O ‘luthier’ português Adriano Sérgio, que se encontra entre os 25 construtores de guitarras mais conceituados do mundo - selecionados pela National Association Music Merchants, dos Estados Unidos -, comprou 18 tonéis de vinho, oriundos da Quinta do Marquês de Pombal, num negócio que lhe surgiu casualmente.

Trata-se de seis toneladas de madeira, de um “mogno com uma espessura e uma dimensão que hoje é quase impossível encontrar”, e com a qual vai apresentar um projeto em Berlim, de guitarras artesanais “com História”, contou à agência Lusa.

Nascido em 1966, Adriano Sérgio começou a trabalhar como músico, tendo estado envolvido em projetos musicais como os Três Tristes Tigres, Goldfinger, e até com músicos como Marco Paulo, mas não estava satisfeito.

“Conseguia ganhar dinheiro com a música de que não gostava, e a música de que gostava não me permitia sobreviver”.

Decidiu então começar a fazer trabalho técnico, de reparação e assistência de instrumentos durante os espetáculos e, passado alguns anos, foi convidado para fazer parte de um espetáculo em Portugal dos Moonspell, tendo resolvido uma série de problemas, o que levou o técnico da banda, alemão, a convidá-lo para fazer a digressão com eles.

Eram os finais dos anos 1990, e foi o início de uma carreira como técnico ligado ao Heavy Metal, a trabalhar com nomes como Kreator, Ozzy Osbourne, Anthrax, Ronnie James Dio ou Type O Negative, que se arrastou até aos últimos seis anos.

Entretanto abriu uma oficina de reparação em Londres e outra em Portugal, quase em simultâneo, e teve a primeira encomenda para fazer uma guitarra.

Na altura, sugeriu um construtor inglês, e chegou mesmo pô-lo em contacto com o cliente, mas este quis que fosse ele a fazer a guitarra.

Adriano Sérgio demorou quatro anos a desenhar e a fazer a guitarra, mas depois disso começou a receber encomendas, até que conheceu Andy Manson, um construtor inglês, e “um dos gurus do mundo inteiro”, que construiu guitarras para músicos como Sting e membros de bandas como os Led Zeppelin, Jethro Tull ou Muse.

“Esse senhor viu o meu primeiro instrumento. Apesar de não ser o tipo de instrumento que ele faz, achou qualquer coisa de interessante naquilo. Viu o meu segundo instrumento e disse que eu tinha de ir a uma feira de guitarras que existe em Berlim, que é a feira mais conceituada de guitarras no mundo”, a Holy Grail Guitar Show.

Nesse encontro, foi “muito bem recebido” e as críticas elogiaram a sua “linguagem nova nos instrumentos”, assinalando que “não era fácil aparecerem pessoas com linguagens completamente novas”.

Desde aí surgiram novos convites e foi um dos 25 construtores do mundo inteiro, e o único português, a serem convidados para participar na primeira “Boutique Guitar Showcase”, da National Association of Music Merchants (NAMM), que decorreu em janeiro deste ano, nos Estados Unidos, para “construtores que fazem guitarras diferentes do normal, tudo feito à mão, com ideias diferentes, arrojadas e inovadoras”.

Adriano Sérgio participou com as suas guitarras, já com uma marca patenteada – a Ergon Guitars -, fabricadas sem químicos, nem plásticos, só com matérias naturais, feitas à medida de cada músico, e que têm um “design e um som único, muito próprios”.

Para fabricar as suas guitarras – atualmente demora cerca de cinco semanas a fazer uma -, começou por comprar madeira em empresas em Espanha e na Alemanha, que vendem exclusivamente para fins musicais, ou seja uma madeira “estável, envelhecida de forma lenta ou de forma artificial, mas bem feita”.

Entretanto, começou a procurar madeira nacional. Fez experiências com cedro, que não o deixaram satisfeito, com acácia negra da Serra de Sintra, até que um fornecedor da zona de Santarém, a quem ele pedira “mogno das Honduras”, o contactou, dizendo-lhe que encontrara uns tonéis que tinham vindo da Quinta do Marquês de Pombal.

Os tonéis pertenciam ao dono de uma quinta de produção de vinho, azeite e gado, mas tinham sido adquiridos pelo seu bisavô à Quinta do Marquês de Pombal, uma vez que as herdades se situavam na mesma zona, de Oeiras, e os proprietários se relacionavam, contou.

“Fui lá ver e qual não é o meu espanto quando vejo 18 tonéis. Estamos a falar de cerca de seis toneladas de madeira, de coisas que são raríssimas e de qualidade excelente. Estamos a falar de madeira que deve ter entre os 250/300 anos”, disse, acrescentando que “estavam lá, desmanchados, todos numerados, numa zona escura, num armazém cheio de lixo”.

Adriano Sérgio confessa que foi caro, mas que, ainda assim, foi mais barato do que o preço que é cobrado pela madeira nova, sem a mesma qualidade: a madeira nova para um corpo de guitarra pode ir de 200 a 400 euros; para um braço pode ir até 350 euros.

Na posse de tanta madeira antiga, o ‘luthier’ português falou com alguns construtores, durante uma feira em Milão, e dessa conversa nasceu o projeto de “usar esta madeira com História, madeira da nossa História, da Historia de Marquês de Pombal, da vinha de Carcavelos, para fazer um instrumento”.

“Cada um vai fazer um instrumento e vai apresentá-lo, em maio de 2019, mas vamos apresentar este projeto no 'The Holy Grail Guitar Show’", o encontro promovido pela associação europeia de construtores de guitarras, European Guitar Builders Association (EGB), em maio deste ano.

Todos os construtores envolvidos neste projeto, dos quais Adriano Sérgio é o único português, vão usar a mesma madeira, mas cada um apresentará um modelo novo.

Ainda sem saber exatamente o que vai construir, Adriano já tem uma ideia: agarrar num modelo tipicamente português, que é a guitarra braguesa, e usar o seu conceito de construção e a sua marca.

“Estou a pensar nisso ainda, mas gostava de usar uma linguagem tradicional portuguesa no mundo dos instrumentos musicais e adaptá-lo à minha linguagem e ao meu som, misturar a guitarra braguesa com a 'ergon guitar' e os barris do Marquês de Pombal”.

O projeto também não tem nome, por enquanto, mas há uma hipótese em cima da mesa, conta o construtor. E adianta: “Talvez se chame ‘Using History to Make History’, ou seja, usar a História para fazer História, fazendo guitarras”.

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