ANATOMIA DE UMA FUSÃO FALHADA

  1. A LISTA DE ALVOS. Uma lista de potenciais compradores e vendedores de empresas no mercado relevante.
  2. O ACORDO DE CONFIDENCIALIDADE (AdC). Um contrato legal escrito entre duas ou mais partes envolvidas, de modo a proteger as informações sensíveis a que cada parte terá acesso quando se der início às negociações.
  3. MANIFESTAÇÃO DE INTERESSE (MdI). Uma expressão que demonstra interesse condicional e não-vinculativo no envolvimento da compra ou venda de uma empresa.
  4. TENTATIVA DE FECHO. Uma tentativa para concluir o processo de fusão e transferir a titularidade legalmente através da assinatura e do registo de todos os documentos.
  5. DISSOLUÇÃO. A anulação de um negócio que ainda não foi fechado; normalmente a parte que não cumpre os termos de fecho acordados paga uma taxa.
  6. QUESTÕES PÓS-DISSOLUÇÃO. A «limpeza» e os ajustes feitos após um negócio ou dissolução, de modo a garantir que cada parte envolvida na transação pode continuar a atuar de forma bem-sucedida.

PRÓLOGO

SUPREMO TRIBUNAL DO ESTADO DE NOVA IORQUE:
IAS PARTE 29

SHEILA PLATT,
REGISTO N.º 1476/46
Queixosa,
‑contra‑
GARY KAPLAN,
Réu

TESTEMUNHAS:
ALEXANDRA VOGEL, TESTEMUNHA DE ACUSAÇÃO MICHAEL ABRAMOWITZ, ADVOGADO PARA O INTERROGATÓRIO DA SENHORA VOGEL ANTES DO JULGAMENTO DE GARY KAPLAN, realizado por e perante MARA HARVEY, escrivã e notária pública do Estado de Nova Iorque, nos escritórios dos DRS MEYERS E COWLER, 41 Kenmare Street, Nova Iorque, na segunda-feira, 6 de junho de 2019, com início às 11:30 da manhã.

INTERROGATÓRIO DIRETO PELO SR. ZEIGLER:

P: Bom-dia, senhora Vogel.

R: Bom-dia.

P: O meu nome é Avery Zeigler e faço parte do escritório de advocacia Zeigler e Babchick. Estou aqui em representação do réu, Gary Kaplan, numa ação que foi iniciada contra ele pela senhora Sheila Platt. Vou colocar-lhe algumas questões sobre a sua carreira profissional e especificamente sobre a sua relação com o senhor Kaplan. Se não entender as minhas perguntas, diga-me que tentarei colocá-las de outra forma. Comecemos com algumas perguntas de contextualização. Onde estudou Direito?

R: Estudei na Faculdade de Direito de Harvard.

P: E onde trabalhou depois de ter concluído a sua licenciatura?

R: O meu primeiro emprego depois de sair da Faculdade de Direito foi como associada na empresa Klasko e Fitch.

P: E de que grupo fazia parte ao entrar para a Klasko e Fitch?

R: Do Klasko. Entramos para a empresa como associados júnior. Apresentamos os nossos interesses numa determinada área de prática e, em abril, entramos para um grupo.

P: Como é que entram para um grupo? Qual é o processo?

R: Os associados declaram as suas áreas de interesse. Trabalham nessas áreas. E se o grupo gostar do associado, deixa-o entrar.

P: Existe algum limite de vagas em cada grupo?

R: Bem, tem de haver trabalho suficiente para que os associados entrem. Um grupo de prática não pode aceitar um número ilimitado.

P: É um processo extremamente competitivo?

R: Eu diria que alguns grupos são mais cobiçados pelos associados do que outros.

[O advogado de defesa consulta o colega.]

P: Alguma vez sentiu necessidade de ir além dos deveres das suas funções? De se envolver pessoalmente de um modo não profissional com colegas ou clientes?

Estremeci ao de leve quando a minha armadura de saltos altos e fato de corte imaculado começou a ceder. Eu já não estava na sala de reuniões excessivamente climatizada do meu escritório de advogados sofisticado de Manhattan; a luz do Sol não fluía pela janela sob a forma de faixas douradas que se enroscavam no meu regaço. Fui invadida pelos meus primeiros meses frenéticos na Klasko e Fitch, mergulhando cada milímetro do meu corpo na competição, as emoções arrebatadoras do sucesso, com os nervos à flor da pele, o medo e a aversão e a intensidade consumidora de se ser uma associada júnior, a tentar desesperadamente garantir um lugar no grupo de prestígio. Limpei o suor da testa e fechei os olhos durante um bom bocado.

