Quem ouve e escreve sobre música sabe bem o que esta expressão, dita em jeito de piada, significa: “banda NME”. Basicamente, refere-se a exemplos muito particulares de bandas rock que são empoladas pela publicação britânica com o mesmo nome, aclamadas como salvadoras de uma pátria que se parece ter perdido – o rock n' roll –, e inevitavelmente postas de parte, rebaixadas e/ou descritas como “sobrevalorizadas” por qualquer outro meio que não aquele.
Mas, de vez em quando, o NME também acerta. Assim foi com os Vaccines, que logo após o lançamento do seu primeiro single ('Wreckin' Bar (Ra Ra Ra)' / 'Blow It Up'), em 2010, foram de imediato comparados, favoravelmente, a nomes históricos como os Jesus & Mary Chain (até porque Doug Hart, antigo baixista dessa mesma banda, o produziu). Isto, poucos meses após terem colocado online uma maqueta de 'If You Wanna', descrita pelo radialista Zane Lowe como o disco mais entusiasmante do mundo (naquele momento, bem entendido). E depois da Clash ter escrito que os Vaccines poderiam revitalizar a música feita com guitarras. E depois de Alex Kapranos (Franz Ferdinand) e Marcus Mumford (Mumford And Sons) terem assistido a um concerto seu...
Não esperava que viéssemos a Portugal tantas vezes.
Bem, se calhar a NME não teve tanto peso em relação aos Vaccines como o teve com outros artistas. A banda britânica parece ter sido destinada à grandeza, logo à partida. Desde a sua formação, os Vaccines já editaram quatro álbuns, vários singles e andaram em digressão com alguns nomes de peso do rock presente e passado. Portugal já os acolheu por sete vezes – a última das quais há apenas alguns dias, na edição deste ano do Super Bock Super Bock (SBSR) – e prepara-se já para os acolher por uma oitava, quando os Vaccines fizerem a primeira parte do concerto dos Imagine Dragons, na Altice Arena, a 4 de setembro.
“Não esperava que viéssemos a Portugal tantas vezes”, admite o baixista Árni Árnason, à conversa com o SAPO24 horas antes de subir ao Palco EDP do SBSR, após lhe ter sido colocada, e ao guitarrista Freddie Cowan, a pergunta que tinha que ser feita – e que foi inspirada pelo título do primeiro álbum da banda: que esperavam eles dos Vaccines? Cowan é mais duro. “Não esperava nada. A ironia da coisa é ter começado esta banda com zero expetativas. Passei tanto tempo a sentir-me desapontado, a tentar fazer parte de uma banda de sucesso”...
Pois bem; tanto o guitarrista como os restantes membros da banda conseguiram-no. Membros esses que já não são quatro, mas sim cinco: Freddie Cowan, Árni Árnason, Justin Hayward-Young e, mais recentemente, Timothy Lanham e Yoann Intonti. Estes dois últimos juntaram-se aos Vaccines após a saída do baterista Pete Robertson, o que inevitavelmente alterou a dinâmica do grupo. Uma mudança que Cowan descreve como positiva: “Não é nada contra o Pete, mas encontrámos um equilíbrio mais natural. Desenvolvemos alguma paciência e compreensão para com os outros. Algum amor, vá. Quando se passam meses num estúdio, a ensaiar, não existe decoro... Torna-se num inferno”, afirmou. Não que esse inferno tenha sido provocado pelo baterista original, “mas, de algua forma, a energia alterou-se com nós os cinco. Renovou-se. Parece uma resposta cliché, mas foi o que aconteceu”.
