“Carmen” é uma peça com a qual o diretor artístico daquele teatro, Diogo Infante, homenageia a atriz que, apesar de considerar grande, só compreendeu “quão importante era” quando leu as três obras que escreveu e que acaba por qualificar como “uma biografia”.

Com dramaturgia e encenação de Diogo Infante, “Carmen”, em cena no Trindade até 29 de julho — com quatro récitas incluídas no 35.º Festival de Almada — tem espaço cénico e figurino de Marta Carreiras, desenho de luz de Miguel Seabra e é uma coprodução dos teatros da Trindade e Meridional.

A estreia de hoje contará com uma homenagem à atriz pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e com a presença do ministro da Cultura, Luís Filipe Castro Mendes.

Esta peça-homenagem serve ainda de pretexto para dar o nome da atriz à sala principal do teatro onde Carmen Dolores se estreou no cinema e, mais tarde, no teatro, assinalou Diogo Infante à agência Lusa.

Uma possibilidade que faz com que o também encenador da peça se sinta “muito feliz”, ainda que seja também uma tarefa de “muita responsabilidade”, argumentou.

“Porque embora este teatro não tenha o peso institucional de alguns teatros, tenho a sorte de a Carmen ter uma história com o Trindade”, observou Diogo Infante, acrescentando que a ideia de pôr em cena esta peça surgiu quando assistiu ao lançamento do último livro escrito pela atriz.

“Vozes dentro de mim”, o terceiro livro de memórias de Carmen Dolores, editado em 2017, foi o ponto de partida, ainda que Diogo Infante tenha ido “picar” elementos aos dois anteriores volumes da atriz que se estreou no teatro, no Trindade, em 1945.

Por seu lado, a atriz Carmen Dolores afirmou-se “surpreendidíssima” e sem saber até que ponto “vale a pena um espetáculo” a partir de textos que escreveu sobre a sua vida e carreira de 60 anos.

“Ainda não vi o espetáculo, e espero que seja interessante, embora o texto ache que… enfim, que não vale muito”, afirmou a atriz à agência Lusa, a propósito da estreia de “Carmen”.

“Escrevo memórias porque me dá gozo e acho que, sobretudo, é uma maneira de falar das pessoas que, muitas das vezes, já cá não estão (…), para dar uma ideia de como era o teatro antigamente”, observou Carmen Dolores, numa entrevista à agência Lusa.

Por isso, a atriz — que se estreou no cinema em “Amor de Perdição” (1943) e, dois anos mais tarde, no teatro em “Electra, a mensageira dos deuses”, de Jean Giraudoux, no Trindade — ficou “muito admirada, surpreendidíssima mesmo”, quando Diogo Infante assistiu ao lançamento do seu terceiro livro e se mostrou interessado em pô-lo em palco.

A escolha de quem faria o papel de Carmen foi depois feita com Diogo Infante, tendo ambos concordado que “a pessoa ideal era a Natália Luiza”, disse.

“Como somos amigos os três, já tínhamos contracenado juntos n”Os espetros’, de Ibsen, e eu acho que a Natália se parece um pouco comigo, na sua maneira de ser e nas suas interrogações, decidimos que seria a Natália”, frisou.

Em 2005, “Copenhaga”, peça reposta no Teatro Aberto, assinalou a despedida de Carmen Dolores do palco, ao fim de mais de 60 anos de carreira.

“Para se poupar e viver ainda mais uns anos razoavelmente”, como afirmou na altura, em entrevista à Lusa.

Até porque o teatro sempre lhe causou uma grande angústia, o que levou inclusive a que nunca se tenha apercebido em tempo útil do quanto e como era feliz.

Só agora, “à distância” é que Carmen Dolores — nascida em Lisboa, a 22 de abril de 1924, e com uma longa carreira em que pisou quase todos os palcos das salas portuguesas de teatro — volta a citar “O marinheiro”, de Fernando Pessoa, como o fizera há 13 anos numa entrevista à Lusa.

“Éreis feliz minha irmã?”, pergunta uma veleira, ao que outra responde: “Começo neste momento a tê-lo sido outrora”.