PRIMEIRA PARTE - A LISTA DE ALVOS

Uma lista de potenciais compradores e vendedores de empresas no mercado relevante.

Capítulo 1

— Estou bem assim? Sam? Sam!

O Sam estava de olhos fixos na televisão e de boca ligeiramente entreaberta, enquanto o programa da manhã Morning Joe emitia um barulho ensurdecedor. Bati com o salto dos meus sapatos de salto alto beges novos no chão de madeira.

— O que é? — Virou-se para mim, com olhos escuros inquisidores acima da marca persistente de um sono pacífico ao longo da face direita.

— Estou bem assim? Pareço-te uma advogada? — Entalei a blusa na saia e inspirei. — Credo! Estou tão nervosa.

Ele baixou o queixo com barba por fazer enquanto me examinava de alto a baixo.

— Estás mesmo muito sexy.

— Uf! — resmunguei ao virar-me para o quarto. O Sam seguiu-me, ensonado, a coçar a barriga por baixo da camisola interior branca, mesmo acima das calças de pijama de flanela.

"É Desta Que Leio Isto"

"É Desta Que Leio Isto" é um grupo de leitura promovido pela MadreMedia e por Elisa Baltazar, co-fundadora do projeto de escrita "O Primeiro Capítulo”.

Lançado em maio de 2020, foi criado com o propósito de incentivar à leitura e à discussão à volta dos livros. Já folheámos as páginas de livros de autores como Luís Sepúlveda, George Orwell, José Saramago, Dulce Maria Cardoso, Harper Lee, Valter Hugo Mãe, Gabriel García Marquez, Vladimir Nabokov, Afonso Reis Cabral, Philip Roth, Chimamanda Ngozi Adichie, Jonathan Franzen, Isabel Lucas, Milan Kundera, Joan Didion, Eça de Queiroz e Patricia Highsmith, sempre com a presença de convidados especiais que nos ajudam à discussão, interpretação, troca de ideias e, sobretudo, proporcionam boas conversas.

Ao longo da história do nosso clube, já tivemos o privilégio de contar nomes como Teolinda Gersão, Afonso Cruz, Tânia Ganho, Filipe Melo e Juan Cavia, Kalaf Epalanga, Maria do Rosário Pedreira, Inês Maria Meneses, José Luís Peixoto, João Tordo e Álvaro Laborinho Lúcio, que falaram sobre as suas ou outras obras.

Para além dos encontros mensais para discussão de obras literárias, o clube conta com um grupo no Facebook, com mais de 2500 membros, que visa fomentar a troca de ideias à volta dos livros, dos seus autores e da escrita e histórias que nos apaixonam.

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— O que é? Que mal tem? Com o que é que devias parecer? Pareces exatamente aquilo com que te devias parecer.

Despi a blusa pela cabeça e fui a correr para o guarda-roupa.

— Profissional! Devo parecer profissional no meu primeiro dia como advogada. É óbvio bufei, procurando algo por entre as minhas camisolas.

— E pareces profissional! Quer dizer, parecias.

Agora estava eu ali de saltos altos, saia e soutien e ele enfiou-se no espaço ao meu lado e abraçou-me pela cintura.

— A sério?

Ele anuiu e apanhou a minha blusa de seda branca do chão e deu-ma, ao mesmo tempo que um zunido ecoou pelo quarto, vindo de cima da minha cómoda. Virei-me de costas para ele e peguei no meu telefone.

Fiquei a olhar para a palavra «Casa» por um instante, o meu dedo pairou sobre o botão para rejeitar, mas depois pensei melhor e premi o botão verde, enquanto o Sam aproveitava a oportunidade para fugir de volta para o sofá.

— Olá, mãe! Estou com pressa para me vestir! O que se passa?

— Estamos aqui os dois! — gritou a minha mãe. Meti o telefone em alta-voz e enfiei a blusa pela cabeça.

— Só ligámos para te desejar boa sorte! — juntou-se o meu pai harmoniosamente à chamada. Imaginei-os de cabeças encostadas uma à outra, na cozinha, a gritarem para o auscultador do telefone agora amarelado, e com o fio irreversivelmente torcido e excessivamente longo aos pés deles.

— Oh, obrigada! Depois ligo-vos mais tarde e conto-vos…

— Alex? — chamou o meu pai.

— Estou? Conseguem ouvir-me? — Olhei para o meu ecrã para verificar se tinha quatro barrinhas.

— Desligaste na cara dela! — lamentou a minha mãe.

— Vocês tiraram o som! — berrei, praguejando logo a seguir perante a futilidade da minha exclamação. Espero cinco segundos e depois desligo…

— Coelhinha?

— Mãe?

— Olá! Pensávamos que te tínhamos perdido! Estás nervosa?

