A peça, que surge no âmbito da iniciativa “Teatro e Revolução” da Comissão Comemorativa 50 anos 25 de Abril, e de um convite lançado à companhia Seiva Trupe, divide-se em duas partes, antes e depois de Abril, num “espetáculo que oscila bastante entre linhas que vão da tragédia, ao drama, à alta comédia e mesmo à farsa”, conta à Lusa Jorge Castro Guedes, autor do texto e encenador da peça.

Na primeira parte de “Coro das Águas”, a ação decorre numa ilha “orgulhosamente só”, resultante do desvio de caudais de rios e fontes, habitada apenas por três mulheres com nomes simbólicos: a avó República, a sua filha, Silente, temente de grifos e lobisomens, seres terríveis das grutas que “prendem duendes, fadas e gnomos”, e a neta, Esperança.

Toda a ilha é vigiada por um Senhor Sinistro, que tem contactos telefónicos secretos com um ditador, com quem discute a guerra em África, e que falam de “bacalhaus”, referindo-se aos soldados, descreve Castro Guedes, à margem do ensaio de imprensa.

No final da primeira parte, aparece uma jovem chamada Abril, e tudo na ilha vai transformar-se e precipitar-se em frenesim, com cravos e músicas de Sérgio Godinho, Chico Buarque, Rolando Alarcon.

À ilha, no entanto, vai chegar mais alguém, que mais tarde se percebe ser o senhor Sinistro disfarçado. E, com ele, a ameaça do regresso ao passado de grutas e lobisomens que vigiam pessoas. A decisão fica nas mãos de um varredor que terá de escolher entre “uma fotografia do senhor que chega à ilha” e um cravo que Abril lhe oferece.

“Já dizia Eça de Queirós, às vezes uma boa gargalhada sobre uma instituição fá-la cair mais depressa do que os gritos e os protestos”, refere Castro Guedes quando comenta a parte da peça em o senhor Sinistro canta a versão do “Ó Tempo Volta para Trás”, de Tony de Matos, mas com o refrão adaptada a “Ó Povo volta para trás”.

Questionado sobre a importância das personagens femininas estarem em maioria no “Coro das Águas”, Castro Guedes relembrou uma 'deixa' da peça: mesmo nas “sociedades matriarcais, as mulheres têm o invencível poder de trazerem os filhos no ventre”, e justifica a representação da mulher na peça, porque ela é o “símbolo da maior resistência” na história.

“Não parti da ideia de fazer isto com mulheres para homenagear as mulheres, não. Apareceram-me, aconteceu. As mulheres são realmente as heroínas do dia-a-dia, são heroínas das grandes causas e são heroínas da sua maneira de ser, embora estejamos a assistir a um fenómeno estranho [nos] partidos populistas de extrema-direita: são mulheres muito estranhas”, acrescentou Castro Guedes

Segundo o encenador, o “Coro das Águas” não é, de maneira alguma, uma evocação ao 25 de Abril feito há 50 anos, porque não houve “um 25 de Abril, houve mil”.

“É um 25 de Abril dinâmico em vários aspetos. […] Não só nos transporta para momentos atuais, como também dá um enfoque a alguns aspetos do 25 de Abril, como diz a própria jovem Abril, não era um, eram mil, quer dizer: cada um tinha o seu Abril”, declarou Castro Guedes, considerando que “Abril tem de ser feito todos os dias, porque Abril não foi apenas um acontecimento naquele momento”.

A peça é para maiores de 14 anos, tem uma duração de cerca de duas horas, estreia-se no dia 1 de março, às 21:15, na Sala Estúdio Perpétuo, no Porto, e fica em cena até 23 de março.

O elenco é composto por Sandra Salomé, Jaime Monsanto, Teresa Fonseca e Costa, Mariana de São Pedro Lamego, Carolina Cunha e Costa e Fernando André.

A Seiva Trupe – Teatro Vivo é uma cooperativa fundada a 11 de setembro de 1973, no Porto, pelos atores António Reis, Estrela Novais e Júlio Cardoso.