“Se há coisa que eu não tenho medo, contrariamente à maioria dos criadores, é dos estereótipos. As pessoas têm uma grande preocupação em serem originais e eu acho que, neste momento, a originalidade é ser contador de histórias e não querer contar mais do que as histórias são”, disse aos jornalistas Natália Luiza, responsável pela dramaturgia e encenação.
“Histórias de Lisboa” estará em cena no Teatro São Luiz, em Lisboa, entre quarta-feira e o dia 16 de junho, propondo “falar de Lisboa” e do seu “processo acelerado de gentrificação”, ao longo de 125 minutos e 125 personagens, como os 125 anos daquele teatro da Câmara de Lisboa, gerido pela Empresa de Gestão de Equipamentos e Animação Cultural (EGEAC) do município.
Partindo do conceito de banda desenhada, o espetáculo tem “uma fisicalidade extraordinária”, referiu Natália Luíza, que colocou a cidade em duas camadas, recusando fazer da palavra o principal suporte das histórias.
“Há duas Lisboas. Há uma Lisboa que hoje é no rés-do-chão das avenidas, que tem a ver com ‘design’, que tem a ver com lógicas estéticas e alimentares, e uma outra Lisboa, envelhecida, que cria outro ‘layer’ no espetáculo, que é para transformar, que não foi suficientemente cuidada, e que é para alugar, e sobretudo para pôr os habitantes de Lisboa fora dela”, afirmou.
No plano térreo encontram-se as várias divisões de um restaurante, enquanto em cima habitam personagens, algumas idosas, que recebem notificações de despejo e nas varandas das quais são colocados letreiros de agentes imobiliários.
Num ambiente diverso e intergeracional, encontram-se antigos alunos do Chapitô, três alunas da universidade sénior de Marvila, estagiários da escola de representação Act, além de um núcleo de atores do Meridional.
Para a evocação da identidade da cidade, a música original e o espaço sonoro concebidos por Rui Rebelo não fogem ao fado e à guitarra portuguesa: “Não podemos fugir à carga que o fado tem. Enquanto o turista ouve o fado como qualquer coisa que é bonito, em nós ressoa a qualquer coisa que é pertença, é ADN”, sustenta Natália Luiza.
Além da mensagem política, que Natália Luiza assume, o espetáculo interpela diretamente os políticos, retratados por duas personagens que por lá passam em campanha eleitoral, falando por ‘sound bytes’ e não ouvindo ninguém.
“Que interceda por mim, que vou ser despejada? É um bom ‘slogan'”, reage uma candidata em campanha em interação com uma idosa.
É também aos políticos que acaba por se dirigir o monólogo de Maria José Povo, uma versão feminina do Zé Povinho.
Natália Luiza queria que o espetáculo fosse “um grito” que ressoasse numa “cultura de excesso de compromisso”.
“Há uma identidade da cidade que é preciso preservar, contrariamente aos valores da economia. A economia não pode ser o motor de tudo isto, é vital que as pessoas se sintam bem a habitar a cidade que é delas, e isso começa a não acontecer”, defendeu.
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