— Nem por isso! — Menti, inclinando a cabeça para o lado, de modo a obter um ângulo melhor para roer a unha do polegar. — Hoje são só apresentações.

— Estamos tão orgulhosos de ti — disse ela de repente. Senti o estômago a apertar e olhei de relance para o fato Ann Taylor, ainda com as etiquetas, pendurado no lado oposto do guarda-roupa.

Desejei ter passado um dos meus verões de férias da Faculdade de Direito na Klasko.

Assim, saberia o que vestir, o que esperar.

— Vesti uma saia e uma blusa. Acham que devia vestir um fato, em vez disso? — Fez-se silêncio do outro lado da linha.

Porque estou a pedir conselhos sobre vestuário empresarial a uma dona de casa e a um tipo que usa uniforme de médico todos os dias?

— Tenho a certeza de que vais ficar bonita com o que quer que decidas vestir! — lá acabou a minha mãe por dizer.

Revirei os olhos. Inútil.

— Obrigada, mãe. E obrigada por terem ligado. Mas agora tenho de ir.

— Dá cabo deles! — gritou o meu pai.

De repente, senti-me profundamente desadequada.

— Calma, pai. Até parece que vou curar o cancro.

— Foi por isso que te disse para dares CABO deles! — disse o meu pai de forma melodiosa e com orgulho. Não pude deixar de sorrir perante a pirosice da piada do meu pai.

Ele era oncologista e, embora eu soubesse que estava orgulhoso de mim, sempre suspeitei que desejava que eu tivesse continuado no Centro de Apoio às Famílias, apesar de nunca o ter dito.

Quando eu era criança, os meus pais costumavam dizer-me: «Quando fores grande, podes ser o que quiseres. Médica, advogada…» Não conseguia lembrar-me quando decidi que aquelas eram as minhas duas únicas opções.

Tinha o lábio superior coberto de suor. Como raio vim aqui parar? Será que quero sequer ser advogada? Talvez não devesse ter aceitado um emprego numa grande empresa de advocacia. O Sam e eu teríamos conseguido sobreviver com o meu salário do Centro de Apoio às Famílias até a empresa dele começar a fazer dinheiro… se é que a empresa dele alguma vez começasse a fazer dinheiro. Olhei para o guarda-roupa grande cheio de blusas e saias, a maioria ainda com as etiquetas, e percebi que não era verdade. Eu queria esta vida, o meu apartamento luxuoso, um guarda-roupa cheio de roupas novas. Fui eu que escolhi.

— Eu e a tua mãe vamos agora ao mercado. Gostamos muito de ti! Boa sorte!

O meu telefone começou a tocar com uma chamada e vi o nome Carmen Greyson no ecrã. — Obrigada! Tenho de me despachar! Gosto muito de vocês! — Atendi a chamada nova sem esperar que eles se despedissem.

— Olá! — Suspirei de alívio por ter notícias da minha colega da Faculdade de Direito. — Estou tão contente por teres…

— O que tens vestido? — indagou a Carmen.

— Hum, saltos altos beges, saia travada azul-marinho, blusa de seda branca?

— Sim. Perfeito. Absolutamente perfeito. Simples, bem cuidado e profissional — garantiu-me a Carmen e senti o meu batimento cardíaco a abrandar de imediato. Embora a Carmen e eu nunca nos tenhamos tornado próximas na faculdade, o facto de entrarmos para a mesma empresa fez com que passássemos a ser camaradas. Além disso, ela passara o último verão dela a fazer estágio na empresa, por isso pretendia ficar colada a ela para as apresentações sociais e para que me aconselhasse sobre como agir no que dizia respeito à política da empresa. A Carmen era perspicaz, dinâmica e rigorosa, emocionante de um modo a que eu não estava habituada, visto que crescera protegida no Connecticut.

Expirei devagar, permitindo que as minhas faces se dilatassem com o ar da força do meu alívio.

— Também vesti uma saia e uma blusa. Mas não tenho a certeza… — A Carmen divagou sobre as várias opções de indumentária que tinha enquanto eu espreitava para a sala de estar.

O Sam encontrava-se sentado no sofá modular tufado novo que eu comprara com os últimos cêntimos da minha bolsa de mudança de empresa. Já estava com saudades dele. Gostava que o verão tivesse durado só mais alguns meses. Depois de eu ter feito o exame para a Ordem de Nova Iorque, tínhamos andado aos saltinhos pelo Sudeste Asiático com o cartão de crédito do meu pai em riste, a prenda demasiado generosa dele por eu ter concluído a Faculdade de Direito, e uma excitação constante nas nossas cabeças durante três semanas. Ainda não me sentia pronta para o mundo real.

