A história que se segue é a saga de uma família judaica que na sua essência é representativa da história dos judeus do leste europeu nos séculos XIX e XX. Trata-se da família Goldreich Mucznik, a minha família.

A título de curiosidade, na sua obra de cinco volumes, Genealogia Hebraica: Portugal e Gibraltar, Séculos XVII a XX, José Maria Abecassis escreve que, de acordo com uma informação de Susan C. Sherman dos Estados Unidos, ela própria tem encontrado o apelido dos seus antepassados sefarditas escrito de várias maneiras, incluindo Mutchnick.

Segundo a tradição da sua família, estes provinham da Península Ibérica, de onde fugiram da Inquisição para a Holanda, indo depois para a Polónia e Rússia. Verdade ou não, só uma pesquisa genealógica mais aprofundada o poderia eventualmente confirmar.

"É Desta Que Leio Isto"

"É Desta Que Leio Isto" é um grupo de leitura promovido pela MadreMedia e por Elisa Baltazar, co-fundadora do projeto de escrita "O Primeiro Capítulo”.

Lançado em maio de 2020, foi criado com o propósito de incentivar à leitura e à discussão à volta dos livros. Já folheámos as páginas de livros de autores como Luís Sepúlveda, George Orwell, José Saramago, Dulce Maria Cardoso, Harper Lee, Valter Hugo Mãe, Gabriel García Marquez, Vladimir Nabokov, Afonso Reis Cabral, Philip Roth, Chimamanda Ngozi Adichie, Jonathan Franzen, Isabel Lucas, Milan Kundera, Joan Didion, Eça de Queiroz e Patricia Highsmith, sempre com a presença de convidados especiais que nos ajudam à discussão, interpretação, troca de ideias e, sobretudo, proporcionam boas conversas.

Ao longo da história do nosso clube, já tivemos o privilégio de contar nomes como Teolinda Gersão, Afonso Cruz, Tânia Ganho, Filipe Melo e Juan Cavia, Kalaf Epalanga, Maria do Rosário Pedreira, Inês Maria Meneses, José Luís Peixoto, João Tordo e Álvaro Laborinho Lúcio, que falaram sobre as suas ou outras obras.

Para além dos encontros mensais para discussão de obras literárias, o clube conta com um grupo no Facebook, com mais de 2500 membros, que visa fomentar a troca de ideias à volta dos livros, dos seus autores e da escrita e histórias que nos apaixonam.

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Mas porque escrever sobre uma família cujo papel na história foi semelhante ao de tantos outros, sem particular destaque?

Em primeiro lugar, e muito simplesmente, porque e a minha família e porque quero que os meus netos e bisnetos conheçam a sua/nossa história para que não cheguem a idade adulta sem saberem de onde vem, arrependendo-se, tarde de mais, de nunca terem questionado os pais ou os avós sobre o seu passado. Tal como e essencial para um povo saber de onde vem e quais as suas raízes, assim também o e para uma família. Não nascemos do nada e, embora a educação e o contexto em que vivemos determinem em parte as nossas vidas, a verdade e que trazemos connosco genes que contam eles próprios uma história.

Em segundo lugar, porque todas as pessoas, todas as famílias, mesmo as que a História ignora, são testemunhas do seu tempo, ou seja, são provas de um contexto político e ideológico, da geografia e do clima. Como se verá, a minha família conta não só a sua mas também uma parte da história conturbada dos séculos XIX e XX.

Há ainda um outro motivo: para muita gente, a palavra cosmopolita ainda e sinónimo de falta de vínculos e/ou ausência de patriotismo.

Com base na história da minha família e na de tantas outras, posso dizer que nada disso é verdade e espero ser capaz de o provar nas páginas que lerão. Na minha opinião, cosmopolitismo é sobretudo a capacidade de adaptação a novas situações, costumes e identidades, que se tornam parte integrante do eu. Os judeus são errantes não por defeito mas pela sua história, e eu gostaria que este livro e as vidas que nele são retratadas contribuíssem para a percepção clara de que se pode ter uma origem e uma identidade religiosa diferentes daquelas onde nos estabelecemos e sermos cidadãos fiéis, leais e patriotas, não só legalmente mas de alma e coração. Dirão alguns que isso é óbvio, e para esses assim o é, porém a experiência mostrou-me que para demasiadas pessoas ainda não é bem assim, aliás, que o diferente é demasiadas vezes o outro.

Livro: "Uma Família Judaica, de Varsóvia e Brody a Lisboa e Telavive"

Autor: Esther Mucznik

Editora: Dom Quixote

Data de Lançamento: 30 de janeiro de 2024

Preço: € 22,90

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No entanto, há três bons exemplos, entre muitos outros, que evidenciam esse respeito e compromisso. Desde logo, os judeus ibéricos que, no seguimento de expulsões, conversões forçadas e perseguições inquisitoriais, nunca esqueceram o seu paraíso perdido. Também os judeus árabes, expulsos de países como o Egipto ou o Iraque devido a criação do Estado de Israel, guardam doces memórias de uma época de tolerância e de confraternização inter-religiosa, tal como os judeus alemães, mais alemães do que judeus e para quem a cultura alemã e a sua cultura e a Alemanha o seu país, país esse pelo qual combateram e muitos morreram durante a Primeira Guerra Mundial.

Pessoalmente, dou muita importância a memória e a sua transmissão, e escrever este livro e talvez também um apelo silencioso para que não nos esqueçam, para que nos guardem nas suas mentes, nos seus corações. De facto, a transmissão da memória e uma característica muito judaica. Está naturalmente relacionada com o lado sombrio da sua história secular durante o qual se tentou múltiplas vezes aniquilar o seu povo e o seu património intelectual e cultural.

A memória e, como todos sabemos, falível, porque selectiva, e nem todos vivemos as coisas da mesma maneira. Como se verá ao longo deste livro, pessoas que viveram a mesma realidade tem por vezes dela versões diferentes, o que e compreensível, porque o seu impacto naquilo que nos rodeia, nos acontecimentos de que somos alvo ou testemunhas e muitas vezes distinto, visto que as pessoas são elas próprias diferentes. Assim, quando for o caso, apresentarei ambas as perspectivas, porque não me cabe decidir qual a memória certa.

Ao longo do livro, acompanharemos a errância dos descendentes dos vários ramos da família Goldreich Mucznik, a sua diáspora, ou seja, os países onde criaram raízes ou onde apenas fizeram uma breve paragem. Serão abordadas as culturas que os moldaram, as línguas que acumularam, as experiências que os marcaram, os momentos felizes e os mais dolorosos. Mas o pano de fundo será sempre a História, com o seu implacável determinismo. Para o bem e para o mal.