Formado em design gráfico, Ricardo Nicolau sempre teve “a paixão do desenho, da pintura e, principalmente, do mar e da Natureza”. O trabalho que apresenta na exposição “Bonecos Salgados”, patente no LU.CA — Teatro Luís de Camões, no âmbito do ciclo +Azul, surgiu quando decidiu juntar a “expressão artística com uma preocupação ambiental” e “usar um material tão valioso, o plástico, usado irresponsavelmente”, para fazer arte.

Em “Bonecos Salgados” há isso mesmo, bonecos, rostos de personagens criados com pedaços de plástico que Ricardo recolhe em areais, sobretudo perto do Porto, onde vive, e que utiliza tal como estão, sem os cortar ou partir.

“[Ao criar rostos e figuras] interessa-me o exercício de autoconhecimento e de nos vermos a nós próprios, não só enquanto indivíduos mas também enquanto espécie. De percebermos o nosso lugar aqui no planeta, que fazemos parte de um grande ecossistema vivo e que temos que ter cuidado porque estamos a afetá-lo com o nosso ego enquanto espécie”, explicou à Lusa, durante a montagem da exposição.

Um dos rostos, por exemplo, foi construído com tampas de bidons de gasolina, tampas de latas de tinta, um pedaço de um carrinho de supermercado — “parece que é um divertimento entre os jovens universitários atirar carrinhos para dentro dos rios” — e “objetos que são difíceis de identificar, ‘tupperwares’ ou brinquedos de praia que as crianças enterram na areia — ficam lá e no inverno vêm as ondas e desenterram tudo –, tampinhas, e material de pesca”.

Em 20 anos de recolhas em areais já encontrou de tudo, “desde drones a dentaduras, vai tudo parar à praia — as sanitas vão dar ao mar e há muitas coisas que caem”.

“Os cotonetes, que ainda se usam — e nas ETAR [Estações de Tratamento de Águas Residuais] eles são obrigados a abrir para deixar aquilo sair — e as toalhitas dos bebés são problemas graves; o esferovite… mas encontra-se de tudo nas praias”, reforçou.

Ricardo Nicolau acaba por organizar alguns objetos em ‘coleções’ e tem uma com “mais de 200 cabeças de bonecas, que é uma coisa que aparece muito”.

A par do problema do plástico que aparece nas praias, Ricardo Nicolau alerta para “o facto de o plástico se partir e se tornar um microplástico que, aí sim, vai envenenar todo o ecossistema”.

“Os biólogos explicam porque é que os animais estão mortos na praia, porque estão com a barriga cheia de plástico, que confundem com comida. São coisas que basta ir à praia para ver que estão aí e que estão, sem dúvida, a piorar”, salientou.

Na exposição, além das figuras há também duas estantes onde foram colocados vários objetos, entre os quais um frasco de protetor solar e cordas de pesca, tal como foram encontrados no areal.

Todos esse objetos foram recolhidos por Ricardo Nicolau perto do Cabo da Roca, esta semana. Lembrando que “a parte principal neste trabalho é limpar”, o artista contou que, quando chegou a Lisboa, contactou Ricardo Ramos, do projeto Xico Gaivota, e combinaram uma sessão de limpeza, para “assim completar a exposição com lixo apanhado cá”.

“Entre descer e subir [as rochas, com recurso a cordas] foi meia hora de recolha. São praias inacessíveis, por isso o lixo acumula”, contou.

Nas estantes, os objetos foram agrupados por cores, numa delas ficaram os que têm tons verdes e azuis e, na outra, os laranjas e vermelhos. E há uma razão para tal ter acontecido.

“Há esse lado do plástico, que é como quando vamos ao supermercado, [têm] sempre cores muito fortes. E eu, como artista, gosto muito de pintar cores e fazer paisagens também [e] outro tipo de trabalhos, usando essas cores, que são quase como brinquedos, para nos estimular a mente”, referiu.

Na exposição, esse agrupamento por cores “também serve como uma ironia”. “Nós, enquanto espécie, se calhar também somos um bocado crianças, porque fazemos birra e porque queremos ter conforto e consumir irresponsavelmente e não temos juízo, não crescemos, estamos a precisar de crescer mais”, disse Ricardo Nicolau.

No local onde está a exposição foram também colocados uns bancos, feitos a partir de grades para transportar garrafas ou caixas, que inicialmente foi decidido colocar à porta do teatro.

Mas, como alguém podia achar que se tratava de lixo colocado na rua e não em contentores, como se vê com alguma frequência, acabaram por ficar dentro de portas.

“Bonecos Salgados”, de entrada livre, fica patente no Entrepiso do LU.CA até 02 de fevereiro, data em que termina o ciclo “+Azul”, dedicado ao planeta Terra e que inclui debates, passeios a jardins, oficinas, cinema e leituras encenadas.

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