— Está bem. Até daqui a pouco! — A voz da Carmen perfurou os meus pensamentos e ainda consegui despedir-me antes de ela desligar. Fui ter com o Sam, que arrancou o olhar das notícias matutinas e olhou para mim, agarrando-me depois pelo colarinho e puxando os meus lábios até aos dele.

— O que é? — Estreitou os olhos ao contemplar a minha expressão.

Baixei-me devagar ao lado dele.

— Não faço ideia porque estou tão nervosa. É só a apresentação. Nem sequer vou fazer nenhum trabalho a sério hoje.

— Vais ser espetacular. — Apertou-me a coxa em jeito de me mandar embora e voltou a virar-se para o televisor. Observei-o durante mais um bocado, na esperança de que ele me encorajasse mais. Não aconteceu nada.

Fui até ao espelho da nossa entrada, alisando o meu longo cabelo cor de caramelo e a desejar que os meus olhos castanhos cansados parecessem mais brilhantes. Calma, disse a mim mesma. Vai correr tudo bem. Recuei, dei uma última vista de olhos a mim própria e arranquei a etiqueta da bolsa de cabedal castanho-chocolate de linhas retas e com espaço suficiente para um portátil que a minha mãe me comprara. Não sabia muito bem como é que a minha mãe conseguira escolher um presente tão perfeito, ela usava calças plissadas e sapatos rasos práticos para trabalhar como voluntária na biblioteca desde que conseguia lembrar-me, mas imaginava que pedira ajuda à assistente de vendas da loja Bloomingdale suburbana a que costuma ir para comprar algo que as «mulheres trabalhadoras» levam para o escritório. Respirei devagar, inspirando ar com cuidado para os meus pulmões, expirei pelos lábios semicerrados e dirigi-me para a porta da frente.

— Vou-me embora! — anunciei.

O Sam descolou-se do sofá, emitindo efeitos sonoros de resfôlegos e resmungos que ele achava que combatiam os músculos rígidos matinais dele enquanto caminhava na minha direção como se fosse um zombie.

— Boa sorte! — Sorriu ao inclinar-se para me beijar a face.

— O que vais fazer hoje? — perguntei.

— Alex, eu trabalho. Todos os dias. — Reparei no desânimo na voz dele, quando o Sam voltou a virar os pés na direção do televisor. — Há tanta coisa para fazer. As reuniões com os investidores têm corrido bem. Ainda temos de adquirir todo o inventário…

— Não foi isso que quis dizer — retorqui, interrompendo-o, enquanto olhava para o meu relógio. — Eu sei que trabalhas muito. Só estou nervosa. E tenho de me ir embora.

— Vai! Boa sorte! — O Sam tentou dar-me um sorriso tranquilizador.

— Toda a gente me diz que este emprego vai dominar a minha vida. Vamos ficar bem, não vamos?

Ele pousou as mãos nas minhas faces.

— Foste tu que disseste que tudo é perfeitamente exequível, a não ser que escolhas fusões e aquisições. Não lhes peças trabalho a eles. Não te coloques nessa posição. Não te candidates a eles. É canja — disse, piscando o olho.

Sorri-lhe e dei-lhe um beijo demorado antes de percorrer o corredor, voltando a sentir os nervos na barriga enquanto carregava sem parar no botão para chamar o elevador até este se abrir no meu andar com um tlim.

Clube dos Rapazes
créditos: Edições Chá das Cinco

Cheguei vinte minutos mais cedo a um de centenas de edifícios toscos de escritórios alinhados ao longo da Quinta Avenida; a partir da estrada todos me pareciam ser exatamente iguais. Dera-me a mim mesma quarenta e cinco minutos para chegar ao trabalho, inflacionando os vinte e três minutos de viagem de metro de Chelsea até ao centro da cidade, que fizera duas vezes à experiência na semana anterior. O edifício em que me encontrava agora albergava a sede americana de um banco japonês, duas empresas de consultadoria e a Klasko e Fitch, a maior e uma das mais prestigiadas sociedades de advogados do mundo. Empurrei a porta giratória, os meus saltos altos ressoaram nos meus ouvidos dentro do cubículo triangular de vidro antes de este me cuspir para o extenso átrio de mármore.

A entrada insípida era uma cacofonia de conversas telefónicas unilaterais e cumprimentos superficiais. Toda a gente que passava por mim parecia ter um objetivo. Ninguém deambulava, ninguém ficava na conversa fiada. Os homens e mulheres que se dirigiam para as respetivas secções de elevadores, fazendo depois deslizar os cartões de acesso de forma elegante, apresentavam-se ao mundo com um aspeto asseado e confiante. Seguindo o exemplo, só me permiti olhar de relance pelo canto do olho para a cortina de água relaxante que caía em cascata sobre as pedras brancas e para a fita de advertência que vedava a zona de construção em torno de uma das secções de elevadores mais distante, onde a gerência do edifício colocara uma placa educada em que dizia «pedimos desculpa pelo nosso aspeto». Procedi com cuidado para continuar o meu passo rápido em direção a uma grande placa azul que dizia «Bem-vindos Novos Associados Klasko e Fitch» no lado oposto do átrio.

