Segundo a investigadora do Gabinete de Estudos Olisiponenses (GEO) Ana Cristina Leite, o percurso das festas lisboetas tem sido “extremamente positivo”, considerando que as celebrações em torno de Santo António são “um património que está vivíssimo, a crescer e cada vez mais consolidado e adaptado às questões da vida contemporânea”.

"Enquanto houver Santo António, Lisboa não morre mais", afirmou à Lusa a investigadora, fazendo uso das palavras do tema "Noite de Santo António", da autoria de Norberto Araújo e Raul Ferrão, interpretado pela fadista Amália Rodrigues.

Para Ana Cristina Leite, existem dois momentos marcantes das Festas de Lisboa: inicialmente, o culto a Santo António, que remonta ao final do século XIII, e, posteriormente, a organização de uma programação mais próxima aos dias de hoje, que teve início em 1932. Ambos estão “ligados ao culto e à personalidade da imagem de Santo António”.

Nascido em Lisboa (cujo padroeiro é São Vicente), Santo António tornou-se muito acarinhado na cidade após o “milagre” durante a sua canonização em 1232, no Vaticano, em que os sinos da capital portuguesa começaram a tocar sozinhos, contou a investigadora, acrescentando que a partir dessa estória se gerou o culto.

Após a canonização, os lisboetas transformaram as antigas festas do solstício de verão, que coincidiam com a data da morte da sua morte, em festas em homenagem ao Santo António.

A atual celebração do 13 de junho, feriado municipal, corresponde à data da morte de Santo António, que faleceu em Pádua (Itália), tendo também sido adotado pelos italianos como Santo António de Pádua.

Com fama de “santinho milagreiro”, Santo António é considerado “o medianeiro entre os homens e a divindade, o advogado das almas do purgatório, dos objetos perdidos e dos bons casamentos, o protetor dos animais, o curandeiro e o fazedor de muitos milagres”, explicou Ana Cristina Leite, referindo que “é difícil localizar, do ponto de vista histórico, o aparecimento destas questões” de culto.

A ele estão ainda associados os milagres de “salvar o pai da forca, pregar aos peixes e o milagre da bilha”.

“O culto a Santo António é de uma espontaneidade muito grande”, advogou a investigadora, dando como exemplo a tradição de se atirar moedas à estátua de Santo António - os namorados atiram moedas para se casarem e os casados atiram para manter o casamento.

Ana Cristina Leite sublinhou que são as pessoas que criam este tipo de tradições e rituais, expressando que “quase que se pode dizer que é um fenómeno viral”.

Em 1932, a organização das festas fez surgir as Marchas Populares e os Casamentos de Santo António, iniciativas que ainda se mantêm.

Questionada sobre as tradições que se perderam desde o século XIII nas Festas de Lisboa, a responsável lembrou a oferta do bodo, que eram fogaças e doces que a igreja oferecia à família real e a população, custeadas pelo município, o pão de Santo António, a reza de 13 terços no dia anterior a 13 de junho, as fogueiras, a imagem de Santo António à entrada das casas e os tronos construídos por crianças, tradição que só foi recuperada em 2015.

Apesar de algumas perdas, “o conceito geral das festas mantém-se, adaptado, claramente, aos dias de hoje”, considerou a investigadora, referindo que a programação das festas está atualmente mais espalhada por toda a cidade.

Sobre o crescimento do turismo e a perda de lisboetas a viver na cidade, Ana Cristina Leite destacou o papel ativo das coletividades em garantir a autenticidade na organização das celebrações.

Este ano, as Festas de Lisboa assinalam o 170.º aniversário do nascimento de Rafael Bordalo Pinheiro e os 50 anos da construção da Ponte Sobre o Tejo (Ponte 25 de Abril).

Curiosamente, a primeira representação do Zé Povinho, figura criada por Bordalo Pinheiro em 1875, “é, precisamente, o Zé Povinho a olhar para um trono de Santo António”, numa sátira à cobrança de impostos.