A união entre o mar e o pinhal a minutos de casa é a porta de entrada. Coisas tão simples como respirar ar puro, andar em estradas sem fim e ver ciclistas pela manhã enquanto a praia é o destino são um motivo para sentar e estar. Ao fundo, o horizonte azul e o pôr do sol pela tarde, a maior razão para querer ficar. Dizem que é de perder a vista. No verão, o cheiro a caruma do pinheiro bravo, no inverno a brisa fria do mar bravo.

Aos domingos à tarde há sempre um dilema que teima em reaparecer. São Pedro de Moel de um lado, Praia da Vieira do outro e Praia do Pedrogão se fores sempre a direito. São opções para todos os gostos. As esplanadas enchem, as crianças passeiam de mão dada com os avós, os amigos juntam-se, a família reencontra-se depois de uma semana de trabalho e o tempo não passa, voa. Ouves gargalhadas, vês cães no areal, uns correm em pares, outros andam em grupo e à mesa não faltam imperiais e tremoços para acompanhar.

A poucos quilómetros, a Praça Rodrigues Lobo é outra tentação. O cenário é quase o mesmo, mas a paisagem é outra. É a nossa Praça do Comércio, mas em pequeno, no centro da zona histórica e onde confluem ruas cheias de graça, antigas e com muita história para contar. Mas o melhor de tudo é o castelo. Igual a muitos, só que mais bonito, e a sua beleza ressalta tanto quando é visto de longe, como se o visitarmos por dentro. Quando anoitece, é iluminado e é um dos prazeres que se deve desfrutar, olhar e fotografar.

Se recuarmos a 1870, podemos ver Eça de Queiroz que por ali passou durante um ano e onde se inspirou para escrever o romance “O Crime do Padre Amaro”, quiçá o mais demolidor texto sobre a religião católica escrito em português. Queixava-se este, constantemente, em cartas enviadas aos amigos, do tédio em que vivia e o atrofiava, das pessoas que o rodeavam, da falta de conversa, mas segundo consta, entendeu-se de forma muito amigável com uma baronesa casada, terminando este folhetim de forma burlesca.

E apesar do escritor ter retratado tão bem as pessoas de Leiria, literariamente falando, mas tão mal, realisticamente falando, hoje em dia, são várias as manifestações por tão ilustre figura ter lá vivido. É aproveitado, de diversas formas e sempre meritórias, o legado que nos deixou na sua passagem pela cidade. Mas isto são coisas do século XIX.

Em Leiria há dois templos que contribuem, com resultados opostos, para a saúde da pessoa. O santuário de Fátima, que para uns conforta a alma e o estádio de Leiria, que para outros consome o corpo. Este monstro, mesmo sem se mexer, mostrou ser um investimento perdido e uma obra que ficou por acabar, ainda que várias iniciativas culturais e sociais surjam para atenuar o seu abandono.

No entanto, nem tudo são rosas, como nos lembra o milagre da Rainha D.Isabel, uma lenda que os leirienses não esquecem e que se passou dentro das muralhas do nosso castelo.

Hoje, temos poucos transportes públicos e horários variados. Os parques de estacionamento são todos pagos e pouco nos é permitido passear pela Av. Heróis de Angola sem que um polícia zeloso não nos multe, 5 minutos após sairmos do carro. A variedade de oferta de emprego podia ser melhor e estudar fora de casa para seres o que queres ser é o que te custa mais fazer. Há infraestruturas que deviam ser recuperadas, trazendo de novo as pessoas para o centro e não tanto para os arredores, em que são obrigadas a deslocarem-se a um centro comercial. Enquanto isso, autarcas “muito preocupados” com o comércio local derramam lágrimas de crocodilo inversamente proporcionais à ação para eliminar o problema. Mas isto são coisas do século XXI.

Se falarmos de gastronomia, temos pano para mangas. A oferta é muita e a lista é grande. O inevitável peixe faz as honras da casa. O rei é o leitão, que na zona da Boavista se demarca. O melhor marisco é servido na zona da estação dos comboios e não devemos esquecer que, para se comer uma boa francesinha, não precisamos ir até ao Norte quando o Café 32 e a famosa sandes do Michel esperam sempre por nós.

Temos ainda um rio, Lis para uns, Liz para outros, e sabemos que as cidades com rio têm mais encanto. Nasce nas Cortes e corre ao contrário. Quando a nascente rebenta, ver a força com que aparece à superfície e o seu caudal de mar é sinal de que uma estação do ano nova diz "Olá" para dizer "Adeus" a outra.

No que ao futebol diz respeito, o Sport Clube Leiria e Marrazes é o clube histórico da cidade. Formou o apelidado hoje São Patrício e educou muitos jovens adultos. Representou durante largos anos a cidade em campeonatos nacionais e a sua fundação surge anos antes da mais recente União de Leiria que, neste momento, tenta voltar aos palcos principais.

Somos uma cidade de estudantes. Temos o Politécnico conceituado, mas que quer ser Universidade, com mérito. Todas as quintas-feiras, a noite enche-se de estudantes. Podemos vê-los aos magotes, de capa, formando manchas negras, enfeitando a baixa da cidade e dando vida ao que parece adormecido.

Tudo isto para dizer que: há uma liberdade diferente em Leiria. Há vida na cidade. Não há medo de ficar na rua até mais tarde. Não há filas de trânsito que duram horas. Há desporto e música. Há cultura e lazer, teatros e museus. Não há muitas pessoas que se acomodam, ficando à espera que as coisas se façam por si. Não há quem não lute para não mudar o que há para melhorar. Há talentos que se vão descobrindo e há pessoas que se vão destacando.

Muitos jovens mudam as suas vidas, as suas rotinas e os pais mudam com eles, por eles e para eles. Não vemos uma cidade parada no tempo, mas sim dinamismo. As pessoas de Leiria marcam a diferença, mas não o fazem por serem de Leiria, fazem-no porque são eles que fazem com que Leiria seja assim. Uma cidade que não vive no silêncio e pelos arredores da capital, mas sim uma cidade que tem voz para se fazer ouvir, por Portugal.

De Leiria para Lisboa, Sara Mendes divide o seu tempo pelas duas cidades. Estudou Ciências da Cultura e da Comunicação na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

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