Um homem sentado à secretária do posto de segurança, cuja plaquinha de identificação dizia «Lincoln», fez-me um sorriso simpático quando passei. Supus que ele já era extremamente experiente na deteção de novos associados nervosos.

— Olá! Bem-vinda à Klasko e Fitch! Estamos muito contentes por tê-la connosco. Alexandra Vogel, não é? Desculpe. Prefere que lhe chamem Alex, estou correta? — Uma morena angelical que parecia ter quarenta e poucos anos sorriu-me de um modo cordial a partir da mesa de boas-vindas. — Eu sou a Maura. Diretora de recrutamento. Não sei se se lembra…

— Claro! Conhecemo-nos na entrevista na universidade. E, sim, Alex. Obrigada. — A minha voz soou calma, como sempre em momentos de tensão. Resquícios da minha carreira de natação de competição da adolescência permitiam-me ocultar os nervos na altura de entrar em ação.

Enquanto ela percorria a pilha de pastas atrás de uma plaquinha onde se lia «R-Z», olhei de relance para o meu relógio.

— Chegou mesmo a horas — garantiu-me, sem erguer o olhar das pastas. — Não foi a primeira a chegar. Nem a última. Chegou mesmo a meio do grupo. Não se preocupe com…ah! Aqui está! — Puxou uma pasta identificada com KeF de entre a pilha. — Aqui estão a sua identificação com fotografia e o cartão de acesso. Vai precisar deles para entrar na secção de elevadores. Agora vai até ali e sobe até ao 45.º andar. Se se esquecer, está logo na primeira página dessa pasta. Se precisar de alguma coisa…

— Olá! Sou a Nancy Duval. — Eu e a Maura virámo-nos para ver uma loura de olhos grandes a pegar na bainha desgastada do casaco. Por um instante, senti um aperto no coração ao ver que ela estava vestida de modo mais formal, mas depois garanti a mim mesma que a minha saia feita à medida e a minha blusa eram tão adequadas quanto o fato gasto dela. Pensei se a interrupção dela era resultado do nervosismo do primeiro dia ou de uma inépcia social mais geral, o tipo com que me familiarizara bastante na Faculdade de Direito.

— Olá! — Uma loura alta e magra apareceu ao lado da Maura e olhou para a Nancy. — Eu sou a Robin, a outra gestora de recrutamento. Posso tratar de si aqui.

Agradeci à Maura pela ajuda e enfiei a pasta na minha bolsa. Ela piscou o olho.

— Adoro a sua bolsa. — Sorri-lhe e dirigi-me à secção de elevadores correspondente aos andares 35 a 45, onde estavam três mulheres de fato à espera. Rezei para que elas não fossem para o 45.º andar. Devia ter vestido um fato. À exceção da Carmen, vou ser a única com um estilo empresarial casual. Todos os homens estarão de fato. agora, onde está a Carmen? Devia ficar ao lado dela para não me destacar.

— Alex! — entoou a mais alta do trio na minha direção.

Fitei-a.

— Carmen! Olá!

Senti o rubor a subir do meu peito para as minhas faces, enquanto assimilava o fato azul-marinho de corte perfeito, um que eu experimentara, mas decidira que era demasiado caro.

Ela puxou-me para me abraçar e fiquei com as mãos desajeitadamente coladas nas laterais do meu corpo.

— Vieste de fato — disse eu, obrigando a minha voz a soar calma.

— Enviei-te uma mensagem! Mas estás fantástica! — A Carmen estava radiante. Os olhos azuis muito claros, quase translúcidos, examinaram-me atentamente de alto a baixo. Baixei os olhos para o meu telefone e vi uma mensagem dela, de há quatro minutos. Supus que a tivesse enviado enquanto eu estava no metro. Quando já era demasiado tarde. Não sei porque ouço a minha mãe, pensei. Ela não faz a mínima ideia.

Antes de poder responder, a Carmen virou-se para as amigas.

— Esta é a Jennifer e a Roxanne. Andámos juntas na faculdade.

— Olá! — disse a Jennifer de forma cordial, e os grandes olhos castanhos dela denunciaram uma certa ansiedade sob a franja loura volumosa.

