontecimento. De vivê-lo.
Viajou 4 meses pela Índia e Nepal, andou dois meses à pendura numa moto numa expedição “Lisboa-Pequim-Lisboa” e embarcou no bacalhoeiro Joana Princesa, documentando, durante três meses e meio, a vida dos pescadores nos mares da Terra Nova, um projeto intitulado “Código Postal: A2053N” que viria a ver a luz do dia na “National Geographic Portugal”, num livro, “Os últimos heróis”, patrocinado pela Riberalves e “deu-lhe” o Prémio Gazeta 2015 de fotojornalismo. Dos bacalhaus da Islândia saiu mais um documentário fotográfico para emoldurar: “For Cod’s Sake”.
Portugal de lés a lés contado pela objetiva
“Financia as suas histórias e aceita projetos”, conta Henrique Ramos, amigo, também ele açoriano. Os trabalhos vão-se financiando e o financiamento, financia trabalhos.
Às portas do verão, andou em Portugal, de norte a sul. Objetivo? Fotografar os portugueses. A simplicidade da vivência, dos hábitos e planos durante esta época.
Interagindo sempre com quem estava do outro lado da lente contou oito histórias. Um “meu querido mês de agosto” interno, de gente que vive, trabalha e diverte-se. Um projeto batizado de “Este verão Portugal é Mini” que tem por detrás a cerveja Sagres.
Prazo? “Três semanas”, numa carrinha Mercedes, de 1976, de cor azul clara, teto branco, com os interiores adaptados à época, com o high tec a ficar à porta. “Velocidade máxima 80 km/h. E a parar de duas em duas horas”, descreve Pepe.
Pepe Brix começou por “escalar” na serra de d’Arga, a norte de Braga, com o clube de escaladas, esteve em Lisboa com uma ilustradora de rua, copy numa agência de publicidade que “faz street art”, em Sines conheceu o “rapaz do hostel que é professor no liceu”, fotografou, no Meco, “o Teatro do Mar”, em Trízio, Sertã, deu a conhecer um grupo de amigos da aviação que nas “festas populares vai até à praia fluvial”, no Amado, na Costa Vicentina, andou com “os professores de surf”, de onde “resgatou” um e terminou a saltar para água. Em Lagos e perto do Zavial, Sagres.
“Passo muito tempo a viajar e conheço mal o meu país. Com este trabalho descobri sítios (Costa Vicentina) e pessoas com projetos de vida que fogem ao padrão”, refere.
Os rapazes que saltam para a água. Nas horas vagas e pelo prazer
“Os contactos nascem do meu network”. Outros, “desbravo caminho, na viagem”. A figura, franzino, de estatura baixa, as longas rastas no cabelo, a barba e um sorriso que poucos se podem gabar são um enorme facilitador de conversa.
A praia do Barranco, entre o Zavial e a Ingrina, Vila do Bispo, foi o ponto de encontro do último conto. O local tem pouca portugalidade. Caravanas com matrículas francesas, alemãs e inglesas, os fogareiros e as mantas estendidas nos alpendres improvisados parecem indicar uma comunidade multicultural e autossubsistente.
A carrinha azul aproxima-se no pedrado de acesso à praia. Pepe abre a porta. Sorri. Estacionou ao lado de uma carrinha branca. Três rapazes, e uma rapariga, saem entre pranchas de surf e SUP. Um a um cumprimentam-se. O primeiro contacto tinha sido de véspera, um pouco a norte, na praia do Amado, onde Pepe conheceu noutra história André Lang, estudante, instrutor de surf e que “ajuda a mãe numa banca de venda de pulseiras e colares” durante o verão, explica este último.
André estuda o terreno, apalpa rochas e escarpas, mede a olho a profundidade da água e escolhe uma “prancha natural”. 7 metros, 10 metros, o “máximo que consegui foi perto de 18, na Ponta da Piedade (Lagos)”, recorda André, 21 anos, que juntamente com o irmão Iuri e o amigo Pedro, dão uns mergulhos das alturas nos intervalos da vida do dia-a-dia. Fazem-no quando podem pelo puro gozo. Pelo prazer e adrenalina.
Pepe sobe, por terra, ao lado dos miúdos do “cliff diving”, ao alto de uma escarpa. Estudam o que será o “quarto dos brinquedos”. É do outro lado da enseada. Descem à praia, metem-se na água e remam nas pranchas. Pepe tira fotos ao longe. Regressa à praia, pelas rochas vai até próximo do local de ação. Novo regresso à areia e salta para um barco de apoio, previamente programado.
Escaladas e mergulhos, tudo de uma altura considerável. Mudança de palco e brincadeira. Quem salta segue em cima das pranchas, quem fotografa, vai de barco. Próxima paragem: a Gruta dos Amores. Mesmo ali ao lado.
Ao largo, há turistas em embarcações e SUP’s. André, Iuri e Pedro estudam a rocha. André abre caminho. Os outros seguem-no. Pepe está no barco de câmara em punho. Luz, contraluz, melhor ângulo. Umas acrobacias antecipam a entrada na água.
Pepe não para de fotografar. Quer mais. Quer estar mais próximo das personagens da história. Ir atrás de quem mergulha. O barco encosta à rocha. Pé numa saliência, mão firme agarrada, sobe as escarpas. As duas câmaras equilibram-no. “Se a tua foto não ficou bem é porque não estavas próximo o suficiente”. Pepe Brix pede emprestada a frase para explicar a razão que o leva a acompanhar os “saltadores” para a água. “A proximidade ajuda a ficar mais envolvido com o que se está a passar”, reforça.
Após a pausa de almoço, a caravana seguiu para a Ponta da Piedade, em Lagos, umas rochas que André diz conhecer bem. Costuma mergulhar dali. Salta “desde os 15 anos”. Pepe quer levar as personagens a uma rocha que nasce no meio do mar e de onde pode se mergulhar de “mais ou menos de 18 metros”, atira André. Feito o pedido aos pescadores que levam os turistas a ver as grutas, os patrões do mar recusam. O pescador que anuncia as viagens em três línguas (inglês, espanhol e francês), deixa um alerta: “cuidado com as cordas ressequidas pelo sol e as escadas de madeira!”.
André, Iuri, Pedro seguem o instinto. Pepe também. Caminham entre as escarpas e descem até um porto seguro. Os três primeiros vão saltar. O outro, fotografar.
Um, dois, três...salto. “São três segundos que parecem muito mais”, explica Iuri, 18 anos e que leva cinco desta vida. “Salto (desde os 15) pela adrenalina. Do nada estamos cá em cima e depois na água”, acrescenta Pedro, 20 anos, já em terra firme.
O dia aproxima-se do final. Os “saltadores” sobem a um local de eleição de selfies de casais enamorados. Pepe entra no filme e celebra à vida com as suas personagens. Para uma última fotografia. “Procuro a simplicidade para mostrar o que subsiste enquanto história e que tem força suficiente para existir e ser partilhado”, finaliza.
Regressa a Lisboa, a 80km/h, na carrinha azul e branca. Recolhe tudo, escolhe imagens, dá-lhe uma sequência, escreve os textos e finaliza mais um projeto. Uma narrativa contada em fotografia.
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