[O Francisco tem 19 anos, estuda nos Países Baixos e está em viagem com um passe de Interrail que o vai levar por esta Europa fora e este é o seu diário de viagem publicado no SAPO24]
Dia 1 (9 de julho): Dica #3 para futuros viajantes: comprar bilhetes para comboios noturnos sempre que possível. Tirando eventuais custos de reserva, qualquer coisa entre os três e os dez euros na Europa Central, isto permite poupar dinheiro em hostéis e ir à nossa vida logo pela manhã. Também convém estar preparado para eventuais distúrbios - tive uma noite de sono muito inconsistente. No meu wagon-lit os passageiros estiveram geralmente silenciosos (para alguém que gosta de socializar, mais do que o desejável, até): uma lia um livro, dois ouviam música, outra fazia tricô. Quando apagámos as luzes não foi fácil encontrar posição para dormir.
Às três da manhã toca um alarme inocente. Mas repetitivo. Meu Deus, façam-no parar. Não, não para. Soa durante dez minutos sem que ninguém se acuse. Todos dormem, ou fingem dormir, como eu. Três e meia da manhã, novo alarme - desta vez a coisa dura três minutos. Entre alarmes e cansaço, espremo mais uns minutos de sono antes de o comboio chegar a Nuremberga, onde para três quartos de hora.
Chamam-se Edward e Luke e parecem personagens saídas de um filme indie. Complementam-se na perfeição. Ed é mais sociável, tipo golden retriever; Luke, agora deitado no chão, está mais cansado e mal-humorado.
Dois britânicos percorrem as carruagens à procura dos seus lugares. Sai uma das pessoas que está na minha cabine e entra um deles. O outro tem mais azar; a cabine para onde vai tem a porta fechada por dentro, provavelmente por pessoas que não querem ser incomodadas.
Chamam-se Edward e Luke e parecem personagens saídas de um filme indie. Complementam-se na perfeição. Ed é mais sociável, tipo golden retriever; Luke, agora deitado no chão, está mais cansado e mal-humorado. Saímos da cabine para conversar um pouco. Parece que também vão ficar em Viena um par de dias. Têm piada, eles. O comboio parte finalmente e decido tentar voltar a dormir. Vai ser um dia ótimo em Viena.
Acordo já perto da fronteira e, nas poucas alturas em que consigo ter rede, nas estações onde vamos parando, vejo algumas mensagens no telemóvel. São quase todas da minha mãe, preocupadíssima, como de costume, às quais respondo seis horas depois - pois, talvez a entenda. Tenho também uma mensagem da minha parceira de viagem, Amelia, que traz uma mala enorme e já está a caminho de Viena, incrédula com a ideia de que nos vamos mesmo encontrar fisicamente pela primeira vez já esta manhã.
De facto, esta viagem era para ela uma piada até ganhar o bilhete. Perguntávamo-nos também se porventura teríamos dinheiro para fazer o trilho, qualquer que fosse. É que o passe é oferta (e que bom!), mas depois é preciso pagar alojamento e alimentação. Ambos estudamos no estrangeiro e contar com o multibanco dos pais não pode ser solução para tudo.
Acabámos por decidir fazer duas semanas e meia de viagem. Copenhaga (Dinamarca) estava nos nossos planos, até percebermos que os carris do comboio direto estão em construção, tornando a viagem muito difícil. Houve várias mudanças de planos desde 2023 até hoje, mas penso que acabámos com um itinerário bastante recheado.
Ambos estivemos ocupados com exames e trabalho antes de nos podermos sentar e reservar hostéis e bilhetes de comboio e localizar casas de amigos e familiares que nos pudessem abrigar por algumas noites aqui e ali. Em Berlim, a oportunidade de um meet-up com workshops sobre participação política e visitas guiadas a várias partes da cidade com estadia e refeições incluídas. Estamos na lista de espera, porque os interessados são muitos. E não duvido que haja mudanças de última hora, mas penso que faz parte da diversão.
Enquanto escrevo esta crónica, passo a fronteira para a Áustria. Supostamente, faltaria uma hora para chegar a Viena, mas a este ritmo acredito que vou chegar com duas horas de atraso.
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Atualização: estava certo. Chego à estação de Wien Hauptbahnhof com quase duas horas de atraso. Vou com Ed e Luke diretamente ao serviço de apoio ao cliente para tentar conseguir alguma compensação, mas explicam-nos que temos de tratar deste assunto com a própria Interrail. Fica aqui a informação.
