[O Francisco tem 19 anos, estuda nos Países Baixos e está em viagem com um passe de Interrail que o vai levar por esta Europa fora e este é o seu diário de viagem publicado no SAPO24]

Dia 4 (12 de julho): Dica #6 para futuros viajantes: no verão, não esquecer o fato de banho. Não importa estar longe ou perto de lagos, rios ou mares; eventualmente, sobretudo na hora da calorina, a vontade de mergulhar vai chegar e é uma oportunidade que ninguém vai querer perder. Hoje foi esse dia. 

Ir à Polónia e não comprar vodka é a mesma coisa que ir a Roma e não ver o Papa

Acordámos mais tarde e, depois de um pequeno-almoço nutritivo, saímos de casa e passámos num supermercado para comprar lembranças da Polónia. Itens completamente inofensivos, como umas bolachas que recordam a Amelia a sua infância, vodka e cerveja... Hã? Quem foi que disse isto?

Ir à Polónia e não comprar vodka é a mesma coisa que ir a Roma e não ver o Papa. Mas comprei apenas uma garrafita pequena, algo um tanto simbólico, mais do que outra coisa qualquer. Olhamos em choque para o corredor de vodkas, que ocupa meio supermercado. Perto de uma das pontas, pego horrorizado numa garrafa e leio o grau alcoólico: "Spiritus: 95%" Estes polacos estão noutro nível.

Deparo-me com uma loja chamada..."Bom Dia". Olá! Uma fábrica de pastéis de nata? Obrigo a Amelia a entrar e peço um pastel de nata clássico

Compras feitas, continuamos rumo ao centro, queremos regressar ao mercado da praça principal. A caminho, pouco antes de chegarmos, deparo-me com uma loja chamada..."Bom Dia". Olá! Uma fábrica de pastéis de nata? Obrigo a Amelia a entrar e peço um pastel de nata clássico (1.80€, preço ligeiramente inflacionado, mas nada de especial). Carta e loja mostra mais referências à cultura portuguesa do que seria de esperar.

Com Portugal fora do roteiro de Interrail, foi muito bom poder oferecer à minha companheira de viagem um pedaço do meu país - depois de dar uma dentada num, para garantir a sua autenticidade. Um bom pastel de nata, consistência e sabor agradáveis, ainda morno e acabado de sair do forno. Amelia ficou impressionada com o sabor. E lá seguimos para o mercado, onde acabo por comprar um dragão de peluche (alguma ideia para um nome?).

Maja chega entretanto para nos guiar pelo quarteirão judeu da cidade, Kazimierz. O quarteirão ganhou popularidade entre os turistas nos anos 90, quando uma revolução cultural o tirou do estado vegetativo em que se encontrava, marcado e devastado pelo Holocausto. Hoje nota-se a influência judia e polaca no local, que onde existem diversas sinagogas, restaurantes kosher e discotecas.

Infelizmente, não vamos ter tempo para tudo, o que serve de ótima desculpa para voltar

Passamos por uma das praças principais do quarteirão, Nowy Plac (ou Praça Nova): bancas de comida e uma espécie de Feira da Ladra com artigos que remontam à Segunda Guerra Mundial e outros produtos mais típicos de um mercado do género. Fico deliciado com uma barraca em especial, Ali Baba, que vende kebabs por 13 zloty (pouco mais de três euros!), que me serve perfeitamente como almoço.

Despedimo-nos de Maja, agradecidos por toda a ajuda e companhia, e continuamos os dois até à margem do rio Vístula. Amelia acha por lá um anel que lhe serve como uma luva. E de repente percebemos que nos falta fazer muita coisa, como visitar o campo de concentração e o antigo ghetto de Podgórze ou o Galicia Jewish Museum e a fábrica de Oskar Schindler, que salvou mais de mil judeus durante a guerra ao tê-los a trabalhar para si. Infelizmente, não vamos ter tempo para tudo, o que serve de ótima desculpa para voltar (e que bom, porque estou a gostar bastante).

Mas o dia não acaba aqui. Decidimos apanhar o metro de superfície e passar no lago Zakrzówek, no sul de Cracóvia; um local muito procurado em dias de calor como este. À volta do lago, caminhos para baloiços e miradouros que me parecem brutais, um café e lojas de gelados. Aguardamos na fila a nossa vez de entrar (a estrutura comporta um número limitado de pessoas). Esperamos quase uma hora, mas não nos arrependemos um segundo. Vale mesmo a pena.

Regressamos a casa já um pouco tarde e à hora do jantar (de um polaco, em Portugal, jantar às 18 e picos é quase um crime e chama-se lanchar)

Sem fato de banho, tenho de optar pela solução boxers para ir à água. Aceito o meu destino de voltar para casa com o rabo húmido. Amelia opta por molhar apenas os pés, enquanto me divirto a nadar uma data de tempo. Ao lado, uns alemães jogam à bola - que vou buscar quando o chuto corre menos bem. Do outro lado, uns locais tentam equilibrar-se numa prancha de paddle. Em boa hora decido secar-me, mesmo a tempo de ver passar à nossa frente um bando de patos bebés acompanhados pela sua mãe. Que fo-fu-ra.

Regressamos a casa já um pouco tarde e à hora do jantar (de um polaco, em Portugal, jantar às 18 e picos é quase um crime e chama-se lanchar). A tia-avó da Amelia prepara-nos a penúltima refeição: sopa de tomate com arroz, um prato que leva Amelia de volta à sua infância, e como prato principal hambúrguer, ovos, batatas e vegetais. Tudo ótimo.

Queremos acabar o dia em grande, por isso vamos ao parque do costume com a intenção de beber um cocktail na esplanada. Chegamos e, para nossa surpresa, está a haver um concerto. Com um copo de Aperol Spritz e de Pornstar Martini na mão, vemos a atuação inteira do grupo Quietet, uma banda de jazz super versátil no seu estilo, com alguma influência de rock. Adorámos.

Esta também é parte da beleza do Interrail, a descoberta de sítios que nos fazem querer voltar

Fim do concerto e aqui vamos para a última soneca em Cracóvia. Umas flores para a queridíssima tia-avó de Amelia, que entretanto já tinha preparada a resposta perfeita: duas caixas de pierogis e sanduíches para a viagem (meu Deus do céu, mais avó é impossível). Preparamos os alarmes para as cinco da manhã, temos comboio às seis e meia, e despedimo-nos.

Vou ter muitas saudades da Polónia, pelo menos de Cracóvia, dos pierogis, da t-shirt que dizia "I <3 Polish Girls" (que não comprei por ter preço para turista, mas talvez faça em casa), das 400 lojas de conveniência Żabka, quase uma em cada esquina (e não estou a exagerar, um terço da população polaca vive a 300 metros ou menos de um Żabka), e da rede de transportes - que honestamente me lembra o quão pouco práticos são os transportes públicos em Lisboa. Mas esta também é parte da beleza do Interrail, a descoberta de sítios que nos fazem querer voltar.