Nota do Autor

Como a própria guerra, a coragem no campo de batalha assume muitas formas. Este livro é sobre um estilo de guerra bastante diferente de tudo o que o precedeu, sobre uma espécie inesperada de heróis e um invulgar tipo de bravura.

O Special Air Service foi pioneiro de uma forma de combate que desde então se tornou um componente central da guerra moderna. Começou a sua vida como uma pequena força de assalto, mas veio a transformar-se na mais temível unidade de comandos da Segunda Guerra Mundial e no protótipo das forças especiais em todo o mundo, nomeadamente a Delta Force e os Navy Seals dos Estados Unidos.

Porém, ao longo de toda a Segunda Guerra, e por muitos anos depois dela, as atividades deste regimento especializado foram um segredo muito bem guardado. Este livro, que descreve as origens e a evolução do SAS durante a guerra, foi escrito com acesso total e sem precedentes aos arquivos regimentais do SAS – um acervo assombrosamente rico de material inédito, incluindo relatórios ultrassecretos, memorandos, diários privados, cartas, memórias, mapas e centenas de fotografias até agora nunca vistas.

A fonte só por si mais importante foi o Diário de Guerra do SAS. É uma extraordinária compilação de documentos originais, reunidos por um oficial do SAS em 1945, encadernado em pele num único volume de mais de 500 páginas. Mantido em segredo durante 70 anos, está agora preservado nos arquivos regimentais do SAS.

"É Desta Que Leio Isto"

"É Desta Que Leio Isto" é um grupo de leitura promovido pela MadreMedia e por Elisa Baltazar, co-fundadora do projeto de escrita "O Primeiro Capítulo”.

Lançado em maio de 2020, foi criado com o propósito de incentivar à leitura e à discussão à volta dos livros. Já folheámos as páginas de livros de autores como Luís Sepúlveda, George Orwell, José Saramago, Dulce Maria Cardoso, Harper Lee, Valter Hugo Mãe, Gabriel García Marquez, Vladimir Nabokov, Afonso Reis Cabral, Philip Roth, Chimamanda Ngozi Adichie, Jonathan Franzen, Isabel Lucas, Milan Kundera, Joan Didion, Eça de Queiroz e Patricia Highsmith, sempre com a presença de convidados especiais que nos ajudam à discussão, interpretação, troca de ideias e, sobretudo, proporcionam boas conversas.

Ao longo da história do nosso clube, já tivemos o privilégio de contar nomes como Teolinda Gersão, Afonso Cruz, Tânia Ganho, Filipe Melo e Juan Cavia, Kalaf Epalanga, Maria do Rosário Pedreira, Inês Maria Meneses, José Luís Peixoto, João Tordo e Álvaro Laborinho Lúcio, que falaram sobre as suas ou outras obras.

Para além dos encontros mensais para discussão de obras literárias, o clube conta com um grupo no Facebook, com mais de 2500 membros, que visa fomentar a troca de ideias à volta dos livros, dos seus autores e da escrita e histórias que nos apaixonam.

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Escrevi uma história autorizada, não uma história oficial; fui generosamente auxiliado pela Associação Regimental do SAS em todas as etapas da sua produção, mas as opiniões manifestadas aqui são inteiramente minhas e não as do regimento. Não é uma história exaustiva. Se tal coisa fosse possível, seria ilegível. Por motivos de espaço e de continuidade, tendi a centrar-me em pessoas e acontecimentos chave; muitos homens que desempenharam papéis valorosos nos primeiros dias do regimento não aparecem nestas páginas; algumas das maiores operações foram omitidas, para evitar repetições, e muitas das menores também.

Dei também mais relevo aos elementos britânicos do SAS do que aos seus camaradas franceses, gregos e belgas.

O Special Boat Squadron (mais tarde Special Boat Service, SBS), nasceu juntamente com o SAS, mas as duas forças separaram-se em abril de 1943 e seguiram caminhos em grande parte independentes.

A história da unidade de forças especiais navais (por notável que tenha sido), por conseguinte, não figura destacadamente nestas páginas. Isto não é uma história militar especializada, mas um livro para o público em geral e tentei manter ao mínimo as particularidades de posto, números das unidades, condecorações e outros pormenores militares quando não sejam indispensáveis à narrativa. No fim do livro consta uma lista completa das operações de guerra do SAS.