— Olá! — disse a Roxanne com um aceno de mão. — Não sei porquê, mas estou tão nervosa! Riu-se enquanto afastava o cabelo castanho-avermelhado da frente dos olhos. Era minúscula e adorável, como a boneca de cabelo ruivo da marca Cabbage Patch Kids que eu tinha em cima da minha cama quando era criança.

— Eu também! — Os meus ombros descontraíram, grata pela confissão dela. Dois homens de fato com placas de identificação da Klasko aproximaram-se de nós, rindo-se uns para os outros, e seguiram-se abraços cordiais entre os cinco, enquanto eu ficava de lado, a observar os jovens profissionais calmos a porem a conversa em dia.

— Olá! Eu sou o Kevin — disse um dos rapazes, virando-se para mim e estendendo-me a mão. Obriguei-me a olhá-lo nos olhos, apesar do cabelo cheio de gel e espetado dele. Será que os homens ainda usam o cabelo espetado?

— Alex. — Sorri, mas senti inveja do verão que tinham passado a conhecerem-se uns aos outros e a aprenderem como funcionavam as coisas na Klasko. Tudo enquanto ganhavam seis vezes mais do que eu no meu estágio sem fins lucrativos.

Embora já tivessem passado doze anos desde o sétimo ano e eu tivesse agora uma vida social saudável, uma licenciatura em Direito e braços razoavelmente tonificados, senti-me da mesma maneira de quando fui obrigada a comer sandes de peru sentada numa sanita na hora de almoço ao longo de uma semana no sétimo ano, quando a Sandy Cranswell, a abelha-rainha da nossa turma, decidiu que me odiava por eu ter «ombros de homem», por causa da natação, por isso ninguém se sentaria ao pé de mim no refeitório. Não demorara muito até o Zach Schaeffer se ter tornado meu amigo no autocarro misto para as finais estatais, e o grupo de amigos dele do oitavo ano seguiu-lhe as pisadas, colocando-me novamente nas boas graças da Sandy, mas eu ainda me lembrava da ferroada dela.

Nós os seis enchemos o elevador com outras pessoas e, enquanto todos conversavam entusiasmados, fiquei na parte de trás e fechei os olhos por um instante, desejando desesperadamente que a gota de suor que escorria pela minha espinha abaixo se evaporasse antes de atingir a blusa.

Assim que o nosso elevador se esvaziou no 45.º andar, vimos um pavimento de tábuas largas de carvalho que sustentava uma secretária moderna de mármore na receção, rodeada por luxuosos sofás e poltronas de cabedal castanhos. Só me lembrava vagamente do espaço, de quando viera à entrevista há quase um ano. Mas, nesse dia, estivera demasiado nervosa para apreciar o quão bonito era o espaço do escritório. Duas mulheres e um homem, todos parecendo estar na casa dos vinte anos, encontravam-se sentados por trás da secretária, com auscultadores na cabeça. Assim que nos viram, estamparam sorrisos nos rostos, sem interromperem os respetivos coros de «Para onde deseja que passe a sua chamada?» e «Um momento, por favor». Uma placa onde se lia «Orientação para Associados do Primeiro Ano» guiou-nos ao longo de um corredor ladeado por salas de conferência com paredes de vidro.

As portas para a nossa sala de reuniões tinham sido abertas para nos receber e as cortinas haviam sido afastadas para expor a vista para sul, que parecia abranger toda a cidade de Manhattan abaixo da Rua 55. A frente e o centro do edifício MetLife estavam no centro das atenções; ao longe, a Freedom Tower mostrava-se refletiva e inabalável; o Empire State Building parecia apressar-se com uma confiança impossível em direção aos céus, como se desafiasse o Chrysler Building para uma batalha de vontades; e do lado mais à esquerda, a ponte de Brooklyn estendia-se, de modo sonolento, sobre as águas prateadas do rio East.

Uma mulher com um fato de calças cinzento estava de pé no pódio a observar-nos com um sorrisinho, enquanto absorvíamos tudo.

— É impressionante, não é? — anunciou ao microfone.

Livro: "O Clube dos Rapazes"

Autor: Erica Katz

Editora: Edições Chá das Cinco

Data de lançamento: 5 de agosto

Preço: 16,93 €

Alguns dos meus colegas do primeiro ano sentaram-se, alguns na conversa, e apercebi-me de que nenhum dos outros estava maravilhado com a vista. Devem ter-se habituado durante o estágio como associados de verão. Descontraí ligeiramente, porém, ao reparar com alívio que várias das cinquenta e duas novas colegas também vinham de saia e blusa. De forma disfarçada, afastei-me da Carmen, Roxanne e Jennifer, para não me destacar como estando mal vestida e sentei-me entre o Kevin e um afro-americano com um fato azul-marinho e um lacinho vermelho salpicado com florzinhas amarelas.

