Já sabíamos ao que iríamos, estava programado, foi noticiado por todos os meios de comunicação e mais alguns. Marcelo Rebelo de Sousa subiu mesmo ao Palco Mundo do Rock in Rio-Lisboa para, na companhia dos Xutos & Pontapés, interpretar “A Minha Casinha”, canção com uma história curiosa: começou por ser de Milú, na década de 40, foi apropriada pelos Xutos e é, nos dias que correm, de todos os portugueses – quase um símbolo máximo da expressão lusitana, novo hino ecoando nas guelras de todos quantos se dizem orgulhosos por fazer parte deste povo, e mesmo daqueles que o não dizem. Bastou para tal ser a canção da vitória da seleção nacional de futebol no Europeu de 2016, essa vitória arrancada a ferros como que num passe (ou, nesse caso, remate) de mágica.

Durante o final de tarde do terceiro dia do festival, “A Minha Casinha” foi dos portugueses e de um em particular: Zé Pedro, guitarrista da banda falecido em novembro passado, e que mereceu dos presentes (mais) uma sentida homenagem. Não o poderia ser de outra forma já que, no fim de contas, era ele a nossa maior estrela rock. Talvez apenas ofuscado, esta tarde, pela presença do Presidente da República, sobre quem estiveram voltadas todas as atenções, e que se rodeou de outras altas figuras de estado, como o Primeiro-Ministro António Costa, o Presidente da Assembleia da República Ferro Rodrigues e o Presidente da Câmara de Lisboa Fernando Medina. Porque Marcelo pode não ser populista, conforme insinuou num encontro recente com Donald Trump, mas é de facto uma popstar; basta-lhe aparecer, sorrir, acenar, e todas as câmaras, olhares e gestos apontam na sua direção. Mal o seu rosto surgiu nos ecrãs que ladeiam o Palco Mundo, o público reagiu em tons efusivos, não mais o largando até ao final, em que Marcelo se junta à banda e, como se tivesse ele próprio dado o concerto, agradece aos presentes com uma vénia.

Antes desse momento, os Xutos & Pontapés mostraram uma vez mais ser uma máquina rock bem oleada, entoando temas que, pela sua omnipresença no imaginário coletivo, quase diríamos já fazer parte do ADN de cada português: “Circo De Feras”, “Ai Se Ele Cai”, “Para Ti Maria”, “Contentores” ou “Homem Do Leme” não faltaram. Sendo que “Para Ti Maria” reavivou uma vez mais Zé Pedro, recuperando uma gravação de um concerto dos Xutos no Restelo para uma espécie de espetáculo virtual, no momento em que a chuva – não a dissolvente – começou a bater ainda com mais força.

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De facto, foi a chuva o principal problema deste terceiro dia. Já se adivinhava a sua presença há alguns dias, mas ainda assim conseguiu surpreender e encharcar centenas de festivaleiros incautos que se terão esquecido dos seus impermeáveis em casa (ou pura e simplesmente não terão querido saber). E terá motivado muitos outros a ficar em casa, já que ao longo do dia não se assistiu à enchente que pautou o concerto de Bruno Mars, há uma semana. Hoje, até foi possível chegar atrasado e ocupar um lugar bem próximo do palco, o que seria impensável em outras situações.

Foi isso que fizeram os fãs dos Killers, que deram aquele que era certamente o concerto mais aguardado do dia. Ao longo de hora e meia de concerto, a banda norte-americana mostrou-se coesa e competente, com o vocalista Brandon Flowers a apresentar-se em palco de blazer e andar confiante, como se fora a última estrela rock do planeta. Não é, mas ninguém acreditaria nisto depois de o ver a correr pelo palco, a cantar sempre no tom e a puxar pelo público de uma forma que só um Freddie Mercury conseguiria.

Arrancando não com música mas com confettis, os Killers regressaram a Portugal para apresentar um novo álbum, “Wonderful Wonderful”, mas foram os temas mais antigos que fizeram as delícias dos fãs, sobretudo aqueles retirados a “Hot Fuss”, primeiro álbum da banda. Até porque foi aí que os Killers mostraram que, de facto, não vinham ao mundo para brincar; vinham para criar grandes temas pop, épicos, melódicos, aos quais juntavam o ardor das guitarras elétricas e de uma eterna juventude. Depois cresceram, optaram pelo estrelato e não pela autenticidade. A energia e o suor deram lugar à pompa e aos néons da Las Vegas de onde são naturais. “Bem-vindos ao nosso maravilhoso, maravilhoso espetáculo...”, arriscou Flowers em português, definindo na perfeição aquilo que é hoje um concerto dos Killers: espetáculo e pouco mais.

A multidão foi correspondendo como pôde e como queria: com aplausos, com gritos, com saltos, entoando os versos das canções dos norte-americanos e acatando cada ordem de Brandon Flowers, que claramente aprendeu uma coisa ou outra com a sua religião (nasceu mórmon e assim morrerá); em palco, o vocalista mais parece um pregador, parecendo estar sempre a tentar puxar Deus para baixo para que ele contemple os Seus filhos e, quem sabe, arrisque algum headbanging... Caso não Se limite apenas a entoar, como um mantra, uma das frases mais icónicas do rock do século XXI: I got soul, but I'm not a soldier, de “All These Things That I've Done”.

Horas antes, os James haviam demonstrado porque motivo são uma das bandas estrangeiras que mais vezes tocou em Portugal (contando com este, já somam 31(!) concertos por cá). Ainda que a sua sonoridade já se encontre algo datada – fusão de rock psicadélico com música de dança, tão em voga no início dos anos 90 –, a banda de Tim Booth continua a dar um bom espetáculo e a espalhar sorrisos nos rostos do público, recuperando temas que perduram na memória dos fãs da velha guarda como “Sit Down” ou “Laid”, indispensáveis em qualquer um dos seus concertos. E houve ainda espaço para algumas canções novas, que pareciam ter a mesma temática: Donald Trump e “a Casa Branca fascista” que este lidera.

Perante pouco público (alguns milhares de pessoas, o que para um festival da dimensão do Rock in Rio é muito pouco público), os James tentaram fazer esquecer a chuva que caía o mais que puderam, com Booth a lançar-se por diversas vezes para o meio do povo, arriscando até o crowdsurfing e dando uma lição aos que não largaram os telemóveis para captar as suas incursões: “eu quero ver a vossa cara e não os vossos Samsung...”. É, já ninguém vê concertos como antigamente: vivendo o momento. E o momento partiu não dele mas do seu guitarrista, Saul Davies, residente no Porto há largos anos e que terminou o espetáculo da forma mais nortenha possível, chamando o colega ao palco: “anda, filho, anda, estás tão magro, precisas de comer mais...”.

Já depois da debandada geral após o fim do concerto dos Killers, os Chemical Brothers subiram ao palco principal para fazer aquilo que andam a fazer há já uns bons anos: mostrar todos os seus êxitos num set bem pensado e coadjuvado pelos visuais que os acompanham. O único senão é que, se os vimos uma vez, já as vimos todas. Mesmo assim, não dançar desafogadamente temas como “Hey Boy Hey Girl”, “Go” ou a sua remistura de “Temptation”, dos New Order, é não ter coração.

O Rock in Rio termina este sábado com concertos de Hailee Steinfeld, Ivete Sangalo, Jessie J e Katy Perry – e com o jogo entre Portugal e o Uruguai, que será transmitido nos ecrãs do Palco Mundo.

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