Já foram escritos muitos livros sobre o SAS. Alguns são excelentes, mas frequentemente centraram-se numa só pessoa, minimizando consequentemente o impacto de outras; alguns tendem para o hagiográfico; muitos são de certo modo musculados de mais, tendendo a enfatizar o machismo à custa da objetividade, a força física sobre a têmpera psicológica que era a marca distintiva da organização na sua encarnação inicial. Embora muitos membros do SAS ostentassem extraordinárias qualidades, eram também humanos: imperfeitos, ocasionalmente cruéis e capazes de cometer erros espetaculares.

O SAS tornou-se uma lenda, mas a sua verdadeira história contém sombras bem como luz, tragédia e maldade a par de heroísmo: é um relato de bravura e engenho sem paralelo, intercalado com momentos de incompetência absoluta, crua brutalidade e tocante fragilidade humana.

À época da sua fundação, o SAS era uma experiência e uma experiência impopular entre muitos dos oficiais do exército britânico de mentalidade mais tradicional. A ideia de inserir pequenos grupos de homens altamente treinados atrás das linhas inimigas, para levarem a cabo operações especiais contra alvos de alto valor, ia contra todas as ideias aceites de guerra simétrica, em que dois exércitos se enfrentavam num campo de batalha definido. Originalmente uma unidade britânica, formada no deserto norte-africano em 1941, o SAS atraiu combatentes do mundo inteiro: americanos, canadianos, irlandeses, judeus (da Palestina), franceses, belgas, dinamarqueses e gregos. O regimento começou pequeno e expandiu-se enormemente no espaço de três anos.

Alguns guerreiros excecionais só brevemente aparecem no que se segue, mas um punhado de indivíduos combateu no SAS desde o seu princípio até ao fim da guerra, das areias da Líbia às montanhas de França e à Alemanha, passando pelas costas de Itália. Os recrutas tendiam a ser invulgares até ao ponto da excentricidade, pessoas que não encaixavam facilmente nas fileiras do exército regular, inadaptados e réprobos com um instinto para a guerra clandestina e pouco tempo para convenções, em parte soldados, em parte espiões, guerreiros irregulares.

Eram, nas palavras de um antigo oficial do SAS, «os detritos das escolas públicas e das prisões». O êxito nas fileiras do SAS requeria uma especial maneira de ser e este livro é, em parte, uma tentativa de identificar essas esquivas qualidades de carácter e personalidade. No fim da guerra, o SAS foi dissolvido, na errónea presunção de que tais tropas especializadas já não seriam necessárias. A importância das forças especiais na prossecução da guerra moderna tem crescido constantemente desde então.

Em 1947, o SAS foi restabelecido pelo governo britânico como força de comandos a longo prazo e penetração em profundidade. O SAS nunca confirmou ou negou a sua participação em qualquer operação executada depois dessa data: de acordo com os termos da Política de Divulgação do Ministério da Defesa, as atividades do regimento no pós-guerra estão fora do âmbito deste livro e não figuram no que se segue.

As técnicas usadas pelo SAS mudaram radicalmente nas últimas sete décadas, mas a sua natureza essencial pouco se alterou desde 1941: uma força de elite utilizada em missões clandestinas, altamente perigosas, que excedem a capacidade das forças convencionais.

O Secretário da Defesa dos Estados Unidos descreveu recentemente o papel das forças especiais na execução de missões contra o ISIS, o brutal e autoproclamado califado islamita do Iraque, da Síria e (uma vez mais) da Líbia, onde a história do SAS começou há setenta e cinco anos: «Temos um braço muito comprido… Não se sabe quem pela calada da noite vos vai entrar pela janela. E é essa a sensação que queremos que toda a liderança [do ISIS] e seguidores tenham.» É a definição do papel das forças especiais que David Stirling, o fundador do SAS, teria reconhecido e aplaudido. Hoje em dia há forças especiais destacadas mais amplamente e mais eficazmente do que nunca.

O SAS esteve no fio da navalha das missões mais duras da Segunda Guerra Mundial e infligiu enormes danos – tanto materiais como psicológicos – às forças inimigas. No deserto, os raides dos grupos do SAS destruíram frotas de aviões, aterrorizaram as tropas de Rommel, executaram operações de espionagem vitais e forjaram um mito; em Itália o SAS foi a ponta de lança da invasão aliada; no próprio Dia D, ou antes dele, os homens do SAS saltaram de paraquedas para a França ocupada a fim de conduzirem operações de guerrilha que ajudaram a virar a maré da guerra. Pagaram um preço elevado, em sangue e sanidade. O inferno alucinatório da guerra ecoa nestas páginas, bem como o deleite da camaradagem, o prazer da destruição e o horror da morte sem sentido.