O que aconteceu foi também “Combat Sport”, o novo álbum dos Vaccines, editado no passado mês de março. O processo de composição foi “frustrante, violento e moroso”, dizem, acrescentando que também se revelou “muito gratificante”. Essa violência de que falaram não é trazida, no entanto, para a vida real: “Não lutaria com nenhuma das pessoas que conheço”, diz o guitarrista. E das bandas que, no mesmo dia, atuaram no SBSR, Cowan destacou o baterista dos Temples, um tipo “p'raí com dois metros”, como alguém de quem fugir a sete pés caso a situação se complique. E poderia complicar-se bastante, considerando o fundamentalismo de alguns dos movimentos recentes que se posicionam contra a vacinação infantil. Nunca ninguém protestou os Vaccines, mas até pode vir a acontecer... E ser uma situação bem-vinda. “Falem bem ou mal, desde que falem... Devíamos ter gente a protestar à porta dos nossos concertos, a queimar os nossos álbuns. Talvez assim vendêssemos alguns”.
“Combat Sport” deu origem a uma das canções que mais tem rodado nas rádios e no Spotify, nos últimos tempos: 'I Can't Quit', três minutos e pouco de guitarras orelhudas e um refrão como um cântico de futebol. 'I Can't Quit' poderia dar azo a perguntas diversas sobre os maiores vícios dos Vaccines, mas nisto o baterista revela-se ligeiramente mais ajuizado: “Tenho vindo a descobrir que sou bastante bom a deixar os meus vícios para trás”, revelou. Do lado oposto, Freddie Cowan: “Descubro vícios que não sabia que tinha constantemente”...
Falem bem ou mal, desde que falem... Devíamos ter gente a protestar à porta dos nossos concertos, a queimar os nossos álbuns. Talvez assim vendêssemos alguns
Um desses vícios poderá muito bem ser a literatura, até tendo em conta que logo no seu primeiro single os Vaccines fazem menção a F. Scott Fitzgerald, nome cimeiro da literatura norte-americana do séc. XX e autor de O Grande Gatsby, entre outros clássicos. Cowan aponta o austríaco Stefan Zveig, cujos livros chegaram a ser queimados pelo regime nazi, como um dos autores que mais aprecia, ao passo que Árni destaca o norte-americano Harlan Ellison. E há ainda Ayn Rand. “Li A Nascente [The Fountainhead, no original] quando era muito novo, e isso fez-me descobrir o prazer da literatura. Podia enumerar mais alguns nomes, mas isso só me faria parecer um idiota”, disse o guitarrista.
Maior idiotice será, talvez, menosprezar a carreira de uma banda que já tocou com nomes como os Rolling Stones, Arctic Monkeys, Arcade Fire, Red Hot Chili Peppers ou Muse. Os nomes grandes do rock parecem ter sido quase todos “riscados” pelos Vaccines, ficando apenas a faltar aqueles com os quais já não podem tocar. “Adorava ter visto o Elvis no seu auge”, explica Cowan. “Nem sequer é tocar com ele: apenas vê-lo. Adorava ver os grandes ícones. O Michael Jackson por alturas do “Bad”, o Elvis quando lançou o primeiro disco, os Nirvana... São respostas óbvias, mas são artistas que deram origem a grandes momentos” na história da música. Óbvio é, também, o pensamento de Árni, questionado sobre se haveria alguma banda com a qual não gostasse de partilhar palco. “Não, não há nenhuma. Eu não odeio bandas. É um desperdício de energia odiar algo que se pode ignorar”.
Mais que uma lição para a música, esta parece ser uma lição para a vida. E, quem sabe, até para aspirantes a DJ, como os Vaccines já o foram, na edição de 2016 do festival de Paredes de Coura. É mais difícil escolher canções para DJ sets que para os seus próprios alinhamentos? “Sim, porque a escolha para um alinhamento é mais limitada”, refere Árni. “Só temos quarenta canções por onde escolher”. Bem, a não ser que se seja os Rolling Stones e se tenha umas duzentas. “Verdades!”. Pois. Mas, a julgar pela amostra, até agora, não será descabido dizer que os Vaccines ainda lá chegarão.
Veja o concerto do SBSR em imagens
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