O rapaz com o lacinho inclinou-se para mim e apontou para a gravata do Kevin: cor de laranja com cachorrinhos, com um nó Windsor duplo que lhe fazia parecer o pescoço ainda mais magro do que realmente era.

— Ferragamo?

— Eu… hum… — O Kevin virou a gravata e baixou o olhar para a etiqueta.

— Sim! Acho que estou a usar o uniforme! — Riu-se e estendeu a mão. — Sou o Kevin.

O outro homem apertou-lhe a mão com um piscar de olhos. — Gosto do teu cabelo espetado, meu. — Encolhi-me, embora ele não parecesse, de todo, estar a gozar com o Kevin.

— Sou o Derrick. Passei o último verão no escritório de LA, por isso sou o tipo novo — explicou o Lacinho, recostando-se e levando a mão ao coração antes de a estender para mim. Era atraente, com maçãs do rosto bem demarcadas e um maxilar quadrado, mas também tinha estilo e um grande sorriso que desfez o nó que se vinha formando entre as minhas omoplatas.

— Alex — disse eu, apertando-lhe a mão. — Passei o último verão no Centro de Apoio às Famílias. — Acenou brevemente com a cabeça, reconhecendo o nosso ponto em comum de recém-chegados.

— Bom-dia a todos. — A mulher de fato de calças cinzento na frente da sala falou para o microfone e todos nos calámos de forma obediente. — Sou a Eileen Kasten. Sou sócia na área de contencioso e diretora do vosso programa de formação do primeiro ano. Ao longo dos vossos primeiros oito meses na empresa, terão formação sobre práticas empresariais gerais todas as segundas-feiras de manhã. Esperamos que passem estes primeiros meses a aprender o máximo que puderem sobre o máximo possível de áreas de prática, para que possam tomar uma decisão informada sobre a área em que gostariam de trabalhar para o resto da vossa carreira. Daqui a oito meses, candidatar-se-ão a um grupo de prática que será responsável pela vossa formação acerca das especificidades da respetiva prática. Vocês atribuem uma classificação a essa área. Essa área atribui-vos uma classificação. Vocês são admitidos. Toda a gente, os cinquenta e dois, acaba satisfeita.

O Derrick bufou e revirou os olhos.

— Pelo menos metade de nós ficará desiludida — sussurrou-me. — Não há vagas suficientes para toda a gente nos melhores grupos de prática. — Não pensara que qualquer um dos grupos de prática fosse considerado melhor que os outros, só que a área de fusões e aquisições era considerada mais intensa.

Ela prosseguiu.

— Por hoje, quero que se conheçam uns aos outros. Olhem para a vossa direita. — Olhei para a parte de trás da cabeça brilhante e cheia de gel do Kevin. — Essa pessoa estava entre os quinze por cento melhores de uma das faculdades de Direito entre as quinze melhores do país. Olhem para a vossa esquerda. — Virei-me e dei com o Derrick, de olhos trocados e a língua de fora a meros centímetros do meu nariz e tapei a boca para me impedir de rir alto. — Essa pessoa estava entre os dez por cento melhores de uma das dez melhores faculdades de Direito do país. — Fez uma pausa dramática. — Como é que sabem se isso é verdade?

— Estamos todos entre os dez por cento melhores das dez melhores faculdades de Direito — gritou o Derrick na direção do pódio.

— Como se chama? — perguntou a mulher.

— Derrick Stockton — respondeu ele com uma confiança que invejei.

— É exatamente isso, Derrick Stockton. A intenção disto não é intimidar nenhum de vocês. Muito pelo contrário, o objetivo é deixar-vos descansados. Este é o vosso lugar. Mas também serve de aviso para o facto de não se distinguirem uns dos outros meramente através da inteligência. Pelo menos, não com facilidade.

Engoli em seco e comecei a arrancar a minha cutícula.

— Que monte de tretas. Só clichés — resmungou o Derrick por entre os dentes. Tirou uma drageia de menta do bolso e meteu-a na boca. — Queres uma?

— Oh, céus. — Pousei a mão sobre os meus lábios. — Preciso de uma?— O Derrick fitou-me por um instante e depois estreitou os olhos em jeito de brincadeira.

— És um bocadinho maluca, não és? Gosto disso — sussurrou. — O teu hálito está ótimo. Só estava a ser educado.

— Estou nervosa — admiti, aceitando a drageia.

— Quem é que não está? — Sorriu, acalmando-me instantaneamente.