A coragem aparece às vezes sob formas inesperadas e em lugares distantes do campo de batalha. A história do SAS em tempo de guerra é uma trepidante história de aventuras, mas nas páginas que se seguem tentei também explorar a psicologia da guerra secreta e não convencional, uma particular atitude de espírito num momento crucial da história e as reações de pessoas vulgares às invulgares circunstâncias do tempo de guerra.

Este é um livro sobre o significado da coragem.

Prólogo

Um Mergulho na Escuridão

Num fim de tarde de 1941, cinco velhos aviões de transporte Bristol Bombay moveram-se pesadamente ao longo da pista do aeroporto inglês de Bagush, na costa do Egito, e depois rolaram para a neblina mediterrânica que escurecia. Cada aeronave transportava uma equipa de uma dúzia de paraquedistas britânicos, uns cinquenta e cinco soldados ao todo, quase os efetivos totais de uma unidade de combate experimental e intensamente secreta: o «Destacamento L» do Special Air Service. O SAS.

Ao mesmo tempo que os aviões roncavam rumo a noroeste o vento começou a aumentar, trazendo os prenúncios elétricos de uma tempestade em gestação. A temperatura interior caiu subitamente à medida que o sol escorregava para trás do horizonte do deserto. Fazia repentinamente um frio intenso.

Livro: "SAS – Heróis Fora da Lei"

Autor: Ben Macintyre

Editora: D. Quixote

Data de Lançamento: 19 de setembro de 2023

Preço: € 22,90

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O nascente SAS estava na sua primeira missão. Com o nome de código de Operação Intruso, consistia no seguinte: descer de noite em paraquedas no deserto líbio atrás das linhas inimigas, infiltrar-se a pé em cinco campos de aviação, plantar explosivos em todos os aviões alemães e italianos que conseguisse encontrar e depois, enquanto explodiam as bombas, encaminhar-se para sul em direção a um ponto de encontro nas profundezas do deserto onde os homens poderiam ser recolhidos e levados de volta para lugar seguro.

Alguns dos homens amarrados e a tremer de frio na escuridão galopante a 5500 metros de altitude eram soldados regulares, mas
outros não: contavam-se entre eles um porteiro de hotel, um fabricante de gelados, um aristocrata escocês e um internacional irlandês de râguebi. Alguns eram guerreiros naturais, calmos e sem nervos, e uns quantos estavam tocados de uma espécie de loucura marcial; mas a maioria deles estava silenciosamente petrificada e determinada a não o manifestar. Nenhum se podia gabar de estar plenamente preparado para o que estava prestes a fazer, pela simples razão de que ninguém tinha alguma vez tentado um assalto noturno em paraquedas no deserto do Norte de África. Mas já ganhara raízes uma especial camaradagem, um estranho espírito composto em partes iguais de frieza, astúcia, competitividade e determinação coletiva. Antes da descolagem, os homens tinham sido informados de que qualquer deles que ficasse gravemente ferido na aterragem teria de ser deixado para trás. Não há provas de que qualquer deles tenha achado isso estranho.

O vento tinha adquirido força de vendaval quando os fustigados Bombays se aproximaram da costa líbia, duas horas e meia depois de terem levantado voo. A areia arrastada pelo temporal e a chuva violenta obnubilavam por completo a vista das tochas no solo, largadas pela Royal Air Force para guiar os aviões para a zona do salto, doze milhas para o interior. Os pilotos nem sequer conseguiam distinguir os contornos da linha de costa. Os holofotes costeiros alemães apanharam os aviões que chegavam e o fogo antiaéreo começou a explodir à sua volta em clarões ofuscantes. Um projétil atravessou o chão de um dos aviões, falhando por centímetros o depósito de combustível. Um dos sargentos soltou um gracejo que ninguém ouviu, embora todos sorrissem.

Os pilotos indicaram que os paraquedistas deviam preparar-se para saltar – embora, na verdade, estivessem agora a voar às cegas, orientando-se por simples palpite. Os paraquedas com carga foram lançados primeiro, contendo explosivos, pistolas metralhadoras, munições, comida, água, mapas, cobertores e material médico.

Depois, um por um, os homens lançaram-se na vertiginosa escuridão.