Trata-se do espetáculo com que a companhia encerra a trilogia sobre “A Divina Comédia”, de Dante, iniciada em 2017 com “Inferno”, a primeira estação desta obra, também levada à cena naquele teatro no Rossio.

Dante, que tem sono mas não quer dormir, adormece finalmente, tem um pesadelo que começa sempre com esta personagem a bater num portão gigante e que acaba quando morre e acorda em sobressalto.

O cenário fixa-se então num portão que se abre, através do qual Dante entra num sonho fantástico, apalpando o chão com a ponta dos pés e com Beatriz ausente.

Com os protagonistas em palco está uma suspensão flutuante do Paraíso, disposta como se se tratasse de um tabuleiro de xadrez, onde se encontram frascos, onde estão colocados os músicos, uma banda de sopros que mistura o corpo dos instrumentistas com os instrumentos.

No interior dos frascos, onde se lava a alma, o figurino dos instrumentistas faz também alusão às religiões sem pretensões de ofender ou chocar, como referiu o encenador, João Brites.

“Paraíso” é, pois, um espetáculo visual — à semelhança do que fora “Inferno”, marcado pelo cenário da escadaria em espiral, ou pelas afuniladas pontes de “Purgatório” -, onde o que está em causa é o amor.

Questionado sobre que traço geral pretendia imprimir a “Paraíso”, João Brites responde que se lhe dessem a escolher “optaria por estar aqui”.

“Com as confusões todas, os conflitos, as tensões, as injustiças, tudo isso se calhar era preferível a estar num sítio em que a gente sabe que nada muda”, porque o paraíso é algo “completamente estático”.

“No fundo, aquilo que nos guiava aqui era a ideia de alguma maneira de chamar a atenção para isso, que a própria Igreja Católica também já chamou, que não há um lugar terreno, não há uma coisa material”, frisou.

Na perspetiva de João Brites, Dante escreveu a obra “também para resolver o seu problema da morte”, embora se tenha aproveitado e “tenha deixado obra”.

Dante — cujos 700 anos da morte se assinalaram em 2021 — também se confrontou com a questão “incontornável da morte”.

“Até porque ele começa o inferno a dizer estamos juntos pelo meio da floresta, e tinha quarenta anos”, sublinhou João Brites.

A questão da morte não é episódica: “É muito mais terrível do que isso, porque entra dentro de uma espécie de uma cultura, de uma ancestralidade, de algo que é tabu e que é inquestionável e que ninguém consegue questionar e as próprias pessoas estão inscritas num sistema do qual não se conseguem libertar”.

Por isso, a companhia que dirige acha que o “Paraíso” era um momento para, “de uma forma discreta e sem ferir suscetibilidades, levantar esta questão da problemática de cada morte na relação com o amor”.

O que está em causa em “Paraíso” é também o amor pelo poder, que justifica a existência de Deus e que reconhece o prazer megalómano da mente, como refere a nota de apresentação do espetáculo.

“O amor egocêntrico, que desagua no ódio ao outro, aumenta o prazer narcísico. O amor pelos outros, que tem a missão altruísta de apenas dar. O amor pelo movimento, que intensifica sensações e sentimentos viajantes. O amor carnal, que fertiliza o prazer de continuar vivo. O amor pelo conhecimento, que sustenta a curiosidade e o prazer de ver. O amor pela Arte, que enaltece o que é particular”, lê-se na mesma nota.

Com texto de Miguel Jesus a partir de Dante Alighieri e dramaturgia e encenação de João Brites, interpretam “Paraíso” Pedro Gil e Sara Belo.

Como músicos, que acabam também por interpretar, estão Ana Raquel, João Ferreira, João Gomes, João Pedro Silva ou Vasco Avença, Maria Felicidade, Mário Cabica, Miguel Oliveira, Patrícia Silva e Rodrigo Cardoso.

O espetáculo conta com participação especial de Fabian Bravo, Maria Taborda, Nisa Eliziário, Rita Brito e Suzana Branco.

Com música e direção musical de Jorge Salgueiro, cenografia de Rui Francisco, figurinos e adereços Clara Bento, desenho de som de Miguel Lima e desenho de luz de Sérgio Moreira, “Paraíso” vai estar em cena na sala Garrett até 20 de fevereiro, com sessões às quartas e sextas-feiras, às 21:00, aos sábados, às 19:00, e, aos domingos, às 16:00.

Produzida por O Bando, em conjunto com o Teatro Nacional D. Maria II, a peça contou com o apoio da Câmara Municipal de Lisboa.

No dia 13 haverá sessão com interpretação em Língua Gestual Portuguesa e uma conversa com os artistas após o espetáculo. A última récita terá audiodescrição.