— … esperamos que demonstrem ética de trabalho. Motivação. — A mulher em cima do pódio movia a cabeça automaticamente de um lado para o outro da sala. — Tenacidade. Esperamos que sejam esponjas. Estão aqui, porque são o melhor que as faculdades de Direito americanas têm para nos oferecer. Já agora, o mesmo se aplica às faculdades de Direito do Reino Unido, Alemanha, França, Japão, Hong Kong, Brasil e Austrália que formaram os vossos colegas internacionais. Por falar nisso, no início de fevereiro, terão a oportunidade de conhecer todos os vossos colegas de primeiro ano, na Academia do Primeiro Ano em LA. Como devem saber, somos não só a maior, como, indiscutivelmente, a melhor sociedade de advogados do mundo. Temos a força de duzentos e cinquenta advogados em trinta e sete escritórios em todo o planeta. O nosso presidente da área de contencioso foi o anterior diretor da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários. Vendemos ações do Facebook ao público. Somos a empresa que defendeu a ação afirmativa para a Universidade do Michigan. Nós…

— Eles adoram como o raio dizer a toda a gente que defenderam a ação afirmativa. Como se isso fizesse com que eles não fossem racistas ou algo do género — sussurrou o Derrick ao inclinar-se para mim.

Enquanto a Eileen falava com um tom monocórdico no pódio, olhei de relance pela sala, sentindo a energia nervosa dos meus novos colegas, apesar dos rostos plácidos. Fiquei maravilhada com as gravatas novas e os fatos à medida, os saltos altos brilhantes e os colarinhos engomados, os equivalentes adultos de sapatilhas brancas reluzentes no primeiro dia no infantário. Olhei para a frente, para as raparigas de Columbia que estavam a ensanduichar a Carmen, com os fatos subtilmente diferentes e alisei a minha blusa instintivamente como reação.

Dei com o Derrick a olhar para mim de forma consciente.

— És uma sortuda — disse ele calmamente.

— Hã?

— Ninguém sabe ao certo o que significa «estilo empresarial casual» para as raparigas. Podes usar o que quiseres. O que todos sabemos é que é uma demonstração de moda. — Calou-se por um instante. — Para que saibas, tens razão. Os fatos são vestuário empresarial. Tu estás vestida num estilo empresarial casual.

— Tu estás de fato!

— Eu estou sempre em modo empresarial, querida. — Piscou o olho; dos meus lábios cerrados escapou-se outra gargalhada. Não ouvi o fim do discurso simultaneamente intimidativo e motivador, mas fomos dispensados, de repente, para o 40.º andar, para a formação tecnológica. Ao percorrermos o corredor em massa até ao elevador, passámos por uma sala de conferências envidraçada, onde seis homens brancos com fatos escuros estavam sentados à volta de uma mesa de madeira robusta e lustrosa.

— Aqueles tipos, provavelmente, são da área de fusões e aquisições — disse o Derrick, com a cabeça inclinada.

— Como é que sabes? perguntei, olhando fixamente para lá do vidro.

— Por causa da maneira como estão sentados. E do que têm vestido. De como se apresentam. — Olhei para ele com uma sobrancelha erguida. — Como autênticos parvalhões. Os parvalhões mais bem pagos, mais respeitados da Klasko. É o grupo mais competitivo para o qual podemos candidatar-nos. Também era assim no escritório de LA. E em todo o lado, acho eu. Quais foram os grupos em que disseste que estavas interessada no questionário que eles enviaram?

— Coloquei a área do imobiliário — murmurei, com a esperança de ser bem aceite. Olhei para trás, para os homens na sala de conferências e para os clarões intermitentes de luz lançados dos pulsos deles a partir dos relógios e botões de punho. Estavam todos bem arranjados e bem vestidos. Tinham olhares concentrados e pareciam desempenhar um papel precisamente na cena que se pode visualizar quando nos pedem para imaginarmos uma reunião em curso no mundo empresarial americano. Talvez por isso me tenham feito sentir um pouco fascinada.

Um deles, que parecia ser mais novo do que os outros, ainda tinha um fato de corte magistral, cabelo brilhante e pele bronzeada na perfeição. Vi que o Derrick tinha razão. Não tinha a ver só com o vestuário deles ou só com a intensidade dos olhares ou só com a maneira como os joelhos deles se afastavam com confiança debaixo da mesa. Era uma combinação de tudo isso. De certo modo, pareciam mais importantes do que todos nós, do que eu. À medida que o Derrick e eu percorríamos o corredor, comigo a rodar o pescoço para os manter no meu campo de visão, esforcei-me para descolar os olhos deles. Quando, finalmente, virei a cabeça para a frente, lembrei-me dos boatos relacionados com o número astronómico de horas que eles faturavam e dos clientes exigentes que atendiam. O brilho deles foi desaparecendo da minha memória enquanto prosseguia para a nossa sessão seguinte.