Ruílhe, Braga. Ano 2015. Havia sonhos, planos e vontades. Um deles, passava por organizar algo que trouxesse alguma coisa especial à terra que os viu crescer. A ideia de fazer o Rodellus nasce como tantas outras: à mesa de um café. Foram uma série de conversas inacabadas e que se prolongaram por anos a fio, sem que a coragem desse forma a um conceito muito falado e discutido, num grupo de amigos que somente queria mais. Mais para si, mais para a sua freguesia. É então que surge o Rodellus Music Fest, a 12 quilómetros de Braga, 48 do Porto e a 360 de Lisboa.
"Antes de mais é preciso contextualizar: Ruílhe estava — e ainda está — a uma reforma administrativa de perder a sua identidade cultural. A história das suas gentes e todos os seus costumes deixam de pertencer a território, que mais que um nome, é uma herança", começa por dizer ao SAPO24 Jorge Dias, presidente da Rodellus — Associação Cultural e um dos fundadores do festival.
De volta à casa de início: março de 2015. Na verdade, não foi assim há tanto tempo. Porém, confessa-nos Jorge Dias, parece uma eternidade, tal foram as coisas que a equipa já aprendeu e mudou. Não obstante, a data marca um momento único para as hostes campestres deste lugar minhoto, um momento de viragem.
"O desafio? Criar um festival que celebrasse as culturas alternativas e subculturas urbanas. O objetivo? Aumentar a visibilidade da freguesia, retirar o estatuto de ponto de passagem e tornar Ruílhe num ponto de paragem. Um porto seguro para a expressão artística numa região onde esta teria muito mais impacto, pela total alienação cultural que era vigente", explica Jorge.
E o nome? Porquê Rodellus? Ainda que soe bem e seja engraçado ao ouvido, não é nada comum.
"Porquê? Porque queríamos ir contra a maré e não a favor dela. Ruílhe já faz história desde 1220, da qual te vou mostrar uma citação retirada directamente [e obriga-nos a lê-la no seu dispositivo móvel] do site da junta dessa muy nobre freguesia".
“A própria toponímia indica a antiguidade do seu povoamento, já referenciado na época da romanização. Talvez se relacionem com esta antiguidade os topónimos Arentim, evidente genitivo medieval, significando eventualmente a "villa" de um Arentinus, ou Arentini "villa"; Silva, talvez de Silvana, "villa" de Silvanus; Bagoim; Noversi (séc. XIII), etc. Topónimos de origem germânica também não faltam, estando entre eles o principal, Ruílhe (em 1220, Ruili, em 1258 Royli) que corresponde ao genitivo do nome pessoal hipotético Rodellus.
Após a primeira edição, "feita a quatro pancadas e mais de meia dúzia de suspiros", Jorge garante que nos últimos anos Ruílhe teve bastante gente e projeção. E, conta, essa validação exterior só fez levitar ainda mais o espírito deste “bando de rapazes” — parafraseando Zé Pimenta, alma e coração do festival, segundo nos dizem —, acabando por conduzir à "formalização de um grupo informal". Nascia assim a “Rodellus – Associação Cultural”, com 23 sócios fundadores, corria o mês de novembro de 2015.
O festival tem lugar numa quinta que estava parcialmente abandonada. Face à necessidade de a adequar a este tipo de eventos, fizeram as adaptações necessárias para receber os convidados — sem nunca a descaracterizar. A decoração é toda feita à base de materiais e utensílios da vida agrícola. No recinto, as comidas são servidas ao sabor do arraial rural, "onde não falta o porco no espeto, o bom vinho verde do Minho e também a fruta típica". Pelo meio, há espaço ainda para um jardim "digno do imaginário do Mark Twain" e paredes graffitadas. E muito material reutilizado, o mínimo sintético possível. "Para que se possa respirar o campo".
Na edição de 2016, o Rodellus Music Fest perdeu o Music Fest e ficou só Rodellus. Passaram por lá 3500 pessoas, segundo a organização. Em 2017, 3500 seria "algo muito bom".
O cartaz da terceira edição promete variedade. Algumas das bandas já são mais conhecidas do público festivaleiro, outras já andam a despertar interesse aos ouvidos mais curiosos. Falamos de Stone Dead, Conjunto Corona, First Breath After Coma ou The Sunflowers.
Com estes nomes, a organização considera que está garantida a qualidade, ao mesmo tendo que se reforça a aposta na música nacional. Quanto a nomes estrangeiros, os Fai Baba, nascidos de adubo suíço e nova-iorquino, prometem anunciar em bom tom a descoberta de novas sonoridades, enfatizando a suavidade e o vigor que "tão bem caracterizam a atmosfera do Rodellus".
No entanto, deixam-nos a garantia. "Não é fácil fazer um festival destes" porque "não é pegar no telemóvel e ligar para os contactos e 'ativar' serviços".
Jorge Dias explica que quer isto dizer. "'É preciso 'penar', como dizia Zé Pimenta. E a razão estava toda do lado dele. Trabalhámos arduamente para que 'este bando de rapazes' aprendesse um pouco de tudo. Contabilidade, planos logísticos e infraestruturais, planos de segurança, hosting, transfers, backline, Kwh, change over’s, stage management, gestão de recursos. Terminologias e conceitos que aprendemos à medida que desenvolvemos um dos festivais mais bonitos e, acreditem, isto foge muito às formações académicas de cada um", confessa.
"A organizar, há um bioengenheiro, um jornalista, um web developer, uma enfermeira, uma bioquímica, um gestor turístico e tantos outros com backrounds completamente diferentes. Mas com a humildade de aprender e a coragem de o fazer, independentemente das adversidades. Convidamos todos a visitar este pequenino festival em tamanho, mas enorme em beber da boa disposição dos seus visitantes", diz Jorge Dias.
É preciso fazer sacrifícios. Abdicar da vida pessoal. Dar parte do seu tempo para que as coisas sejam feitas. E se a própria vida já tem a azáfama que chegue, esta gente tem uma vida dupla. De dia engravatados, como manda a convenção social e laboral, à noite de fato-macaco e bolhas nas mãos a construir um lugar na história. A finalidade? "Para que sejam os nossos filhos a contá-la e para que tenham orgulho de dizer de onde vêm os pais", responde Jorge Dias.
Mas não se pense que só de espírito festeiro se faz este ecossistema em Ruílhe. Há também toda uma preocupação ambiental. É que o Rodellus foi um dos premiados pelo Fundo Ambiental no âmbito do programa ‘Sê-lo Verde’, pois tem a intenção de rumar à sua validação enquanto evento verde e "eco friendly". Mais: nesta edição serão introduzidas as Sessões Rurais, que promovem a solidariedade e a inclusão. Poderá saber de mais curiosidades, novidades e outros tantos no Facebook.
Os passes para os três dias do festival custam 15 euros, o diário 10. Há possibilidade de campismo e de tomar um banho na praia fluvial de Cunha. Devido às parcerias com a CP (a saída de comboio fica a 100 metros do recinto) e com a TUB-Transportes Urbanos de Braga, ninguém se vai ver perdido no meio de um outro milharal que não traz música.
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