Finalmente o encontro com Amelia. Spoiler alert: era até aqui uma amiga da Internet, mas passámos o dia a reafirmar que, de facto, somos mais do que uma fotografia de perfil e uma quantidade de mensagens (outra dica: fizemos várias chamadas por WhatsApp ao longo do tempo, inclusive com a mãe dela. Tinha todos os motivos para confiar, mas isto não quer dizer que o mesmo se aplique a qualquer pessoa que encontramos online. Sem querer ser moralista, segurança em primeiro lugar, sempre).
O primeiro passo é deixar as coisas no hostel, que reservámos com antecedência, pelo preço de 23€ por pessoa/noite. Estamos ambos exaustos. Despeço-me de Luke e Edward na esperança de nos voltarmos a encontrar. Fazemos o check-in no A&O Wien Hauptbahnhof, não parece mau: bar e receção disponíveis 24/7, staff muito simpático. O quarto também não é mau, mas a localização é o melhor de tudo, cinco minutos a pé da estação. Fica um pouco mais fora de mão para visitar o Inner Stadt de Viena, com locais como a Stephensdom (catedral lindíssima!) ou o quarteirão dos museus, mas para um dia na cidade é perfeito.
Como o check-in é apenas a partir das 15:00, acabamos por não descansar muito e vamos diretos para o centro. Passeamos pelos jardins Belvedere, com uma vista brutal para o palácio, e sentamo-nos a decidir onde almoçar. Acabamos por passar por um restaurante japonês inspirado em anime, o Tomochan Ramen, e é aí que ficamos. Não comemos muito - umas gyozas e um prato de galinha karage -, mas fiquei com boa impressão do sítio.
Amelia é "local" (nasceu no México, a mãe é polaca, descendente de canadianos, o pai mexicano, mas vive na Áustria) e leva-me a alguns cantos, como à Catedral de Santo Estêvão, uma das mais antigas do estilo gótico europeu, construída de forma a deixar entrar tanta luz quanto possível para ser percebida como divina
Amelia é "local" (nasceu no México, a mãe é polaca, descendente de canadianos, o pai mexicano, mas vive na Áustria) e leva-me a alguns cantos, como à Catedral de Santo Estêvão, uma das mais antigas do estilo gótico europeu, construída de forma a deixar entrar tanta luz quanto possível para ser percebida como divina. Stephansdom é o símbolo religioso mais importante de Viena, construído sobre as ruínas de uma igreja românica dedicada a Santo Estêvão. É lá que estão os restos mortais de grande parte da família Hasburgo e também foi lá o casamento e o funeral de Mozart. A grande torre em forma de agulha, com 137 metros de altura, pode ser vista de diferentes pontos de Viena.
Passamos por diversas lojas, uma delas especializada numa das delícias de Viena, as wafers Manner (sim, sou guloso). Parecem ser um ícone da cidade e servem de desculpa para tudo - recebemos dois pacotes quando nos fomos queixar pelo atraso do comboio. Só por ter os tostões muito bem contados não comprei a "schitt-o-mat", uma máquina dispensadora de bolachas, estilo vintage, com um "tim!" cada vez que entrega um pacote.
No quarteirão dos museus, um espaço com mais de 60 mil metros quadrados dedicado a artes e cultura, ainda ensaiamos ir ver uma peça de teatro, mas os bilhetes mais baratos custam 26€ - fica a indicação para quem visitar o English Theatre de Viena. Em vez disso, vamos ao Mumok, um museu de artes agora com uma exposição dedicada ao movimento avant-garde de minorias raciais e um andar dedicado ao movimento vienense "aktionismus", criado nos anos 60, para questionar a definição de arte.
Regressamos ao hostel para um duche, mas antes paramos num supermercado para comprar bens essenciais, como cadeados para os cacifos dos hostéis. Já noite, vamos ao Stadtpark, um dos parques mais icónicos da cidade, ver estrelas e ouvir música. Apesar dos esforços, não conseguimos encontrar um restaurante aberto depois as 22h00 que nos servisse um schnitzel (género de panado típico de Viena). E foi numa loja à beira da estrada, aberta 24 horas, que comprei uma caixa com pedaços de schnitzel e batatas que me soube pela vida. Amanhã, Cracóvia, aqui vamos nós!
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