Editado pela (não)edições, este pequeno livro de poesia, datado de 1914, é composto por poemas em prosa que são como pequenos quadros cubistas onde o olhar percorre cada elemento de maneira a formar uma (ou mais do que uma) narrativa, explica a editora.

“Tenros botões” é composto por três partes – “Objectos", "Alimentos", "Quartos" – e está escrito de uma forma muito particular, em que a poeta usa uma linguagem experimental, recorrendo a repetições, abstrações, onomatopeias e ao que se designou de “cubismo verbal”, ao ponto de esta ter sido classificada como uma obra-prima da literatura cubista.

A (não)edições refere, a este propósito, que “Tenros botões” se encontra entre as obras mais profundamente influenciadas pelo cubismo, porque “leva a fragmentação e a abstração ao extremo”.

“Os textos assentam na observação instável e a diversos tempos de objetos inanimados, modos de cozinhar e hábitos gastronómicos ou ainda detalhes arquitetónicos indissociáveis da própria deslocação do corpo ou do olhar”, descreve.

Ao fim de mais de um século, este livro de poesia, que agora se poderá ler em português, com tradução de João Concha e Ricardo Marques, continua a causar escândalo, o que se prende com a rasura que Gertrude Stein faz das convenções poéticas.

“Limando a linguagem até ao osso, a autora mostra ludicamente como a poesia é, antes de mais, música — transferência, transformação e tudo isso junto”.

Gertrude Stein foi uma das personalidades mais importantes para o fomento da arte no início do século XX, tendo-se relacionado e recebido em sua casa expoentes da arte e da literatura modernista, desde Picasso a Ernest Hemingway, passando por F. Scott Fitzgerald, Sinclair Lewis, Ezra Pound e Henri Matisse.

Do seu círculo de amigos faziam ainda parte nomes como Georges Braque, Derain, Juan Gris, Apollinaire, Francis Picabia e James Joyce.

Nascida a 03 de fevereiro de 1874, na Pensilvânia, no seio de uma próspera família americana de origem judaica alemã, Gertrude Stein viveu os primeiros anos de vida em Viena, Áustria, e em Paris, mudando-se com a família para os Estados Unidos, em 1879, onde começou a frequentar a escola.

Revelando-se boa aluna, estudou Psicologia e Medicina, mas não terminou nenhum dos cursos e, aos 29 anos, estabeleceu-se em Paris, onde começou a escrever de forma consistente e desenvolveu uma faceta de colecionadora e patrona das letras e artes, em especial dos cubistas.

Permaneceu em Paris até ao final da vida, fazendo da sua casa um dos mais míticos salões artísticos do século XX, e deixou uma obra vasta e “profundamente original”, que inclui títulos como “Three Lives” (1909), “The Making of Americans” (1925) e “Paris França” (1940), além de “Tender Buttons” (no título original).

Com capas e desenhos a partir de pintura de Juan Gris, “Tenros botões” será publicado na Traditore, coleção da (não)edições dedicada a traduções de poesia.

Nesta mesma coleção, foi publicado em outubro de 2021 mais um livro da poeta e ensaísta canadiana Anne Carson, distinguida no ano passado em Espanha com o Prémio Princesa das Astúrias para as Letras 2020, e cujas únicas traduções portuguesas estão a ser feitas pela (não)edições.

“Vidro, Ironia e Deus” juntou-se assim a “A beleza do marido” e “Autobiografia do Vermelho”, os dois únicos livros de Anne Carson até então editados em Portugal.

Com tradução de Tatiana Faia, “Vidro, Ironia e Deus” é uma obra em que a autora entretece diversos fios poéticos, antigos e contemporâneos, num conjunto de seis textos: cinco longos poemas e um ensaio final em prosa.

Aqui se incluem “O Ensaio de Vidro”, sobre o fim de um amor contado a partir de leituras de Emily Brontë, “Homens da TV”, onde Heitor de Tróia, Artaud e Safo, entre outros, figuram como personagens televisivas, ou “A Queda de Roma”, a propósito de uma viagem de Carson para descobrir a cidade e a sua tentativa de ultrapassar a terrível alienação que aí sentiu.

A poesia de Anne Carson tem sido caracterizada pelos críticos como ensaios, pequenas palestras ou narrativas em verso numa voz singular.

“Autobiografia do Vermelho”, publicado em 2017, com tradução de João Concha e Ricardo Marques, é um “romance em verso” levemente baseado no episódio da mitologia grega relativo ao décimo trabalho de Hércules, no qual este semideus tem de matar um monstro alado vermelho, que vive numa ilha vermelha, a pastorear gado vermelho.

“A beleza do marido”, publicado em 2019, traduzido por Tatiana Faia, é um ensaio ficcional em 29 tangos, como lhe chama a própria autora, que tem como ponto de partida a noção de Keats (poeta inglês do século XIX), sobre a verdade e o poder da beleza.