[O Francisco tem 19 anos, estuda nos Países Baixos e está em viagem com um passe de Interrail que o vai levar por esta Europa fora e este é o seu diário de viagem publicado no SAPO24]
Dia 8 (16 de julho) Dica #10 para futuros viajantes: não tentar fazer tudo de uma vezada. Vale muito mais a pena explorar cada canto com a calma e a atenção que merece do que estafarmo-nos a ver tudo por alto de uma vez. Podemos sempre voltar. Talvez por isso me vá esquecendo das fotografias (até para o SAPO24) e sem querer as deixe para segundo plano. Quero viver todos os momentos, do mais banal ao mais especial, e recordar cada história.
Enfim, lá se foi a ideia de dormir que nem uns anjinhos. Atordoados por barulhos que vêm de fora, ficamos com a sensação de que alguém está a tentar entrar no hostel. Cuidadosamente, e ainda um pouco tocado, confesso, espreito para a rua através das cortinas. São turistas como nós, um pequeno grupo de ingleses com ar desesperado. Parece que o código que lhes deram para entrar depois da hora de fecho não funciona. Aparentemente, muda uma vez por semana, mas ninguém lhes disse. Por segurança, peço para mostrarem a chave do quarto antes de os deixar entrar. E pronto, nada que estrague uma noite.
Até que a cena se repete, desta vez com dois checos - que não percebiam nada de inglês. E daí a pouco com outro. E mais outra vez, agora são duas francesas. Inacreditável. Uma, duas, três da manhã, isto vira qualquer ritmo circadiano do avesso. A cereja no topo do bolo é o alarme às cinco da manhã, que Amelia se esqueceu desligar. Nunca mais sugiro que o sono vai ser tranquilo, já vi que é mau presságio.
Meio a dormir, meio acordados, só por volta do meio-dia arranjamos coragem para sair. Entretanto, vamos pesquisando locais para visitar. Fico logo curioso com uma estrutura tipo Torre Eiffel, no parque Petrín. É para aí que vamos. Subimos no funicular e, no topo, muito mais do que torre para ver. Um observatório, parques e trilhos para explorar. Começa a chover e decidimos entrar num labirinto de espelhos. Não é um labirinto qualquer, foi construído no século XIX. Nunca tinha estado numa atração do género e por pouco não bato com a cabeça num espelho - tenho de dizer que a minha parte preferida foi o corredor de espelhos distorcidos.
Descemos pelo funicular para almoçar. Perto, um restaurante com comida checa chama a nossa atenção. Entramos e somos recebidos de forma respeitosa, embora não calorosa. As pessoas em Praga parecem ser um pouco assim. O sítio chama-se "Tlustá myš" (Rato Gordo) e, de facto, quase todos os pratos tem queijo, algo que não esperava da comida tradicional checa. Queijo e batatas. E são esses os ingredientes base dos pratos que pedimos, para mim acompanhado de uma cerveja checa (a Kozel). Bom ambiente, algo rústico, a refeição soube-nos lindamente e o preço ficou abaixo dos dez euros por pessoa.
Recheados como dois ratos gordos, o próximo destino está já pensado: Museu Franz Kafka, dedicado à vida do escritor que nasceu e cresceu em Praga, então pertencente ao Império Austro-Húngaro. Saio com a impressão que tinha antes de entrar: Kafka era realmente uma personagem esquisita. O layout do museu é interessante e dá-me a conhecer muito que não sabia. Por exemplo, o escritor fez uma única leitura pública de um texto seu. O "Na Colónia Penal" foi recebido com choque pela assistência; três mulheres presentes desmaiaram. Com efeito, não é um texto fácil de ler, especialmente para a época. Todos os livros de Kafka contêm algum elemento de desconforto - não é à toa que o adjetivo "kafkaesque" (kafkiano, em português) serve para definir uma situação confusa, assustadora, surreal ou incorrigível. Os fãs de literatura não devem perder a visita - só não vale a pena fazer compras na loja do museu que, como de costume, vende tudo o que pode ser comprado em qualquer livraria ou loja de lembranças a preços inflacionados.
Passamos pela famosíssima Ponte Carlos, repleta de gente, artistas de rua e estátuas, e pelas diversas gravuras em metal, incluíndo uma com um cão que, por alguma razão misteriosa, tem o cão muito mais reluzente do que o resto. A vista sobre a cidade, não só da torre como da ponte em si, é deslumbrante.
Ainda é cedo, mas nota-se em nós o cansaço. Passamos por uma igreja de onde saem dois homens a tocar trompete e entramos. Descubro que se trata da Igreja São Francisco de Assis, inspirada na Basílica de São Pedro, com o segundo órgão mais antigo (e enorme) de Praga. Compro um postal. É um dos locais mais populares da cidade para concertos clássicos e de jazz.
Seguimos pela rua que vai dar à praça principal da Cidade Velha, com o seu peculiar relógio astronómico, que além das horas indica a posição do sol, as fases da lua e o movimento das estrelas, entre outras coisas. "A caminhada dos apóstolos", espectáculo montado com mecanismos do relógio, acontece todas as horas entre as 8h00 e as 21h00, mas ainda falta para a próxima hora. O relógio foi restaurado pela última vez em 2018, com o mecanismo original a ser re-introduzido. É o terceiro relógio astronómico mais velho do mundo, mas dos três o único que ainda funciona.
Uma viagem de elétrico e voltamos para o hostel, receosos de mais uma noite com campainhas, alarmes e viajantes desesperados. Acontece com dois homens, um que não acerta com o código, outro que se depara com uma porta interior trancada por dentro. É meia-noite e acabam os problemas, não tenho a certeza se porque mais nenhum hóspede se atrapalhou ou se porque, finalmente, estou a dormir. Pode ser que o hostel nos ofereça um desconto por fazermos de porteiros durante a noite.
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